Морган Райс

Transmissão


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retorciam como as palmeiras nunca o faziam. O céu parecia como se o sol se estivesse a pôr. Mas parecia haver algo de errado com o sol. Kevin não sabia o quê, porque não passara o tempo a olhar para ele, mas ele sabia que o sol não era o mesmo.

      Num canto da sua mente, os números pulsavam repetidas vezes.

      Ele estava a caminhar por um espaço coberto de areia avermelhada agora, e ele sentia os dedos dos pés a afundarem-se nela. Havia criaturas ali, pequenas e semelhantes a lagartos, que se afastaram quando ele se chegou muito perto delas. Ele olhou ao redor…

      ... e o mundo se dissolveu em chamas.

      Kevin acordou no chão da cozinha, com o cronómetro do forno a apitar para dizer que a pizza estava pronta e o cheiro de comida a queimar a arrancarem-no do chão até ao forno antes que a sua mãe tivesse que fazê-lo. Ele não queria que ela o visse assim, não lhe queria dar mais motivos para ela se preocupar.

      Ele foi buscar a pizza, cortou-a em fatias e levou-as para a sala de estar. A sua mãe estava no sofá e, embora tivesse parado de chorar, os seus olhos estavam vermelhos. Kevin colocou a pizza na mesa de café, sentou-se ao lado dela e ligou a televisão para que pudessem pelo menos fingir que as coisas estavam normais.

      “Tu não deverias ter de fazer isto” a sua mãe disse, e Kevin não sabia se ela se estava a referir à pizza ou a tudo o resto. Naquele momento, isso não era importante.

      Ainda assim, os números pairavam na sua cabeça: 23h 06m 29,283s, −05° 02′ 28,59.

      CAPÍTULO DOIS

      Kevin não tinha a certeza se já se tinha sentido tão cansado quanto se sentia quando ele e a sua mãe entraram no parque de estacionamento da escola. O plano era tentar continuar normalmente, mas ele sentia-se como se pudesse adormecer a qualquer momento. Aquilo estava muito longe de ser normal.

      E isso era provavelmente por causa dos tratamentos. Tinha havido muitos tratamentos nos últimos dias. A sua mãe tinha encontrado mais médicos, e cada um tinha um plano diferente para tentar pelo menos retardar as coisas. Era o que eles sempre diziam, com as palavras a deixarem claro que mesmo isso seria algo especial, e que, na verdade, parar as coisas era algo que eles não podiam esperar.

      “Tem um bom dia na escola, querido” disse a sua mãe. Havia algo de falso na vivacidade daquela frase, uma ponta frágil que dizia o quanto ela estava a tentar esforçar-se para produzir um sorriso. Kevin sabia que ela estava a fazer um esforço por ele, e ele fez também o seu melhor.

      “Eu vou tentar, Mãe” ele assegurou-lhe, e ele pôde ouvir que a sua própria voz também não pareceu natural. Era como se ambos estivessem a desempenhar papéis porque eles tinham medo da verdade. Kevin desempenhava o seu porque ele não queria que a sua mãe chorasse novamente.

      Quantas vezes é que ela já tinha chorado até agora? Quantos dias já tinham passado desde que eles tinham ido ao Dr. Markham pela primeira vez? Kevin havia perdido a noção. Tinha havido um dia ou dois em que ele tinha faltado à escola, antes de se ter tornado óbvio que nenhum deles queria isso. Depois tinha havido o seguinte: a escola intercalada com testes e tentativas de terapias. Tinha havido injeções, exames de sangue, suplementos porque a sua mãe tinha lido online que eles poderiam ajudar, e comida saudável que estava muito distante de pizza.

      “Eu só quero que as coisas sejam tão normais quanto possível” disse a sua mãe. Nenhum deles mencionou que, num dia normal, Kevin teria ido de autocarro para a escola, e eles não teriam tido que se preocupar com o que era normal ou não.

      Ou que num dia normal, ele não estaria a esconder o que se passava com ele, ou a sentir-se grato pela sua amiga mais próxima ter ido para uma escola diferente depois da última vez que ele e a sua mãe se tinham mudado, para que ela não tivesse de ver nada disto. Ele já não telefonava à Luna há dias, e as mensagens estavam a aumentar no seu telefone. Kevin ignorava-as, porque ele não sabia como lhes responder.

      Kevin pôde sentir os olhos sobre si desde o momento em que ele entrou na escola. Os rumores circulavam agora, mesmo que ninguém soubesse com garantias o que se passava com ele. Ele viu um professor adiante, o Sr. Williams, e num dia normal, Kevin teria sido capaz de passar por ele sem sequer atrair um momento de atenção. Ele não era uma daquelas crianças que os professores ficavam de olho porque estavam sempre a fazer algo de errado. Agora, o professor fê-lo parar, olhando-o de cima a baixo como se esperasse sinais de que ele pudesse morrer a qualquer momento.

      “Como é que te sentes, Kevin?” ele perguntou. “Estás bem?”

      “Estou bem, Sr. Williams” assegurou Kevin. Era mais fácil estar bem do que tentar explicar a verdade: como ele estava preocupado com a sua mãe, e sempre cansado com as tentativas de tratamento, e com medo do que fosse acontecer a seguir.

      Como os números ainda estavam à volta na sua cabeça.

      23h 06m 29,283s, −05° 02′ 28,59. Eles estavam lá no fundo da sua mente, agachados como um sapo que não se mexia, impossíveis de esquecer, impossíveis de ignorar, por mais que Kevin tentasse seguir as instruções da sua mãe para os esquecer.

      “Bem, diz-nos se precisares de alguma coisa” disse o professor.

      Kevin ainda não tinha a certeza de como responder a isso. Era, ao mesmo tempo, uma daquelas coisas gentis que as pessoas diziam que era mais ou menos inútil. A única coisa que ele precisava era uma coisa que não lhe podiam dar: desfazer tudo isto; para as coisas voltarem à normalidade. Os professores sabiam muitas coisas, mas não isto.

      Ainda assim, ele fez o seu melhor para fingir ser normal durante toda a aula de matemática, e pela maior parte da aula de história a seguir. A Sra. Kapinski estava a contar-lhes algo sobre a história Europeia dos primórdios, que Kevin não tinha a certeza se estava realmente em qualquer tipo de teste, mas que aparentemente tinha sido o que ela fez na faculdade, e assim pareceu realçar mais do que deveria.

      “Vocês sabiam que a maioria dos vestígios Romanos encontrados no norte da Europa não são realmente Romanos?” ela perguntou. Kevin geralmente gostava das aulas da Sra. Kapinski, porque ela não tinha medo de se desviar do assunto e contar-lhes sobre quaisquer fragmentos do passado que tivessem entrado na sua cabeça. Era um lembrete do quanto tinha havido no mundo antes de qualquer um deles.

      “Então eles são falsos?” Francis de Longe perguntou. Normalmente, seria Kevin a perguntar, mas ele estava a aproveitar a oportunidade para ficar quieto, quase invisível.

      “Não exatamente” disse a Sra. Kapinski. “Quando eu digo que eles não são Romanos, quero dizer que são vestígios deixados para trás por pessoas que nunca estiveram perto do que é hoje a Itália. Eram as populações locais, mas à medida que os romanos avançavam, à medida que conquistavam, a população local percebeu que a melhor maneira de se sair bem era adaptar-se aos costumes Romanos. A maneira como se vestiam, as casas em que viviam, a linguagem que falavam, eles mudaram tudo para deixarem claro de que lado estavam e porque isso lhes dava melhores oportunidades de boas posições na nova ordem. Ela sorriu. “Depois, quando houve rebeliões contra Roma, uma das chaves para fazer parte disso era não usar esses símbolos.”

      Kevin tentou imaginar isso: as mesmas pessoas num lugar a mudar quem elas eram quando a maré política mudava, com todo o seu ser a mudar consoante quem governasse. Ele pensou que poderia ser um pouco como estar numa das multidões populares na escola, tentando usar as roupas certas e dizer as coisas certas. Mesmo assim, era difícil imaginar, e não apenas porque imagens de paisagens impossíveis continuavam a infiltrar-se no fundo da sua mente.

      Essa era provavelmente a única coisa boa sobre o que se passava com ele: os sintomas eram invisíveis. E isso era também a coisa assustadora de certa forma. Havia essa coisa que o estava a matar e, se as pessoas ainda não soubessem, elas nunca iriam descobrir. Ele poderia apenas ficar ali e ninguém jamais...

      Kevin sentiu a visão a aproximar-se, elevando-se através dele como um tipo de pressão que crescia através do seu corpo. Houve a tontura, a sensação do mundo a afastar-se