nas duas horas que estavam no helicóptero. Jamais tinha ouvido uma voz tão baixa; vibrou através dela como um comboio de carga que se movia lentamente.
– Para onde é que me leva? – sussurrou com mãos trémulas.
Olhou-a fugazmente com olhos semicerrados.
– Isso não importa.
Ficou com a garganta seca e o medo deixou-a fria. Tocou no cinto de segurança para comprovar a tensão, como se a pequena tira que lhe cruzava o regaço pudesse protegê-la do que lhe fosse acontecer.
Queria dizer algo duro e desafiante, queria ser valente porque era assim que Daisy encarava os problemas. Mas Zoe não era uma guerreira e estava dominada por um terror inimaginável. Nunca tinha saído de Kentucky e na sua primeira viagem era… era…
Raptada.
O coração batia-lhe com tanta força que acreditava que ia explodir. Observou o seu raptor. Tinha a cara pregada ao vidro, na paisagem que escurecia. O crepúsculo sumia tudo nas sombras.
– O que é que quer de mim? – finalmente captou a sua atenção. Olhou-a e umas pestanas compridas e escuras ocultavam-lhe os olhos; a sua expressão era curiosamente dura. Não havia nada de gentil nas feições sombrias. – Vai… vai fazer-me mal?
Ouviu o tremor da sua voz, o espaço entre as palavras, que revelava medo e extenuação. Também ele captou aquilo e a boca firme fechou-se com mais força, endurecendo.
– Não faço mal a mulheres.
– Mas, rapta-as? – estava à beira do histerismo. Há vinte e quatro horas que não dormia e começava a perder o controlo.
– Só se mo pedirem – respondeu quando o helicóptero desceu. Olhou pela janela e anuiu com satisfação. – Vamos aterrar.
Quando o piloto pousou o aparelho no chão, o seu raptor abriu a porta e saiu.
– Vamos – estendeu uma mão.
– Não – Zoe recusou o contacto. Não pôde ver a sua cara no escuro, mas percebeu a impaciência.
– Não é uma escolha. Vamos!
Devagar, tremendo de medo, desceu do helicóptero. Tinha as pernas dormentes e rígidas.
A noite era quente, muito mais do que tinha esperado. À sua frente, brilhavam umas luzes. Com o coração a martelar, contemplou a casa e as dependências iluminadas. Mas mais além do círculo imediato de luz, só havia escuridão. Um mundo de escuridão. Perguntou-se onde é que estaria e o que é que aquele homem pretenderia fazer-lhe.
Ele desapareceu no interior do habitáculo e tirou a mala de Zoe do helicóptero e um saco de viagem, que ela imaginou serem os seus.
Fechou a porta do aparelho e este, imediatamente, subiu na noite estrelada.
As hastes giratórias despentearam-na; cambaleou para trás com a intenção de fugir do barulho e do ar e tropeçou nas malas. Mas umas mãos impediram a queda.
Sentiu a pressão dura do seu corpo e as mãos que se fecharam nela ao pô-la de pé. Afastou-se imediatamente, mas aquela fracção de segundo foi mais do que o que podia suportar. Tinha sentido como é que a força e o calor dele penetravam na roupa, na pele, até chegar aos seus ossos. Era um homem duro e inflexível. Aquele simples contacto queimou-a.
«Que Deus me ajude», rezou em silêncio. «Faz com que volte ilesa para casa».
Com a mão trémula afastou uma madeixa de cabelo da cara. Sentia-se física e emocionalmente fragmentada.
– Por aqui – indicou ele com rudeza, tocando-lhe no cotovelo. Aquele segundo contacto foi pior do que o primeiro. A súbita rigidez do seu corpo doeu-lhe. Cada vez que ele lhe tocava, tremia. Cada vez que o fazia, queimava-a.
O barulho do helicóptero começou a perder-se na distância. O ar quente da noite envolveu-a.
