Diego Maenza

A Estrutura Da Oração


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      DIEGO MAENZA

      Traduzido por Susana Franco

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      © Diego Maenza, 2018

      © Traduzido do espanhol por Susana Franco, 2020

      © Tektime, 2020

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      CONTEÚDO

      PRIMEIRA PARTE

      DOMINGO

      SEGUNDA-FEIRA

      TERÇA E QUARTA-FEIRA

      QUINTA-FEIRA

      SEXTA-FEIRA

      SÁBADO

      DOMINGO

      SEGUNDA PARTE

      SEMANA 1

      SEMANA 2

      SEMANA 3

      SEMANA 4

      TERCEIRA PARTE

      JANEIRO

      FEVEREIRO

      MARÇO

      ABRIL

      MAIO

      JUNHO

      JULHO

      AGOSTO

      SETEMBRO

      OUTUBRO

      NOVEMBRO

      DEZEMBRO

      PRIMEIRA PARTE

      EM NOME DO PAI

      DOMINGO

      Luz e escuridão

      Pater noster, qui es in caelis…

      “A escuridão é a cegueira dos pensamentos, o rugido do silêncio. É como uma praga que se transforma em tonturas, carência, calafrios e numa amargura que se alimenta do choro. É uma condenação dos medos do passado, uma insegurança para as calamidades do futuro, é como um borrão que intensifica os sentidos. Isto é a escuridão. E de repente, meus filhos, eis que podem contemplar o mundo”. Saio da vigília como se tivesse sido expelido do abismo do útero. Sinto-me renascido, apesar de ter consciência dos meus erros. Sinto o meu mau hálito matinal no bigode, impregnado no tecido da almofada ou simplesmente integrado no ar do quarto. Entretanto, o mundo permanece ali. Sento-me e o reflexo que emerge da janela cega-me e obriga-me a tapar o rosto. Acordei após um pesadelo em que a minha alma já tinha suportado mais do que deveria. Fico a observar, quase que assombrado, como se fosse a primeira vez, a secura das paredes do quarto, a tristeza nas suas rachaduras, as fotos a preto e branco a fazer contraste com os quadros coloridos onde estavam apoiadas, a pintura de um mundo fechado numa bolha de cristal, que bem poderia ser para proteção contra algum perigo externo para que não danifique, novamente, a superfície ou para que possa permanecer como contenção, para que os males que estão incrustados nesta Terra devastada não germinem e para que nenhuma Pandora curiosa volte a destapar os seus podres. Lá ao fundo, atrás do mundo, observo uma vez mais a imagem de Deus. Fechando os olhos, começo a orar. “Pai amado, livra-me de todo o pecado, porque é Teu o reino dos céus e da Terra e as Tuas intenções são puras e inquestionáveis, purifica a minha alma, para que eu seja afastado da tentação e abençoa o meu dia”.

      Sento-me e pressinto a amargura do vinho instaurada nas minhas entranhas, em alguma parte dos meus tecidos. Deslizo rumo ao lavatório, onde o espelho reflete as remelas que mancham os meus olhos e que afasto com as pontas dos dedos, fazendo com que aquele processo desperte algum arrepio em mim. Lavo o rosto com água e sabão. Com a pasta de dentes, lavo a boca, que ainda emite o hálito matinal ao qual estou habituado. Defeco com prazer e noto os salpicos acumulados na parte da frente da minha roupa interior, denunciando a viscosidade de uma substância de brilho raro, matinal e quase quotidiana. Oh, Senhor, que lindos, mas, ao mesmo tempo, cruéis, são os sonhos. Os sonhos são o único lugar onde posso ser eu mesmo.

      *

      O jornal traz sempre as mesmas notícias. Mas há um título na página central que lhe chama à atenção sobre as últimas declarações do Santo Padre. Ele lê o seu conteúdo, impresso em letras miudinhas, e examina a foto colorida que foi publicada junto com a notícia. Coberto por uma capa e surgindo, como é tradição, à varanda principal da Basílica do Santo, anunciou a véspera da Semana Santa. O Padre Misael, podemos dizer desde já o seu nome, reza e prepara-se para a missa.

