Bernard. O que deixava um apartamento vazio, e quando ele chegou na cidade, parecia a oportunidade perfeita. O pequeno apartamento continha dois quartos do tamanho de um armário e um cômodo principal, algo pelo que ele deveria ser grato. No entanto, o conforto anterior era difícil de esquecer: os quartos espaçosos em mansões elegantes e extensos gramados verdes em todas as direções.
Antes de perder tudo, a herança familiar e a reputação.
Nate estava sentado na cozinha com a xícara fumegante de Earl Grey. Ele aceitaria qualquer paz e sossego que pudesse reivindicar. O Senhor sabia que não receberia nenhum nos corredores, ou mesmo nas primeiras horas da noite, quando gritos, berros e batidas ecoavam por este edifício. E após o surpreendente aparecimento e desaparecimento de Belle Griffiths ontem, ele precisava de algum tempo para contemplar.
Ele não se decidira se iria ao encontro dela no Águia de Ferro esta noite. Verdade seja dita, ele não conseguia parar de pensar na maneira tímida com que ela mordeu o lábio inferior, ou no brilho daqueles olhos castanhos profundos, como se muito mais borbulhasse sob a superfície. A mulher havia despertado a curiosidade dele, como se acendesse um fósforo, e fazia muito, muito tempo que ninguém chamava a atenção dele dessa maneira.
Um barulho soou na porta e, um segundo depois, ela se abriu. O aperto de Nate aumentou em torno da caneca de chá enquanto se preparava para jogar o líquido quente no intruso.
No momento em que Ellie Whitfield entrou pela porta, ele relaxou no lugar. Nate tomou outro gole do Earl Grey. Tanto por paz e sossego, as primas eram a antítese. Ellie usava um boné de jornaleiro e suspensórios, um brilho selvagem nos olhos e os cabelos pretos e espessos estavam presos em um rabo de cavalo baixo. A mulher caminhava com uma arrogância inegável onde quer que entrasse.
— Querido primo. — Ellie cantou ao agarrar a cadeira na frente dele e se afundar nela. — Eu esperava encontrar você aqui.
— Eu moro aqui. — ele murmurou, levantando uma sobrancelha. — Não é um palpite muito complicado.
— Cuidarei de você no caminho para a loja hoje. — ela disse, dando um sorriso fácil.
Ellie se recostou na cadeira, esticando os suspensórios com o movimento.
Nate não pôde evitar o sorriso pesaroso pela impudência da mulher. Era evidente que ela queria algo da loja dele e estava escolhendo o caminho indireto. Embora, verdade seja dita, Ellie e Theo encontravam desculpas para se juntar a ele no café-da-manhã ou passar por aqui sem avisar quase como se o par o estivesse verificando.
— Muito obrigado. — disse ele, levantando a caneca. — Sou péssimo em defesa pessoal.
Ellie deu um tapa no ombro dele, quase fazendo com que o líquido da xícara espirrasse na mesa.
— Não há nada do que se envergonhar. Qualquer pessoa que não tenha crescido por aqui teria problemas.
Nate terminou a xícara de chá antes que ela pudesse perturbá-lo mais e foi até a pia.
— Que tipo de poções está procurando?
Ellie colocou a mão no peito.
— Fico magoada, Nathaniel Whitfield, por acreditar que eu estaria aqui para fins tão egoístas e não para verificar o bem-estar de meu querido primo. — ele a encarou com um olhar penetrante, e ela sorriu. — No entanto, farei um pagamento generoso por um pouco do seu soro da verdade.
Os lábios dele se curvaram.
Há não muito tempo, Ellie havia começado a trabalhar nas sombras do submundo, mas Theo e tia Eleanor pareciam estar bem com os novos arranjos. Além disso, se ela estivesse envolvida mesmo em algo problemático, o marido detetive trocaria algumas palavras com ela.
E após morar aqui neste curto período, ele já percebeu que nem todo mundo imerso em uma vida de crime pertencia ao crime. Ele refletiu acerca do convite de Belle pelo menos uma centena de vezes na noite anterior, e ainda não decidira se queria ir ou não.
