Luis de Camoes

Os Lusíadas


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muy pouco val esforço, & arte,

      Contra infernais vontades enganoſas:

      Pouco val coração, aſtucia , & ſiſo,

      Se la dos Ceos nam vem celeſte auiſo.

      Meyo caminho a noite tinha andado,

      E as Eſtrellas no Ceo co a luz alheia,

      Tinhão o largo Mundo alumiado,

      E ſo co ſono a gente ſe recreia.

      O Capitão illuſtre, ja canſado,

      De vigiar a noite, que arreceia,

      Breue repouſo antam aos olhos daua,

      A outra gente a quartos vigiaua.

      Quando Mercurio em ſonhos lhe apareçe,

      Dizendo, fuge, fuge Luſitano,

      Da cilada que o Rei malicado teçe,

      Por te trazer ao fim, & extremo dano,

      Fuge, que o Vento, & o Ceo te fauoreçe,

      Sereno o tempo tẽs, & o Occeano,

      E outro Rei mais amigo, noutra parte,

      Onde podes ſeguro agaſalharte.

      Não tens aqui ſe não aparelhado,

      O hoſpicio que o cru Diomedes daua,

      Fazendo ſer manjar acostumado,

      De cauallos a gente que hoſpedaua:

      As aras do Buſiris infamado,

      Onde os hoſpedes tristes imolaua

      Teràs certas aqui ſe muito eſperas,

      Fuge das gentes perfidas & feras.

      Vaite ao longo da coſta diſcorrendo,

      E outra terra acharàs de mais verdade

      La quaſi junto donde o Sol ardendo,

      Iguala o dia, & noite em quantidade:

      Ali tua frota alegre recebendo

      Hum Rei, com muitas obras de amizade,

      Gaſalhado ſeguro te daria,

      E pera a India certa & ſabia guia.

      Isto Mercurio diſſe, & o ſono leua

      Ao Capitão, que com muy grande eſpanto

      Acorda, & ve ferida a eſcura treua,

      De hũa ſubita luz, & rayo ſancto:

      E vendo claro quanto lhe releua,

      Não ſe deter na terra iniqua tanto.

      Com nouo ſprito ao Mestre ſeu mandaua,

      Que as vellas deſſe ao vento que aſſopraua.

      Day vellas, diſſe, day ao largo vento,

      Que o Ceo nos fauoreçe, & Deos o manda,

      Que hum menſageiro vi do claro aſſento

      Que ſo em fauor de noſſos paſſos ando:

      Aleuantaſe niſto o mouimento,

      Dos marinheiros, de hũa & de outra banda,

      Leuão gritando as ancoras acima,

      Moſtrando a ruda força, que ſe estima.

      Neſte tempo, que as ancoras leuauão,

      Na ſombra eſcura os Mouros eſcondidos,

      Manſamente as amarras lhe cortauão,

      Por ſerem, dando aa coſta, deſtruydos:

      Mas com viſta de Linces vigiauão,

      Os Portuegueſes ſempre apercebidos.

      Elles como acordados os ſentirão,

      Voando, & não remando lhe fogirão.

      Mas ja as agudas proas apartando,

      Hião as vias humidas de argento,

      Aſſopralhe galerno o vento, & brando,

      Com ſuaue & ſeguro mouimento,

      Nos perigos paſſados vão falando,

      Que mal ſe perderão do penſamento,

      Os caſos grandes, donde em tanto aperto

      A vida em ſaluo eſcapa por acerto.

      Tinha hũa volta dado o Sol ardente,

      E noutra começaua, quando virão

      Ao longe dous nauios, brandamente

      Cos ventos nauegando, que reſpirão,

      Porque auião de ſer da Maura gente,

      Pera elles arribando, as vellas virão.

      Hum de temor do mal que arreceaua,

      Por ſe ſaluar a gente aa costa daua.

      Não he o outro que fica tão manhoſo:

      Mas nas mãos vay cair do Luſitano,

      Sem o rigor de Marte furioſo,

      E ſem a furia horrenda de Vulcano,

      Que como foſſe debil & medroſo,

      Da pouca gente o fraco peito humano:

      Não teue reſiſtencia, & ſe a tiuêra,

      Mais dãno reſiſtindo recebêra.

      E como o Gama muito deſejaſſe,

      Piloto pera a India que buſcaua,

      Cuidou que entre eſtes Mouros o tomaſſe:

      Mas não lhe ſoccedeo como cuidaua,

      Que nenhum delles ha que lhe inſinaſſe

      A que parte dos Ceos a India eſtaua.

      Porem dezem lhe todos, que tem perto,

      Melinde onde achàrão Piloto certo.

      Louuão do Rei os Mouros a bondade,

      Condiçam liberal, ſincero peito,

      Mognificencia grande, & humanidade,

      Com partes de grandiſsimo reſpeito.

      O Capitão o aſſella por verdade,

      Porque ja lho diſſera deſte geito,

      O Cydenêo em ſonhos, & partia,

      Pera onde o ſonho, & o Mouro lhe dizia.

      Era no tempo alegre quando entraua,

      No roubador de Europa a luz Febea,

      Quando hum, & o outro corno lhe aquentaua

      E Flora derramaua o de Amalthea:

      A memoria do dia renouaua,

      O preſuroſo Sol, que o Ceo rodea.

      Em que aquelle, a quem tudo eſtà ſogeito,

      O ſello pos a quanto tinha feito.

      Quando chegaua a frota aaquella parte,

      Onde o Reino Melinde ja ſe via,

      De toldos adornada, & leda de arte

      Que bem moſtra eſtimar o Sancto dia:

      Treme a Bandeira, voa o Eſtandarte,

      A cor porpurea ao longe aparecia.

      Soão os atambores & pandeiros,

      E aſsi entrauão ledos & guerreiros.

      Enche ſe toda a praya Molindana,

      Da gente que vem ver a leda armada,

      Gente mais verdadeira, & mais humana

      Que toda a doutra terra atras deixada.

      Surge