Fernando Pessoa

Mestres da Poesia - Fernando Pessoa


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      Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo

      Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo,

      E ao beber nem recorda

      Que já bebeu na vida,

      Para quem tudo é novo

      E imarcescível sempre.

      Coroem-no pâmpanos. ou heras. ou rosas volúveis,

      Ele sabe que a vida

      Passa por ele e tanto

      Corta a flor como a ele

      De Átropos a tesoura.

      Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,

      Que o seu sabor orgíaco

      Apague o gosto ás horas,

      Como a uma voz chorando

      O passar das bacantes.

      E ele espera, contente quase e bebedor tranquilo,

      E apenas desejando

      Num desejo mal tido

      Que a abominável onda

      O não molhe tão cedo.

      Não a Ti, Cristo, odeio ou te não quero

      Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero.

      Em ti como nos outros creio deuses mais velhos.

       Só te tenho por não mais nem menos

      Do que eles, mas mais novo apenas.

      Odeio-os sim, e a esses com calma aborreço,

      Que te querem acima dos outros teus iguais deuses.

       Quero-te onde tu estás, nem mais alto

       Nem mais baixo que eles, tu apenas.

      Deus triste, preciso talvez porque nenhum havia

      Como tu, um a mais no Panteão e no culto,

       Nada mais, nem mais alto nem mais puro

      Porque para tudo havia deuses, menos tu.

      Cura tu, idólatra exclusivo de Cristo, que a vida

      É múltipla e todos os dias são diferentes dos outros,

       E só sendo múltiplos como eles

       Estaremos com a verdade e sós.

      Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio

      Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.

      Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos

      Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

      (Enlacemos as mãos).

      Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

      Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,

      Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

      Mais longe que os deuses.

      Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.

      Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.

      Mais vale saber passar silenciosamente

      E sem desassossegos grandes.

      Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,

      Nem invejas que dão movimentos demais aos olhos,

      Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,

      E sempre iria ter ao mar.

      Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,

      Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,

      Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro

      Ouvindo correr o rio e vendo-o.

      Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as

      No colo, e que o seu perfume suavize o momento -

      Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,

      Pagãos inocentes da decadência.

      Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois

      Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,

      Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos

      Nem fomos mais do que crianças.

      E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,

      Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.

      Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim – à beira-rio,

      Pagã triste e com flores no regaço.

      Não só quem nos odeia ou nos inveja

      Não só quem nos odeia ou nos inveja

      Nos limita e oprime; quem nos ama

      Não menos nos limita.

      Que os deuses me concedam que, despido

      De afectos, tenha a fria liberdade

      Dos píncaros sem nada.

      Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada

      É livre; quem não tem, e não deseja,

      Homem, é igual aos deuses

      Não Tenhas

      Não tenhas nada nas mãos

      Nem uma memória na alma,

      Que quando te puserem

      Nas mãos o óbolo último,

      Ao abrirem-te as mãos

      Nada te cairá.

      Que trono te querem dar

      Que Átropos to não tire?

      Que louros que não fanem

      Nos arbítrios de Minos?

      Que horas que te não tornem

      Da estatura da sombra

      Que serás quando fores

      Na noite e ao fim da estrada.

      Colhe as flores mas larga-as,

      Das mãos mal as olhaste.

      Senta-te ao sol. Abdica

      E sê rei de ti próprio.

      Uns, com os olhos postos no passado

      Uns, com os olhos postos no passado,

      Vêem o que não vêem; outros, fitos

      Os mesmos olhos no futuro, vêem

      O que não pode ver-se.

      Porque tão longe ir pôr o que está perto —

      A segurança nossa? Este é o dia,

      Esta é a hora, este o momento, isto

      É quem somos, e é tudo.

      Perene flui a interminável hora

      Que nos confessa nulos. No mesmo hausto

      Em que vivemos, morreremos. Colhe

      O dia, porque és ele.

      Cada um cumpre o destino que lhe cumpre

      Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.

      E deseja o destino que deseja;

      Nem cumpre o que deseja,

      Nem deseja o que cumpre.

      Como as pedras na orla dos canteiros

      O