Marco Lupis

Entrevistas Do Século Breve


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       Era outono em Milão, naquele distante mês de outubro de 1976 quando, caminhando rapidamente ao longo do Corso Venezia na direção do teatro San Babila, estava para fazer a primeira entrevista da minha vida.

       Eu tinha dezesseis anos e junto com o meu amigo Alberto conduzia uma transmissão de informações do pouco original título de “Spazio giovani” (espaço de jovens), em uma das primeiras rádios privadas italianas, Radio Milano Libera .

       Foram realmente anos fantásticos aqueles, onde tudo parecia que podia acontecer e efetivamente ocorria. Anos maravilhosos. Anos terríveis. Eram os anos de chumbo , aqueles da contestação dos jovens, dos círculos autogerenciados, das greves na escola, das manifestações que acabavam sempre em violência. Anos de enormes entusiasmos, cheios de um fermento cultural que pareciam querer explodir considerando o fato de serem animados, envolventes, totalizantes. Anos de conflitos e também às vezes com assassinatos: de um lado os jovens da esquerda, do outro aqueles da direita. Em relação à hoje, era tudo muito simples: ou se ficava de um lado ou do outro. Tertium non datur .

       Mas, sobretudo, eram anos em que cada um de nós tinha a impressão e com frequência muito mais que uma simples impressão, de poder mudar as coisas. De conseguir - dentro das minhas possibilidades - fazer a diferença .

       Nós, naquela mistura de excitação, cultura e violência, nos moviam na realidade tranquilos. Navegando à vista. Os atentados, as bombas, as Brigadas Vermelhas eram um fundo constante da nossa adolescência - a juventude, de acordo com a idade - mas tudo somado não nos perturbava tanto. Tínhamos aprendido rapidamente a conviver de um modo não muito diferente daquele que depois, mais adiante, nos anos seguintes, teria encontrado entre as populações que viviam no meio de um conflito ou de uma guerra civil. A sua vida tinha se adaptado àquelas condições extremas, um pouco como a nossa vida na época.

       O meu amigo Alberto e eu queríamos realmente tentar fazer a diferença, por isso, armados de entusiasmos sem limites e muita, muitíssima imprudência, em uma idade em que os rapazes de hoje passam o tempo a postar selfies em Instagram e a trocar smartphone, nós líamos tudo aquilo que nos caía nas mãos, participávamos de quermesses musicais - naquele momento mágico no qual o rock nascia e se difundia - aos mega concertos nos parques, nos cineforum.

       Por isso, com a cabeça cheia de ideias e um gravador cassete no bolso, nos apressávamos para o teatro San Babila, naquele tarde molhada de outubro de quarenta anos atrás.

       O encontro era às dezesseis horas, aproximadamente uma hora antes que começasse o show da tarde. Nos conduziram para baixo, no subterrâneo do teatro onde se encontravam os camarins dos atores, inclusive aquele reservado ao protagonista. E ali nos esperava o nosso entrevistado, o primeiro da minha "carreira" jornalística: Peppino de Filippo.

       Não me lembro muito daquela entrevista e, infelizmente as fitas com as gravações das sessões da nossa transmissão foram perdidas, em uma das inúmeras mudanças na minha vida.

       Porém, lembro perfeitamente ainda hoje daquela sutil descarga elétrica, aquele arrepio de energia que precede - os teria sentido depois mil vezes - uma entrevista importante. Um encontro importante, porque cada entrevista é muito mais do que uma simples série de perguntas e respostas.

       Peppino de Filippo estava no fim - iria morrer dali a poucos anos - de uma carreira teatral e cinematográfica que até então tinha feito história. Ele nos recebeu sem parar de se maquiar, em frente ao espelho. Foi gentil, cortês e disponível e demonstrou não estar maravilhado por se encontrar em frente a dois rapazes cheios de espinhas. Lembro de seus gestos calmos, metódicos, enquanto estendia a maquiagem da cena, que me pareceu pesada, densa e muito clara. Mas lembro, principalmente, de uma coisa: a profunda tristeza do seu olhar. Uma tristeza que me atingiu intensamente, porque a percebi intensamente. Talvez sentisse que a sua vida estava se encaminhando ao fim ou talvez era apenas a prova que desde sempre se fala dos comediantes, isto é, mesmo fazendo rir a todos, são na realidade as pessoas mais tristes do mundo.

       Falamos de teatro, de seu irmão Eduardo, naturalmente. Ele nos contou como nasceu no palco e estava sempre rodando com a companhia de família.

       Fomos embora depois de quase uma hora, um pouco atordoados e com o cassete do gravador cheio totalmente cheio.

       Aquela não foi apenas a primeira entrevista da minha vida. Foi sobretudo o momento em que entendi que a profissão de jornalista teria sido para mim a única opção possível. E foi o momento em que experimentei pela primeira vez aquela estranha alquimia, quase uma magia sutil, que se instaura entre o entrevistado e o entrevistador.

       Uma entrevista pode ser a fórmula matemática da verdade ou uma inútil e vaidosa exibição. A entrevista é também uma arma poderosa nas mãos do jornalista que tem o poder de escolher se agradar o entrevistado ou servir e apaixonar o leitor.

       Para mim, a entrevista é também muito mais; é um confronto psicológico, é uma sessão de psicanálise. Na qual são envolvidos ambos, o entrevistado e o seu entrevistador.

       Como me disse mais tarde o Marquês de Vilallonga, em uma das entrevistas coletadas neste livro, «o segredo está todo naquele estado de graça que se cria quando o jornalista para de ser um jornalista e se torna o amigo ao qual se conta tudo. Mesmo aquilo que não se conta a um jornalista».

       A entrevista é aplicação em prática da arte socrática da maiêutica, a capacidade do jornalista de extrair do entrevistado os seus pensamentos mais sinceros, de levá-lo a abaixar a guarda, de surpreendê-lo enquanto conta e conta de si sem filtros.

       Não sempre esta magia particular se realiza. Mas quando acontece, então estamos diante de uma bela entrevista. Algo mais de uma pergunta e resposta estéril, nada a ver com a inútil vaidade do jornalista que mira só executar um scoop .

       Em mais de trinta anos de atividade jornalística, encontrei celebridades, chefes de estado, primeiros ministros, líderes religiosos e políticos. Mas tenho que admitir que não foi com eles que senti instaurar-se uma verdadeira forma de empatia.

       Por formação cultural e familiar, deveria ter-me sentido do lado deles, do lado daquelas mulheres e daqueles homens que lidavam com o poder, que tinham o poder para decidir o destino de milhões de pessoas, da sua vida e, com frequência, da sua morte. Às vezes, do futuro de povos inteiros.

       Em vez disso, nunca foi assim. A empatia, a corrente de simpatia, o arrepio e a excitação os vivi quando encontrei os rebeldes, os lutadores, aqueles que estavam prontos - e o demonstravam - a sacrificar as suas vidas, geralmente tranquilas e favorecidas, pelos seus ideais.

       Que fosse um chefe revolucionário com o capuz, encontrado em uma cabana na floresta mexicana ou uma mãe corajosa que procurava digna, mas teimosamente, saber a verdade sobre o fim horrível dos seus filhos, desaparecidos no Chile de Pinochet.

       Eles me pareceram os verdadeiros poderosos.

       Grotteria, agosto de 2017