– E agora? – perguntou, erguendo-se na totalidade do seu metro e setenta e cinco de altura. Não serviu de muito. Ele era muito mais alto e grande. Devia medir um metro e noventa aproximadamente, de estrutura forte, musculada como a de um futebolista profissional da liga dos Estados Unidos; embora estivesse de casaco comprido, camisa e calças pretas, podia pertencer a uma máfia.
– Vamos para dentro. Vamos jantar. E depois vais para o teu quarto para passar a noite.
Fez com que parecesse quase civilizado. Mas isso não a acalmou. Tinha ouvido que os homens mais violentos eram também os mais sofisticados. Podia estar a brincar com ela antes de…
«Pára! Tens que deixar de pensar dessa maneira. Não podes permitir que a tua imaginação brinque contigo. Vais ficar louca».
Havia demasiadas incógnitas, demasiadas possibilidades aterradoras. Devia manter a calma, a cabeça fria, como costumava dizer o seu pai.
Engoliu em silêncio.
– Muito bem. O jantar parece-me bem – iria passo a passo. De uma maneira ou de outra, iria superar aquilo. Ele pegou na sua mala e no saco e dirigiu-se para casa, deixando-a para que o seguisse. Mas não podia segui-lo, não imediatamente. Como é que ia poder entrar dentro daquela casa por vontade própria?
Zoe permaneceu no mesmo sítio, virou-se para a pista de cimento e o ar da noite rodeou-a. A terra era lisa e aberta com um pequeno grupo de árvores à distância. Nada se levantava no horizonte. Nenhuma montanha, nenhuma luz de cidade. Só um espaço vazio e limpo.
«As pampas», pensou para consigo ao lembrar-se dos postais que Daisy lhe tinha enviado.
A estância dos Galván também estava nas pampas. Talvez estivesse perto de Daisy, mais perto do que alguém imaginava.
Virou-se outra vez para casa. Ele estava à sua espera na porta. Avançou, mas parou. Podia sentir a impaciência dele e isso assustou-a. O que é que lhe iria acontecer assim que entrasse em casa?
Ele esperou outro momento antes de encolher os ombros e desaparecer da vista. Depois de uma longa pausa, Zoe obrigou-se a continuar.
Subiu as escadas e chegou à porta de madeira escura que permanecia aberta. O homem reapareceu.
Tinha tirado o casaco e desabotoado a camisa. Quando os seus olhos se encontraram, ela pensou que os dele eram mais claros do que tinha imaginado, embora o nariz dominasse o seu rosto. Tinha uma pequena cicatriz entre os olhos e outra no seu queixo quadrado. Era um rosto que dava a impressão de ter recebido mais do que uma tareia. De um boxeador de rua. Ou de matador.
Reparou no nó da garganta. Engoliu a saliva e o terror fez com que sentisse como se as extremidades pendessem sobre pedaços de cristal.
– Não vais entrar? – perguntou ele.
Esteve quase a matá-la o facto de ter que forçar um som pela garganta.
– Não se importa se ficar cá fora?
– Agora que estamos aqui, podes fazer o que quiseres.
– Sim?
– Não há telefone nem comunicação com o exterior. Nem visitantes, nem estradas, nem incómodos nem interrupções. Estás a salvo.
Ela cerrou os dentes e umas lágrimas ardentes queimaram-lhe os olhos.
– A salvo?
Ele esticou a mão para lhe tocar no início do pescoço, mesmo por baixo do queixo e os dedos mexeram-se sob a pele que não lhe tapava a gola virada da camisola.
– Perfeitamente a salvo.
Estremeceu e sobressaltou-se com o contacto aceso e doloroso.
– Não há mais ninguém aqui?
– Só uma criada velha, mas não fala inglês e não te vai incomodar.
Levantou o dedo do pescoço e Zoe sentiu como se a tivesse partido ao meio. O contacto tinha sido leve, mas tinha