Jane Porter

Uma vingança deliciosa


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nas duas horas que estavam no helicóptero. Jamais tinha ouvido uma voz tão baixa; vibrou através dela como um comboio de carga que se movia lentamente.

      – Para onde é que me leva? – sussurrou com mãos trémulas.

      Olhou-a fugazmente com olhos semicerrados.

      – Isso não importa.

      Ficou com a garganta seca e o medo deixou-a fria. Tocou no cinto de segurança para comprovar a tensão, como se a pequena tira que lhe cruzava o regaço pudesse protegê-la do que lhe fosse acontecer.

      Queria dizer algo duro e desafiante, queria ser valente porque era assim que Daisy encarava os problemas. Mas Zoe não era uma guerreira e estava dominada por um terror inimaginável. Nunca tinha saído de Kentucky e na sua primeira viagem era… era…

      Raptada.

      O coração batia-lhe com tanta força que acreditava que ia explodir. Observou o seu raptor. Tinha a cara pregada ao vidro, na paisagem que escurecia. O crepúsculo sumia tudo nas sombras.

      – O que é que quer de mim? – finalmente captou a sua atenção. Olhou-a e umas pestanas compridas e escuras ocultavam-lhe os olhos; a sua expressão era curiosamente dura. Não havia nada de gentil nas feições sombrias. – Vai… vai fazer-me mal?

      Ouviu o tremor da sua voz, o espaço entre as palavras, que revelava medo e extenuação. Também ele captou aquilo e a boca firme fechou-se com mais força, endurecendo.

      – Não faço mal a mulheres.

      – Mas, rapta-as? – estava à beira do histerismo. Há vinte e quatro horas que não dormia e começava a perder o controlo.

      – Só se mo pedirem – respondeu quando o helicóptero desceu. Olhou pela janela e anuiu com satisfação. – Vamos aterrar.

      Quando o piloto pousou o aparelho no chão, o seu raptor abriu a porta e saiu.

      – