enquanto ali estava ela, na manhã seguinte, ainda viva, ainda presa em si mesma, como teria de estar para o resto da sua vida. Presa com esses olhares, com esse rosto desfigurado, que nem mesmo ela conseguia suportar.
Volusia enxugou as lágrimas e olhou para fora, para além da linha da cidade, para além dos muros da capital, para longe no horizonte. À medida que os sóis iam nascendo, ela começava a ver o traço mais leve dos exércitos dos Cavaleiros dos Sete, com as suas bandeiras pretas a revestirem o horizonte. Eles estavam ali acampados e os seus exércitos estavam a cavalgar. Eles estavam a cercá-la lentamente, reunindo milhões de todos os cantos do Império, todos a prepararem-se para invadir. Para a derrotar.
Ela dava as boas-vindas ao confronto. Ela sabia que não precisava dos Volks. Ela não precisava de nenhum dos seus homens. Ela conseguia matá-los sozinha. Ela era, afinal, uma deusa. Ela havia deixado o reino dos mortais há muito tempo e agora ela era uma lenda, uma lenda que ninguém e nenhum exército no mundo conseguia deter. Ela iria saudá-los sozinha e matá-los a todos, para todo o sempre.
E então, finalmente, não haveria ninguém para confrontá-la. E então, os seus poderes seriam supremos.
Volusia ouviu um barulho atrás dela e pelo canto do olho, detetou movimento. Ela viu Brin a levantar-se da cama, atirando os lençóis e começando a vestir-se. Ela viu-o a esgueirar-se por ali, com cuidado para não fazer barulho, e percebeu que ele pretendia escapar do quarto antes de ela o ver - para que ele nunca mais tivesse de olhar para a sua cara novamente. E isso acrescentava insulto à injúria.
"Oh, Comandante", disse ela casualmente.
Ela viu-o congelar de medo; ele virou-se e olhou para ela com relutância, e, ao fazê-lo, ela sorriu-lhe, torturando-o com o grotesco dos seus lábios derretidos.
"Vem cá, comandante", disse ela. "Antes de saíres, há algo que eu te quero mostrar."
Ele virou-se lentamente e caminhou, atravessando o quarto até chegar ao pé dela. Ele ficou ali, a olhar, a olhar para qualquer lado menos para a sua cara.
"Não tens um beijo de despedida doce para a tua Deusa?", perguntou ela.
Ela viu-o a recuar muito ligeiramente e sentiu uma nova raiva a arder dentro de si.
"Esquece", acrescentou ela, com a sua expressão a ficar sombria. "Mas há, pelo menos, algo que eu te quero mostrar. Dá uma olhadela. Vês lá fora, no horizonte? Vê mais de perto. Diz-me o que vês lá em baixo."
Ele chegou-se à frente e ela colocou uma mão no seu ombro. Ele inclinou-se e examinou o horizonte, e, ao fazê-lo, ela viu que ele, confundido, franziu a testa.
"Não vejo nada, Deusa. Nada fora do comum."
Volusia sorriu largamente, sentindo a velha vingança a crescer dentro de si, sentindo a velha necessidade de violência, de crueldade.
"Olha mais de perto, Comandante", disse ela.
Ele inclinou-se para a frente, apenas um pouco mais, e, num movimento rápido, Volusia agarrou a sua camisa por trás e com toda a sua força, atirou-o pela janela com a cara voltada para baixo.
Brin gritava enquanto se agitava e caía pelo ar, cem pés, até, finalmente, cair de cara na rua lá em baixo, morrendo instantaneamente. O baque reverberou nas ruas habitualmente tranquilas.
Volusia sorriu amplamente, examinando o seu corpo, finalmente, com um sentimento de vingança.
"Está a ver-te a ti mesmo", ela respondeu. "Quem é o menos grotesco de nós agora?"
CAPÍTULO DOZE
Gwendolyn caminhava pelos corredores sombrios da torre dos Caçadores de Luz, com Krohn ao seu lado, caminhando lentamente pela circular rampa acima, ao longo das paredes do edifício. O caminho estava revestido com tochas e devotos do culto, de pé silenciosamente concentrados, com as mãos escondidas nas suas vestes. A curiosidade de Gwen aprofundava-se, enquanto ela continuava a subir um nível após o outro. O filho do rei, Kristof, tinha-a levado até metade do caminho, após a reunião deles. Em seguida, tinha-se virado e descido, instruindo-a de que ela teria de completar a viagem sozinha para ver Eldof, que só ela, sozinha conseguiria enfrentá-lo. A forma como todos eles falavam sobre ele, era como se ele fosse um deus.
Cânticos suaves preenchiam o ar pesado com incenso, enquanto Gwen caminhava pela muito gradual rampa acima, questionando-se: Que segredo guardava Eldof? Será que ele lhe iria transmitir o conhecimento que ela precisava para salvar o Rei e salvar o Cume? Será que ela alguma vez seria capaz de resgatar a família do Rei deste lugar?
Gwen virou numa esquina e, de repente, a torre abriu-se, e ela perdeu o fôlego com a vista. Ela entrou numa câmara com um teto de cem pés de altura e paredes forradas com janelas de vitral do chão ao teto. Havia uma luz ténue, cheia de escarlates, roxos e rosas, emprestando à câmara uma qualidade etérea. E o que ainda o tornava mais surreal era ver um homem sentado sozinho naquele vasto lugar, no centro da sala, com os raios de luz a descerem sobre si como se para o iluminarem a ele e a ele só.
Eldof.
O coração de Gwen bateu com força ao vê-lo ali sentado na extremidade da câmara, como um deus que tinha caído do céu. Ele estava ali sentado, com as mãos dobradas no seu brilhante manto de ouro, com a sua cabeça implacavelmente calva, num enorme e magnífico trono esculpido em marfim, com tochas em ambos os lados da rampa que levava até lá, iluminando obliquamente a sala. Aquela câmara, o trono, a rampa - era mais inspirador do que aproximar-se de um Rei. Ela percebeu imediatamente porque é que o Rei se sentia ameaçado pela sua presença, pelo seu culto, por aquela torre. Era tudo projetado para inspirar temor e subserviência.
Ele não lhe acenou, nem sequer reconheceu a sua presença. Gwen, não sabendo mais o que fazer, começou a percorrer o longo caminho dourado que ia até ao trono dele. Enquanto ia, ela viu que, afinal, ele não estava ali sozinho, pois ofuscados nas sombras, estavam fileiras de devotos todos alinhados, de olhos fechados, com as mãos enfiadas nos seus mantos, revestindo a rampa. Ela questionava-se sobre quantos milhares de seguidores ele teria.
Por fim, ela parou a alguns pés diante do seu trono e olhou para cima.
Ele olhou para ela com olhos que pareciam antigos, azul-gelo, brilhantes. Ao sorrir para ela, o eu olhar não era caloroso. Eles eram hipnotizantes. Lembrava-a de estar na presença de Argon.
Ela não sabia o que dizer, enquanto ele olhava para baixo; era como se ele estivesse a olhar para a sua alma. Ela ficou ali, no silêncio, à espera até que ele estivesse pronto. Ao seu lado, ela sentia Krohn contraído, igualmente apreensivo.
"Gwendolyn do Reino Ocidental do Anel, filha do Rei MacGil, última esperança para a salvação do seu povo - e do nosso", pronunciou ele lentamente, como se estivesse a ler um manuscrito antigo, com a voz mais profunda que alguma vez ela tinha ouvido, soando como se ressoasse da própria pedra. Os olhos dele penetravam nos dela e a sua voz era hipnótica. Ao olhar para eles, ela perdeu todo a noção de espaço, tempo e lugar. Gwen já se sentia a ser sugada para dentro do seu culto de personalidade. Sentia-se em transe, como se não conseguisse olhar para mais lado nenhum, mesmo se tentasse. Imediatamente, ela sentiu como se ele fosse o centro do mundo dela, e compreendeu de uma vez por todas como todas aquelas pessoas o tinham passado a venerar e a segui-lo.
Gwen olhava para ele, momentaneamente sem palavras, algo que raramente tinha acontecido com ela. Ela nunca se tinha sentido tão fascinada - ela, que tinha estado perante muitos Reis e Rainhas; ela, que ela própria era Rainha; ela, a filha de um Rei. Aquele homem tinha uma qualidade, algo que ela não conseguia descrever; por um momento, ela até se esqueceu porque tinha ido ali.
Finalmente, ela limpou a sua mente o tempo suficiente para ser capaz de falar.
"Eu vim", começou, "porque…"
Ele riu-se, interrompendo-a, com um som curto, profundo.
"Eu sei porque vieste", disse ele. "Eu sabia mesmo antes de tu saberes. Eu sabia da tua chegada a este lugar - de facto, eu soube