target="_blank" rel="nofollow" href="#u0a34d0a2-5c96-5978-92e7-02c87daa0b4f">Doença e os últimos anos
Prefácio por Maria Rita
Eu não me lembro quando conheci Mercedes Sosa — de nome, pelo menos, não. Fico provocando minha memória, tentando resgatar um momento que seja — mas o que volta para mim de concreto é a minha própria voz cantarolando “Gracias a la vida”. Eu devia ter uns 14, 15 anos. Foi na época que eu busquei conhecer minha mãe, entender aquela mulher pr’além da cantora: a força, a entrega, a beleza, a inteligência, a sensibilidade, a coragem. Durante esse período alguém me deu algum disco e essa canção (ou seria um hino?) apareceu com toda a profundidade que tem. Me arrebatou. E me despertou para uma outra voz, que também cantou essa mesma canção. A voz de uma mulher também forte, entregue, bela, inteligente, sensível, corajosa. Era Mercedes Sosa.
Quando estudava na NYU (1996 — 2000), fiz “estudos latino-americanos”, além de “comunicação social”, e pude mergulhar um pouco mais na realidade dessas mulheres todas, na realidade de um tempo que há muito tinha ido mas que, por algum motivo, vibrava forte em mim. Construí uma ponte entre essas mulheres à frente do tempo. Destemidas, apesar de tanta sombra. Entendi o papel social da mulher naquele período triste, entendi a fibra da mulher, em especial da mulher latino-americana.
Ouvir Mercedes me trazia um colo, um entendimento do que é ser força, do que é ser arte. (especialmente por que ouvir minha mãe me causava uma dor, uma saudade que nem sempre foi fácil de lidar). Era uma voz que me causava uma emoção inexplicável. Sua versão de “Gracias a la vida”, tão absolutamente diferente da versão de minha mãe, me instigou: como é que Mercedes conseguia trazer tanta doçura e leveza à uma narrativa que, em outra voz, soava como uma demanda, um rasgo na alma?
Tenho para mim que encontrei a resposta no dia que a conheci pessoalmente, na sala de estar do seu apartamento em Buenos Aires. Ela era tudo isso: uma força descomunal saindo de um corpo pequeno, olhos brilhando e me olhando firme, um abraço silencioso que disse tanto. Eu, ali, entendi que Mercedes sabia que nem tudo precisava ser rasgo na alma, e que também podemos fazer revolução com doçura e leveza. Mercedes me trouxe uma calma que eu, honestamente, não imaginei que sentiria diante de tamanha lenda. Mercedes me olhou e me abraçou e me acolheu como quem entende o peso da história, o tamanho de sua contribuição para essa história. Me acolheu com respeito e com saudade. Me observou com generosidade. Mercedes, para mim, é toda essa complexidade que só uma mulher poderia ser. E ela me inspira justamente por isso. Me inspira a ser vida, a ser arte, a ser o olhar adiante. Me inspira a carregar a doçura e o rasgo na mesma alma feminina. Seja em meio à sombra, seja em meio à luz. Cheia, repleta, completa. Gigante!
Maria Rita, Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2020
Mercedes Sosa e Maria Rita: Gracias a la Vida, ao vivo
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Introdução
FOI EM 4 DE OUTUBRO de 2009, quando sua morte foi anunciada no noticiário, que eu vi Mercedes Sosa pela primeira vez. Era um curto vídeo onde ela cantava “Gracias a la vida” em um show acústico na Suíça em 1980. A primeira coisa que me impressionou foi sua autenticidade. Eu podia sentir que ela era uma pessoa verdadeiramente íntegra. O que ela expressava parecia estar em completa sintonia com quem ela era. A intensidade e a firmeza em sua voz, o entoar de cada nota e de cada palavra pareciam refletir a minha alma. Sua sensibilidade, profunda paixão, presença marcante e carisma me emocionaram intensamente. Comecei a ver e ouvir Mercedes Sosa na internet e logo me vi completamente imersa em sua vida — um universo de música e amor. Lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto eu a assistia e ouvia suas músicas, e intuitivamente comecei a usar seus olhos como um espelho, refletindo aquilo que eu havia perdido na infância. Em seus olhos encontrei o olhar de uma mãe, um olhar que dizia: “Eu vejo quem você é, e para mim você é maravilhosa”.
Como a descoberta de Mercedes Sosa teve um impacto tão profundo e inquietante em mim, comecei a procurar por qualquer informação que conseguisse encontrar sobre ela. Logo descobri que não era só eu que me sentia revigorada e transformada em sua presença. Ao me aprofundar na vida de Mercedes, descobri que seus fãs muitas vezes se referiam a ela como uma “presença mística”. Isso despertou minha curiosidade em saber mais sobre sua vida pessoal — a relação que tinha com a família, os fãs e os amigos, e também sobre os eventos que moldaram sua vida pessoal e profissional. Eu embarquei em uma jornada para descobrir o segredo por trás de seu enorme impacto e dessa tal “presença mística”.
O que descobri me afetou em vários níveis. Ver como Mercedes lidava com problemas sociais e políticos aumentou minha consciência social. Observar como ela se relacionava com os outros, fossem camponeses ou presidentes, amigos ou inimigos, me tocou profundamente e despertou em mim um desejo de me tornar mais respeitosa e compassiva, e prestar mais atenção aos outros.
Eu sou uma pessoa sensitiva e intuitiva, e sempre