Ulren. “Um homem sobrevive de qualquer maneira que consiga.”
Ele deu um passo para trás, à espera.
Borion apressou-se. Claro que se apressou. Os jovens reagiam, eles movimentavam-se em linha com as suas emoções. Eles não pensavam. Ou eles não pensavam o suficiente. Borion tentou uma medida de astúcia, com fintas que Ulren já tinha visto uma centena de vezes antes. Esse era o perigo de se ser jovem: pensavam que tinham inventado coisas que já tinham matado muitos homens antes.
Ulren afastou-se e atirou o seu manto sobre o homem mais jovem quando ele passou, com o seu verdadeiro golpe. Borion debateu-se com o tecido, tentando afastá-lo, e, nesse momento, Ulren atacou. Ele aproximou-se, agarrando o braço de Borion para que ele não conseguisse agarrar na sua espada e, em seguida, começou a esfaquear.
Ele fê-lo de forma metódica, de forma consistente, com a paciência que tinha acumulado em anos de luta. Ulren podia ver o sangue a escorrer através do seu manto envolvido em torno de Borion, mas ele não parou até o outro homem cair. Ele tinha visto homens a voltar do pior dos ferimentos. Ele não ia arriscar nada.
Ele ficou ali, a respirar com dificuldade. Já tinha sido suficientemente mau ter subido todas as escadas. Matar um homem fê-lo sentir como se os seus pulmões pudessem estourar com o esforço, mas Ulren disfarçou-o. Ele foi até ao lugar de Irrien, posicionando-se atrás dele primeiro.
“Algum de vocês deseja se opor?”, perguntou ele a Kas e Vexa.
“Só à confusão”, disse Kas. “Mas há escravos para tais coisas, acho.”
“Uma saudação ao Primeiro Pedregulho”, disse Vexa, sem nenhum entusiasmo em particular.
Era um momento de triunfo. Mais do que isso, era o momento para o qual Ulren tinha trabalhado durante anos. Agora que tinha acontecido, parecia-lhe estranho sentar-se efetivamente no lugar do Primeiro Pedregulho, baixando-se a si próprio para o granito do mesmo.
“Eu já me encarreguei dos interesses de Irrien”, disse Ulren. Ele acenou com a mão na direção de Borion. “Mas sintam-se à vontade para se servirem do rapaz.”
Eles iriam-se. Ulren não tinha dúvidas de que eles o fariam. Afinal de contas, aquela cidade era mesmo assim.
“E, claro, precisaremos de novos Quarto e Quinto Pedregulhos”, disse Ulren.
Tal deveria ter sido a deixa deles para se desviarem. Porém, nenhum o fez. Eles mantinham os lugares pelos quais eles tinham lutado, deixando o lugar do Segundo Pedregulho vazio. Ulren não tinha a certeza de que gostava disso, mesmo entendendo o medo que estava por detrás. Eles não estavam a ir para o novo lugar dele, mas isso era um sinal de que eles não consideravam aquilo resolvido, e que eles não iam acatar a nova ordem.
Eles estavam relutantes da mesma maneira que ele havia estado quando Irrien chegara ao poder.
Mais do que isso, eles estavam a agir como se aquilo não estivesse acabado.
CAPÍTULO SEIS
Stephania acordou num mundo cheio de agonia. O universo inteiro parecia ter-se emaranhado numa bola de dor embrulhada no estômago dela. Ela sentia-se como se tivesse sido destroçada em pedaços... mas que raio, ela havia sido cortada.
Esse pensamento foi o suficiente para fazê-la gritar novamente, e, desta vez não havia sacerdotes e guerreiros ali para a ouvirem em agonia, apenas o céu aberto acima dela, visível através da neblina das suas lágrimas. Eles tinham-na arrastado para a rua e abandonado-a à sua morte.
Ela precisou de toda a sua força para levantar a cabeça o suficiente para olhar ao redor.
Ao fazê-lo, ela depressa desejou não o ter feito. Ela estava rodeada por lixo, até onde a sua vista alcançava. Havia cerâmica partida, ossos de animais, vidro e muito mais. Todos os detritos da vida da cidade estavam espalhados numa paisagem aparentemente interminável de desespero.
O fedor atingiu-a no mesmo momento, fétido e esmagador, parecendo preencher o espaço ao seu redor. O cheiro da morte estava misturado com aquilo também, e, então, Stephania viu os corpos simplesmente abandonados como se fossem nada. À distância, ela pensou ter visto fogos de funeral, mas duvidava que fossem as piras elegantes de funerais. Seriam simplesmente poços, à espera de corpos e mais corpos para consumir.
Stephania sabia onde ela estava agora, na área do lixo para lá da cidade, onde milhares de restos viam-se esvaziados, e os mais pobres dos pobres escarafunchavam pelo que conseguissem encontrar. Normalmente, os únicos corpos que acabavam ali eram aqueles das pessoas que não podiam pagar uma sepultura, ou que estavam ali para estarem perdidos na morte, vítimas de criminosos.
Stephania sucumbiu novamente para o que parecia um tempo interminável, com o céu a nadar por acima dela em ondas. Só a força de vontade a impedia de ceder e sucumbir à escuridão que ameaçava consumi-la. Ela obrigou-se a levantar a cabeça novamente, ignorando a dor.
Havia figuras movendo-se sobre os montes de lixo. Usavam roupas esfarrapadas e os seus rostos estavam sujos de terra. Muitas delas eram pouco mais do que crianças, com os pés embrulhados com trapos contra bordas afiadas.
“Ajudem... ajudem-me”, Stephania chamou.
Não era que ela tivesse muita fé na generosidade dos outros. Simplesmente não tinha escolha melhor. Depois de tudo o que havia acontecido com ela, não havia maneira nenhuma de ela conseguir sobreviver sem ajuda. Eles tinham-na cortado para lhe tirar o filho para sacrificar. Eles tinham-no roubado!
Como se o pensamento a tivesse convocado, a agonia atravessou a ferida no seu estômago, e Stephania gritou. O seu pedido de socorro não tinha trazido os que andavam ao lixo, mas o seu grito sim. Eles foram silenciosamente ao longo dos montes de coisas partidas como se certos de que tudo aquilo era algum tipo de armadilha. Eles não se pareciam com as pessoas de Felldust, no entanto. Parecia que o mais baixo dos baixos poderia sobreviver até mesmo a uma guerra sem que nada mudasse.
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