      *

      Não consigo afastar aquela imagem. Está na minha cabeça e não consigo esquecê-la. Sofro tanto diante do altar quando me lembro disso. Como suporto aquele tormento na hora de dizer as últimas orientações de cada missa, que os paroquianos recebem como se fossem palavras novas. Resisto tanto segundos antes do corpo e o sangue de Deus me purificarem. E tudo isso por causa daquela imagem. Está presa a mim, dominando-me, é uma maldição do Inferno que toma conta do meu espírito e só posso recorrer à proteção de Deus Todo-Poderoso para que ilumine o meu caminho.

      *

      Sentado à mesa, afasto o prato dos legumes e considero que preparei um almoço excessivo. Contemplo com uma atenção injusta a limpeza dos móveis, do piso, da prateleira sem pó, da imitação de porcelana imperial com um brilho fora do normal e que mostra os querubins nus com os seus rostos pálidos e espectrais. Tomás, disciplinado, está ofegante lá em baixo, abanando o rabo em gesto de saudação. O menino bebe o sumo de laranja que vai derramando a gotas pelos cantos dos seus lábios e eu começo a rir com a sua falta de jeito. Como apenas a salada e bebo meio copo do sumo de frutas e afasto o peixe, porque não me apetece, tal como afastei todo o resto da comida. O meu olho direito volta a verter remelas, que retiro com pudor e algum aborrecimento, uma vez que o miúdo dirigiu-me uma cara de espanto enquanto comentava algumas das passagens da Bíblia. Tomás segue-me até à cozinha, envergando um passo marcial, implorando com a sua respiração ofegante alguma satisfação que diminua o vazio do seu estômago e que o impeça de salivar.

      *

      Subo as escadas e dirijo-me aos meus aposentos. Tento descansar, mas sem sucesso. Regresso ao sonho que pesa sobre mim como uma pedra e que só consigo tentar apagar quando acordo. A tal escuridão. E de repente, regressa a mesma imagem, que se repete uma e outra vez, como se o meu olhar estivesse dentro de um caleidoscópio, cujas refrações levam-me, a cada instante, àquela imagem sem distorção. Peço a Deus que me livre deste tormento e que o meu espírito se acalme com estes sobressaltos. Umas orelhas ciclopídeas, rachadas pela lâmina de uma faca. É essa a imagem e sei bem de onde vem. Das lembranças que tenho do quadro que está no meu quarto, de certeza. Do estudo vespertino, permanente e inesgotável que costumo fazer ao contemplar o quadro de toda a vez que permito que as suas portas se abram. É uma imitação falsa e quase destruída, do célebre tríptico do grande pintor, que comprei com as poupanças de uma vida inteira. Há que reconhecer que não passa de um objeto fútil, comparado com o original, principalmente na arte, apesar de ser uma cópia fiel, de iguais proporções. Contemplo o mundo. Consinto que se abram as portas da obra matizada sobre a tábua de carvalho e fixo-me num mundo paralelo: o do Paraíso, do Jardim e do Inferno. Todas as tardes fico maravilhado. A arte do pintor é tão imaculada que até me arrepia, mesmo com uma interpretação mal feita. Costumo caminhar sobre o fresco do entardecer, explorando as peças da sua constituição, tentando decifrar a alquimia que gerou a destruição do Paraíso do tempo presente, a arte do Demiurgo que construiu o Inferno, que finjo conhecer, pois só se tem capacidade de rejeitar aquilo que se conhece, o caminho da perdição que conduz a este calvário.

      *

      Desperto do sonho com o corpo dolorido, com uma sensação de calor que me incita ao pecado. Fico com a impressão de que já não sou a mesma pessoa, de que quero escapar para algum lugar onde não