João de Deus

Flores do Campo


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cabe, vai depôr

      Em Deus, e Deus bem sabe se era amor;

      Se d’outra flôr o calix mais libei

      Por esses quantos valles divaguei;

      Se um nome em igneo traço li no céo,

      Nas ondas e no espaço, mais que o seu…

      Deus sabe se eu dos montes vi tambem

      Nos vastos horisontes mais alguem;

      Nos tristes e risonhos dias meus,

      Se alguem vi mais em sonhos, que ella e Deus.

      Porém quem é que apanha o aereo véo

      Da nuvem da montanha, se é do céo?

      Se á terra a nuvem desce, quando vai

      Tocar-se-lhe, desfez-se como um ai.

      Coimbra.

      * * *

      Luz d’intima influencia,

      Oh fugitiva luz!

      Luz cuja eterna ausencia

      É minha eterna cruz.

      Podessem-te, ainda antes

      Do meu extremo adeus,

      Meus olhos fluctuantes

      Vêr lampejar nos céos.

      Se ainda n’esse espaço,

      Tão longe onde tu vás,

      Visse um reflexo baço

      Da pura luz que dás;

      Tornaram-se-me estrellas

      As lagrimas de dôr;

      E lagrimas são ellas…

      Sim, lagrimas d’amor!

      Vê n’esse espaço immenso

      Os astros como estão

      Bem como eu estou, suspenso

      Por intima attracção.

      Porque ha quem os attráia;

      É essa eterna paz

      Que a mim de praia em praia

      A suspirar me traz.

      Converte-me este inferno

      Em azulado céo,

      Ou quebra o laço eterno

      Que a tua luz me deu;

      Ou antes muda em espuma

      De nunca estavel mar

      Esta alma que alma alguma

      Póde exceder em amar.

      Em cinza, em terra, em nada,

      Meu sêr converte, ó luz,

      Mas sempre, sempre amada,

      Deliciosa cruz!

      Portimão.

      RESPOSTA

A A. DO QUENTAL

      Em fumo se vai tudo, amigo! Olhando

      Para as nuvens do céo, nuvens d’aquellas,

      E parece-me ainda que mais bellas,

      Anda a gente fazendo e desmanchando.

      Dá-me uma saudade em me lembrando

      O bello tempo que passei com ellas,

      Por essa immensa abobada de estrellas,

      Por esse mar de fogo viajando…

      Andasse ainda eu lá, que não me havia

      De vêr por estes charcos atolado,

      Onde nem sol nem lua me alumia.

      Andasse ainda eu lá, desenganado

      Mesmo já como estou de achar um dia

      A patria d’aonde ando desterrado.

      * * *

      Pois se o homem, se anjo e nume,

      Planta e flôr,

      Dá seu canto, luz, perfume,

      Crença e amor;

      Pois se tudo sobre a terra

      Que ame alguem,

      Rosa ou espinho, quanto encerra

      Dá, se o tem;

      Se os carvalhos, nus, medonhos,

      Veste abril;

      Se inda a noite presta aos sonhos

      Graças mil;

      Se onde ha ramo, voz uma ave

      Desprendeu;

      Se onde ha folha, gotta suave

      Cahe do céo;

      Se na praia, quando a onda

      Vem de lá,

      Beijos, antes que se esconda,

      Mil lhe dá;

      Tambem, anjo meu saudoso!

      Te hei de emfim

      Ah! dar quanto de precioso

      Sinto em mim!

      Dou-te o nectar, que me acalma;

      Toma-o tu!

      Sim, meu pranto; mais uma alma

      Que eu possuo!

      Dou-te os sonhos meus ardentes,

      Mas leaes;

      Dou-te as notas mais cadentes

      Dos meus ais!

      Do que ha lindo, tudo quanto

      Me seduz;

      D’esta vida, riso e pranto,

      Noite e luz!

      Dou-te o genio meu, que á sorte

      Vês fluctuar

      Sem mais véla, sem mais norte

      Que esse olhar!

      Dou-te a lyra, que me inspiras,

      Sonho meu!

      Que suspira, se suspira,

      Flôr do céo!

      Dou-te; aceita: tudo é santo,

      Tudo, flôr!

      Dou-te uma alma toda encanto,

      Toda amor!

      V. Hugo.

      Coimbra.

      FLÔR E BORBOLETA

      Tu vôas, borboleta! e que eu não possa

      Voar, amor!

      Diversa como é n’isto sorte nossa!

      Dizia a flôr.

      No valle, ambas irmãs, nascidas fomos;

      És como eu sou;

      E amamo-nos, e flôres ambas somos,

      Mas eu não vôo.

      A ti leva-te o ar; prende-me a terra

      A mim; e eu

      Como hei-de perfumar-te em valle e serra,

      E lá no céo!…

      Mais longe inda tu vás, por outras flôres…

      Girar, talvez,

      Em quanto a minha sombra, meus amores!

      Gira a meus pés!

      E vens-me