os adeptos seguidores, esperar.
Mas uma pessoa, uma única no universo, sabia, sentia, que a bola teria acabado propriamente ali onde ele tinha decidido que deveria terminar, no momento que tinha imaginado, avaliando em projecção posições, distancias, velocidades e movimentos de adversários, colegas da equipa, guarda-redes, posição espacial da baliza, e todas as outras variáveis existentes. Em combinação dinâmica entre eles.
Maradona sentia-o, contudo nem ele acreditava profundamente. De facto regozijava-se apenas quando a bola entrava na baliza. E se lhe questionássemos «quando» tinha feito todos aqueles complexos raciocínios que o tinham levado a uma sequência impressionante de escolhas, certamente responderia de tê-lo feito por instinto.
Como quer que seja, quando a bola deixa o peito das chuteiras é desferido o momento onde não se pode mais recuar: a glória, ou a mágoa eterna, para Maradona.
Aquela fracção de tempo, próprio o que, seja na verdade eterna ou menos, certamente para muitos o parece. Aquele tempo onde tudo é executado, e depois do qual aos acontecimentos sucessivos pode-se apenas assistir, não é mensurável com nenhum relógio do mundo.
Um gesto repentino, veloz e decisivo. Estico um pouco uma mão, fecho os dedos empunhando firmemente o metal e começo a carregá-lo num andamento passivo com um amplo movimento do braço, coadjuvado pela rápida torcedura da coluna.
Como no ténis, quando serve-se a bola.
O pesado objecto metálico, pois, começou a ganhar velocidade ao mesmo tempo em que o meu movimento, como tinha imaginado, atrai a atenção das duas mulheres durante um curtíssimo, infinitesimal instante.
Percebo a atenção delas, mas podem dedicar-me apenas uma parte marginal da sua mente e dos seus sentimentos, na situação em que se encontram. Desviar o olhar do adversário pode ser fatal, e nenhuma delas o teria por ventura feito. Por isso tinham permanecido paradas, ouvindo-me a chegar.
Mas por mais que frias e concentradas podem estar, por quanta adrenalina possam ter no corpo, o instinto lhes terá que levar, por força das coisas, para dedicar-me pelo menos aquele tanto que basta para compreender o que está a acontecer. O raciocínio delas, mesmo sem querer, deve tomar em consideração aquele movimento, aquele frufru repentino, proveniente da esquina mais obscura de todo parque estacionamento, que está a significar que me movimentei.
***
Ouvi que, mediante, os tenistas não profissionais conseguem arremessar a bolinha a uma velocidade mais de 180 km por hora, durante o serviço.
Eu tenho cerca de um metro e oitenta de altura, mais de 78 kg de peso, e joguei ténis.
Mas sobretudo era capaz de arremessar uma pedra pelo menos um terço mais longe que qualquer um dos meus amigos, desde criancinha. Lograva propriamente bom êxito. E tinha uma mira infalível.
São aqueles estranhos talentos que cada um de nós tem. Coisas que não servem para nada, muitas vezes. Coisas que parecem naturais e, não sabes porquê.
As duas mulheres, pois, tiveram que dirigir um fragmento da sua atenção sobre mim. Ambas, na sua mente, estão a elaborar aquele acontecimento repentino. A sua parte instintiva está a tentar perceber o que esteja a fazer exactamente aquela sombra. O que tenha a ver aquele movimento repentino que, contra a vontade delas, advertem.
Naquele mesmo espaço temporal necessário para questionar-se, o curso efectuado pelo braço alcança o fim.
Agora os meus dedos, segundo um comando neuronal preciso, libertam o gélido pedaço de ferro, movimenta lá para o seu alvo a uma velocidade impressionante, arremessado com todas as minhas forças depois de tê-lo carregado de inércia.
Querendo fazer uma avaliação, o alvo para o qual atirei a tenaz de ferro está entre os 15 e os 20 metros de mim.
