Luis de Camoes

Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III


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tão mal olhada

      Olhae com que côr se doura,

      Que quero, ao fim da jornada,

      Que vós sejais confessada,

      Para qu'eu seja o que moura!

      Pois confessae-vos jagora,

      Indaque tenho temor

      Que nem nesta última hora

      Me ha de perdoar Amor

      Vossos peccados, Senhora.

      E assi vou desesperado,

      Porque estes são os costumes

      D'amor que he mal empregado;

      Do qual vou ja condemnado

      Ao inferno de ciumes.

– oOo —LABYRINTHO, QUEIXANDO-SE DO MUNDO.1

      Corre sem vela e sem leme

      O tempo desordenado,

      D'hum grande vento levado:

      O que perigo não teme,

      He de pouco exprimentado.

      As redeas trazem na mão

      Os que redeas não tiverão:

      Vendo quanto mal fizerão

      A cobiça e ambição,

      Disfarçados se acolhêrão.

      A nao, que se vai perder,

      Destrue mil esperanças:

      Vejo o mao que vem a ter;

      Vejo perigos correr

      Quem não cuida que ha mudanças.

      Os que nunca em sella andárão,

      Na sella postos se vem:

      De fazer mal não deixárão;

      De demonio hábito tem

      Os que o justo profanárão.

      Que poderá vir a ser

      O mal nunca refreado?

      Anda, por certo, enganado

      Aquelle que quer valer,

      Levando o caminho errado.

      He para os bons confusão,

      Ver que os maos prevalecêrão;

      Que, pôsto se detiverão

      Com esta simulação,

      Sempre castigos tiverão:

      Não porque governe o leme

      Em mar envolto e turbado,

      Que tẽe seu rumo mudado,

      Se perece grita e geme

      Em tempo desordenado.

      Terem justo galardão,

      E dor dos que merecêrão,

      Sempre castigos tiverão

      Sem nenhuma redempção,

      Postoque se detiverão.

      Na tormenta, se vier,

      Desespere na bonança,

      Quem manhas não sabe ter:

      Sem que lhe valha gemer,

      Verá falsar a balança.

      Os que nunca trabalhárão,

      Tendo o que lhe não convem,

      Se ao innocente enganárão,

      Perderão o eterno bem,

      Se do mal não s'apartárão.

– oOo —CONVITE QUE FEZ NA INDIA A CERTOS FIDALGOSA primeira iguaria foi posta a Vasco de Ataide, e dizia:

      Se não quereis padecer

      Huma, ou duas horas tristes,

      Sabeis que haveis de fazer?

      Volveros por dó venistes,

      Que aqui não ha que comer.

      E, postoque aqui leais

      Trovinha que vos enleia,

      Corrido não estejais;

      Porque por mais que corrais,

      Não heis de alcançar a ceia.

A segunda a D. Francisco de Almeida

      Heliogabalo zombava

      Das pessoas convidadas;

      E de sorte as enganava,

      Que as iguarias que dava,

      Vinhão nos pratos pintadas.

      Não temais tal travessura,

      Pois ja não póde ser nova;

      Porque a cêa está segura

      De vos não vir em pintura;

      Mas ha de vir toda em trova.

A terceira a Heitor da Silveira

      Cêa não a papareis:

      Com tudo, porque não minta,

      Para beber achareis,

      Não Caparica, mas tinta,

      E mil cousas que papeis.

      E vós torceis o focinho

      Com esta amphibologia?

      Pois sabei que a Poesia

      Vos dá aqui tinta por vinho,

      E papéis por iguaria.

A quarta a João Lopes Leitão, a quem o Author fez huns versos, que vão adiante, sôbre huma peça de cacha, que deo a huma Dama

      Porque os que vos convidárão

      Vosso estomago não danem,

      Por justa causa ordenárão,

      Se trovas vos enganárão,

      Que trovas vos desenganem.

      Vós tereis isto por tacha,

      Converter tudo em trovar;

      Pois se me virdes zombar,

      Não cuideis, Senhor, que he cacha,

      Que aqui não ha que cachar.

Responde João Lopes

      Pezar ora não de são,

      Eu juro pelo Ceo bento,

      Se de comer não me dão,

      Qu'eu não sou camaleão,

      Que m'hei de manter do vento.

Responde o Author

      Senhor, não vos agasteis,

      Porque Deos vos proverá;

      E se mais saber quereis,

      Nas costas deste lereis

      As iguarias que ha.

Virado o papel, dizia assi:

      Tendes nem migalha assada;

      Cousa nenhuma de môlho;

      E nada feito em empada;

      E vento de tigelada;

      Picar no dente em remôlho:

      De fumo tendes taçalhos;

      Ave da pena que sente

      Quem da fome anda doente;

      Bocejar de vinho e d'alhos;

      Manjar em branco excellente.

A derradeira a Francisco de Mello

      D'hum homem, que teve o scetro

      Da vêa maravilhosa,

      Não foi cousa duvidosa,

      Que se