Havia uma nota de preocupação na sua voz. Riley percebeu porquê. Nunca usara aquele número a não ser em circunstâncias extremas.
Riley ganhou coragem e foi direta ao assunto.
“Senhor, gostaria de adiar a minha viagem para a Califórnia. Só por esta noite. Os Agentes Jeffreys e Vargas podem ir antes de mim.”
Após uma pausa, Meredith perguntou, “Qual é a emergência?”
Riley engoliu em seco. Meredith não ia tornar aquilo fácil.
Mas ela estava determinada a não mentir.
Numa voz trémula, gaguejou, “A minha filha mais nova, Jilly – entra na peça da escola esta noite. Ela vai representar o papel principal.”
O silêncio que se seguiu era ensurdecedor.
Será que ele me desligou a chamada? Interrogou-se Riley.
Mas pouco depois Meredith disse, “Pode repetir, por favor? Não estou certo se percebi bem.”
Riley conteve um suspiro. Ela tinha a certeza de que ela a tinha ouvido perfeitamente bem.
“Senhor, esta peça é importante para ela,” Disse Riley, ficando cada vez mais nervosa. “A Jilly… Bem, sabe que estou a tentar adotá-la. Ela teve uma vida difícil e tem os sentimentos à flor da pele e…”
A voz de Riley desvaneceu-se.
“E o quê?” Perguntou Meredith.
Riley engoliu em seco.
“Eu não a posso desiludir. Não desta vez. Não hoje.”
Outro silêncio sombrio se seguiu.
Riley começava a sentir-se mais determinada.
“Senhor, não fará qualquer diferença para este caso,” Disse ela. “Os Agentes Jeffreys e Vargas vão antes de mim e sabe como são capazes. Podem colocar-me ao corrente de tudo quando lá chegar.”
“E quando é que seria?” Perguntou Meredith.
“Amanhã de manhã. Cedo. Vou para o aeroporto assim que a peça terminar. Apanho o primeiro voo que conseguir.”
Após nova pausa, Riley acrescentou, “Eu pago a minha viagem.”
Ouviu Meredith a emitir sons.
“Certamente que pagará, Agente Paige,” Disse ele.
Riley mal conseguia acreditar.
Ele está a autorizar-me!
De repente apercebeu-se que mal respirara durante a conversa.
Teve que fazer um enorme esforço para não demonstrar de forma efusiva a sua gratidão.
Ela sabia que Meredith não gostaria disso. E a última coisa que queria era que ele mudasse de ideias.
Então limitou-se a dizer, “Obrigada.”
Ouviu outro grunhido.
Depois Meredith disse, “Diga à sua filha para partir uma perna.”
E terminou a chamada.
Riley suspirou de alívio, depois olhou para cima e viu Gabriela na soleira da porta outra vez, a sorrir.
Estivera obviamente a ouvir a chamada.
“Penso que está a crescer, Señora Riley,” Disse Gabriela.
*
Sentada na plateia com April e Gabriela, Riley estava a gostar muito da peça da escola. Já se esquecera de como eventos daqueles podiam ser encantadores.
Os miúdos do secundário estavam todos enfarpelados com fatos improvisados. Tinham pintado um cenário para dar vida à história de Deméter e Perséfone – campos cheios de flores, um vulcão na Sicília, as cavernas húmidas do submundo e outros locais míticos.
E a atuação de Jilly estava simplesmente fantástica!
Ela interpretava Perséfone, a jovem filha da deusa das colheitas. Riley deu por si a lembrar-se da história à medida que ia sendo contada.
Perséfone estava a colher flores quando Hades, o deus do submundo, passou na sua carruagem e a levou para o submundo para ser a sua rainha. Quando Deméter se apercebeu do que sucedera à filha, gemeu de dor.
Riley sentiu arrepiar-se pela forma como a rapariga que interpretava Deméter expressava a sua dor.
Naquele momento, a história começou a afetar Riley de uma forma que não esperava.
A história de Perséfone parecia-se estranhamente com a própria história de Jilly. No final de contas, era a história de uma rapariga que perdera parte da juventude devido à intrusão de forças mais poderosas do que ela.
Riley sentiu-se a quebrar.
Ela conhecia muito bem o resto da história. Perséfone ganharia de novo a liberdade, mas apenas durante metade de cada ano. Sempre que Perséfone se ia embora, Deméter espalhava o frio e a morte na terra. Quando ela regressava, Deméter dava nova vida à terra e a primavera regressava.
E fora dessa forma que as estações se haviam criado.
Riley apertou a mão de April e sussurrou, “Agora vem a parte triste.”
Riley ficou surpreendida por ouvir April a rir.
“Não tão triste,” Sussurrou April. “A Jilly disse-me que tinham alterado um pouco a história. Vê.”
Riley ficou atenta ao que ali vinha.
Perséfone deu uma pancada na cabeça de Hades com uma urna Grega – na verdade uma almofada disfarçada. Depois saiu do submundo e voltou para junto da sua mãe jubilante.
O rapaz que fazia o papel de Hades trouxe o inverno ao mundo. Ele e Deméter lutaram alternando as estações entre inverno e primavera, indefinidamente.
Riley estava encantada.
Quando a peça terminou, Riley dirigiu-se aos bastidores para dar os parabéns a Jilly. A caminho, encontrou a professora responsável pela peça.
“Adorei o que fez com a historia!” Disse Riley à professora. “Foi tão refrescante ver Perséfone transformar-se de vítima indefesa em heroína independente.”
A professora sorriu.
“Não me agradeça a mim,” Disse ela. “A ideia foi da Jilly.”
Riley foi ter com Jilly e deu-lhe um grande abraço.
“Estou tão orgulhosa!” Disse Riley.
“Obrigada mãe,” Disse Jilly, sorrindo alegremente.
Mãe.
A palavra ecoou em Riley. O significado era mais profundo do que poderia dizer.
*
Mais tarde nessa noite quando estavam todas em casa, Riley finalmente teve que dizer às miúdas que se ia embora. Espreitou pela porta do quarto de Jilly.
Jilly já dormia, exausta da noite bem-sucedida. Riley adorava o aspeto de contentamento que o seu rosto mostrava.
Depois Riley foi ao quarto de April e olhou para ela. April estava sentada na cama a ler um livro.
April olhou para cima e viu a mãe.
“Então mãe,” Disse ela. “O que é que se passa?”
Riley entrou silenciosamente no quarto.
Ela disse, “Isto vai parecer estranho mas… Tenho que me ir embora agora mesmo. Foi-me dado um caso na Califórnia.”
April sorriu.
Ela disse, “Eu e a Jilly adivinhámos que a tua reunião em Quantico era sobre qualquer coisa do género.