Aquele objecto, calculando por estimativa uma velocidade de 160 km por hora no momento em que os meus dedos o tinham soltado, vai cobrir o percurso em poucos milésimos do segundo, alem de ser mais ou menos invisível, na luz fraca do parque de estacionamento.
Naturalmente, escolhi-o, o alvo.
Da rapidez de instinto, já disse anteriormente. Mas entre os instintos, aquele humano primário, à sobrevivência, é mais veloz dos outros, e o meu propósito de todas as formas, consegue perceber o perigo, e para realizar um gesto defensivo: afastar o busto para esquivar, ou pelo menos esta é a sua vontade.
O movimento não foi suficiente.
O pedaço de ferro, implacavelmente, atinge e embate violentamente o crânio, produzindo um som macabro.
A mulher atingida debilita-se de repente, estatelando-se no chão como um fantoche inanimado, e a outra, não estando mais na posição de tiro, vira-se devagarinho para reparar na minha direcção.
Os acontecimentos realizam-se. Não se pode voltar mais para trás, e as consequências da minha acção são totalmente desconhecidas. Talvez salvei a pessoa boa e a minha pessoa num único golpe.
Talvez.
Se pelo contrário, escolhi mal o meu alvo, desembaracei-me da única pessoa que podia fazer algo para salvar-me a vida. A mulher mais próxima de mim, aquela que empunha a pistola com as duas mãos, depois de virar-se vai acabar comigo. Como decidi agir, como escolhi, e quando decidi tudo isto, não saberia dizê-lo. «Agi por instinto.» Depois, um abalo. Tudo escuro, ao meu redor. Nenhum ruído.
Procurava de concentrar-me, de raciocinar. Estava estonteado. O coração batia precipitadamente e os meus músculos não respondiam.
Procurava de mover-me.
Depois de ter aberto com dificuldade o raio de olhos, dei-me conta que era noite. Noite escura.
Tentava, como sempre acontecia, de acalmar a ansiedade. Não é nada, dizia para mim mesmo, não é nada. Rimos: aconteceu uma outra vez.
Tinha sido um sonho.
Um sonho que conhecia bem, enfim.
Era sempre o mesmo, e terminava todas as vezes desta forma, porque eu despertava repentinamente.
A MÁFIA NÃO EXISTE.
De tudo o advogado Spanna uma coisa em particular tinha roubado a minha atenção, quando o conheci.
Os sapatos.
Os seus sapatos.
Eram velhos, precisamente velhos. Mas bem tratados. Vivos, diria: pretos, pespontados à inglesa, polidos. Provavelmente feitas colocar solas novas. Provavelmente Church Burwood. A cada passo emitia sempre um particular e suave chio prolongado, que tornava ainda mais austera a caminhada daquele homem ancião, bem constituído e cuidado.
Os seus sapatos.
Quando o encontrei pela primeira vez o meu olhar ficou encantado, mais que pela figura, recordando-me um especial enquadramento do filme Le ali della liberta (As asas da liberdade): um primeiro plano, dos sapatos de Brooks.
Brooks era um dos condenados a prisão perpétua, enviado enfim ao serviço socialmente útil. Livre, praticamente, mas completamente desacostumado ao mundo fora da prisão, tanto para ter saudade. Esbelto e musculoso, não obstante a idade, baixinho, com a coluna e os ombros curvados e as mãos como dois tenazes.
O enquadramento partia daquele primeiro plano, próprio dos seus sapatos: velhos, mas tratados. Pretos, brilhantes e robustos como aqueles dos marines americanos (tipo Church Shannon, para ter uma ideia). A câmara de filmar prosseguia subindo lentamente sobre as pernas daquele homem envelhecido, para depois rodar em sua volta, chegando até à cara chupada: de pé em cima duma mesa de madeira, estava ocupado a gravar com um canivete a escrita «Brooks was here» na trave sobre a qual viria a ser enforcado algum instante depois.
Sei lá porquê, viera-me em mente propriamente aquele enquadramento. Tinha-me questionado muitas vezes, mas não tinha achado por acaso uma resposta. Nunca.
Talvez porque sempre pensei que por sapatos dum homem seja