VINTE E SEIS
PRÓLOGO
Hope Nelson olhou ao redor da loja pela última vez antes de fechar as portas. Ela estava cansada, já que aquele havia sido um longo e estressante dia de trabalho. Já passava da meia-noite, e ela estava ali desde o início da manhã.
Estava sozinha, porque havia mandado os últimos funcionários para casa um pouco mais cedo. Nenhum deles gostava de trabalhar até tarde nas noites de sábado. Em dias úteis, a loja sempre fechava às cinco, o que era mais do que suficiente para todos.
Não que os funcionários tivessem agradecido muito aquele gesto.
Dona do lugar ao lado de seu marido, Mason, e portanto trabalhando mais horas do que qualquer outra pessoa—Hope era a primeira a chegar e a última a sair na maioria dos dias. Não era segredo para ela que as pessoas do bairro sentiam inveja dela e de Mason por serem o casal mais rico na pequena cidade de Dighton.
Mas ela também tinha motivos para se ofender com eles.
Seu lema pessoal era...
Dinheiro é responsabilidade.
Levava suas muitas tarefas a sério, assim como Mason, que também era o prefeito da cidade. Eles não costumavam tirar férias, nem sequer dias de folga. Às vezes, Hope sentia que ela e Mason eram as únicas pessoas por ali que se importavam com algo.
Ao olhar para os produtos bem organizados—o computador e o gerador, as sementes, as comidas, os fertilizantes—Hope pensou, como sempre pensava...
Dighton não duraria um dia sem nós.
Na verdade, ela pensava assim sobre toda a região.
Às vezes, sonhava com os dois juntando suas coisas e indo embora, apenas para provar aquela tese.
Todo mundo iria entender.
Ela apagou as luzes com um suspiro cansado. Depois, ao chegar ao sistema de alarmes para ativá-lo antes de sair, viu uma figura através da porta de vidro. Era um homem, parado na calçada, sob a luz da rua, a cerca de dez metros.
Ele parecia estar olhando diretamente para ela.
Hope ficou assustada ao ver que o rosto dele era muito marcado e machucado—por marcas de nascença ou por algum acidente terrível, ela não sabia. Ele vestia uma camiseta, mas era possível perceber que tinha problemas parecidos nas mãos e nos braços.
Deve ser difícil para ele viver a vida assim, pensou.
Mas o que ele estaria fazendo sozinho ali tão tarde em uma noite de sábado? Ele teria vindo à loja antes? Se sim, um dos funcionários já devia tê-lo ajudado. Com certeza, Hope não esperava ver ele ou qualquer outra pessoa ali depois de fechar as portas.
Mas ali estava ele, olhando para ela e sorrindo.
O que ele queria?
O que quer que fosse, Hope precisaria conversar com ele pessoalmente. E aquilo a incomodava. Seria difícil fingir não perceber os problemas no rosto machucado.
Sentindo-se desconfortável, Hope digitou o código do alarme, saiu e fechou a porta de frente. O ar quente da noite trouxe uma sensação boa, após um dia inteiro dentro da loja sentindo cheiros fortes, a maior parte deles de fertilizantes.
Quando começou a caminhar em direção ao homem, sorriu e disse:
- Desculpe, já fechamos.
Ele encolheu os ombros e seguiu sorrindo e murmurando algo impossível de entender.
Hope suspirou. Queria pedir para que ele falasse mais alto. Mas sabia que qualquer coisa que dissesse soaria como uma ordem, e não como um pedido educado. Estava, irracionalmente, com medo que ferir os sentimentos daquele homem.
Ele aumentou seu sorriso enquanto ela caminhava em sua direção. Novamente, disse algo que ela não pode entender. Hope parou a apenas alguns centímetros dele.
- Desculpe, mas nós já fechamos por hoje – disse.
Ele murmurou algo inaudível. Ela balançou a cabeça para indicar que não havia entendido.
Ele falou um pouco mais algo, e dessa vez ela conseguiu entender:
- Tenho um problema com algo.
Hope perguntou:
- O que é?
Ele novamente disse algo inaudível.
Talvez ele queira devolver algo que comprou hoje, ela pensou.
A última coisa que Hope queria naquela hora era abrir as portas e desativar o sistema de alarme, apenas para receber o produto de volta e devolver o dinheiro. Ela disse:
- Se você quer devolver algo, desculpe, mas vai ter que voltar amanhã.
O homem com o rosto machucado murmurou:
- Não, mas...
Então ele riu em silêncio, ainda olhando para ela. Hope não conseguiu manter contato visual com ele. E, de certa maneira, sentiu que ele percebeu.
A julgar por seu sorriso, ele parecia estar até gostando.
Hope arrepiou-se ao pensar que ele poderia sentir prazer ao provocar desconforto em outras pessoas.
Então, o homem disse um pouco mais alto e claro:
- Venha ver.
Ele apontou para sua picape velha, que estava estacionada próxima à calçada, ali perto. Depois, virou-se e começou a caminhar em direção ao veículo. Hope ficou parada ali por um momento. Ela não queria segui-lo, e sabia que não tinha motivos para isso.
Seja o que for, pode esperar até amanhã.
Mas ela não conseguiu simplesmente se virar e ir embora.
Novamente, estava com medo de ser rude com ele.
Caminhou atrás dele até os fundos da picape. O homem abriu a tampa do veículo e ela pode ver um emaranhado de arame farpado por toda a carroceria.
De repente, ele a agarrou por trás e colocou um trapo molhado em seu rosto.
Hope tentou escapar, mas ele era mais alto e mais forte do que ela.
Ela não pode sequer livrar sua boca para gritar. Estava encharcada com um líquido espesso, que cheirava forte e tinha um gosto ligeiramente doce.
Então, uma estranha sensação tomou conta dela.
Tontura e euforia, como se tivesse usado algum tipo de droga.
Por alguns segundos, aquela euforia fez com que fosse difícil para Hope entender que ela estava em perigo. Depois, ela tentou lutar novamente, mas sentiu-se cada vez mais fraca.
Seja lá o que aquele homem quisesse fazer, ela já não conseguia lutar contra ele.
Sentindo-se quase que fora de seu próprio corpo, Hope percebeu