A mulher era perigo garantido, e ele atraía tanto para si sem ajuda, que não precisava dar boas-vindas a mais.
Ainda assim, ele não conseguia tirá-la da cabeça. Além das curvas suaves, feições delgadas e o tipo de atração que o mantinha atento, Belle Griffiths ofereceu um vislumbre de algo real além de sorrisos e bravatas.
— Ficará sonhando acordado até o torpor, ou vamos partir para o centro da cidade até o seu local de trabalho? — Ellie chamou, tirando-o de seus devaneios.
Nate se sacudiu para voltar ao presente, percebendo que os dedos estavam à deriva na caneca de porcelana na pia.
— Certo. Deixe-me pegar o casaco e vamos embora.
Ele pegou o casaco da cadeira e vestiu a peça de tecido grosso. Tal como acontece com vários de seus pertences, este casaco o lembrava da riqueza que ele uma vez teve nas mãos: da sociedade, do conforto e do status.
— Peça chique como se fosse ao encontro da nata, não? — Ellie comentou, demorando-se na porta.
— Creio que estou andando pelas ruas com proteção suficiente para justificar um casaco de qualidade. — Nate respondeu, dando um olhar aguçado.
Ellie encolheu os ombros, um sorriso eterno nos lábios.
— Quando estiver sozinho, pode ser melhor se misturar, querido primo.
— Levarei isso em consideração no dia em que você aprender a visitar de maneira normal, em vez de invadir o café-da-manhã de alguém. — Nate trancou a porta atrás de si, e juntos caminharam pelo corredor do prédio residencial.
— Sentiria falta das minhas visitas matinais. — Ellie insistiu, caminhando pelo corredor com uma familiaridade que ele ainda não havia assumido.
O fedor no lado de fora; de vômito, mofo e madeira podre, que formigava seu nariz e revirou seu estômago, aumentou. Ele se esquivou de algumas manchas questionáveis no carpete manchado, com os ombros retos. A qualquer momento, alguém pode cambalear para fora de um dos apartamentos, os punhos balançando.
Ele deveria ser grato a Ellie e Theo por cederem este lugar, que era tudo o que ele podia pagar. No entanto, o ressentimento pela vida que ele abandonou borbulhava nele como ácido sulfúrico, corroendo as entranhas com o tempo.
Eles saíram para as ruas, o que não oferecia um fedor muito melhor. O frio da manhã o deixou feliz por ter escolhido seu casaco mais grosso. Andar pelas ruas de Islington durante o dia não era nada como passear à noite. À noite, os bêbados faziam barulho, os batedores de carteira corriam soltos, e as gangues vagavam livres. De manhã, metade dos habitantes já havia pisado para trabalhar nas fábricas, enquanto os vagabundos restantes dormiam após noites turbulentas.
— O que sabe sobre o Águia de Ferro? — Nate perguntou, querendo um pouco mais de informação, antes de tomar a decisão sobre esta noite.
Ellie lançou um olhar curioso, embora a mulher estivesse atenta aos seus arredores o tempo todo.
— É seguro o suficiente para visitar após fechar a loja, se é o que está perguntando. O bar fica na próxima seção da cidade, e é frequentado pelos operários, não pelos ladrões.
Nate franziu os lábios. Se a mulher estava tentando evitar as gangues, a localização fazia sentido.
Passaram por um dos bares locais e algumas lojas abrindo para o dia. Ele não se preocupou em fazer amizades com os vizinhos ainda, mas supôs que deveria. Pelo menos, se as invasões à loja pudessem parar para ele ganhar tempo.
Eles dobraram a esquina para a rua onde ficava a loja. Os dedos já coçavam para começar a trabalhar em novas poções, diferentes tipos de transmutação para tentar vender aos rufiões por aqui. Se ele quisesse se envolver no submundo, seria muito fácil começar a fornecer às gangues as poções mais sombrias das quais ele se esquivava. O retorno financeiro seria muito maior do que ele conseguia agora, mas ele teria que vender a alma no processo. Não importa o quão longe ele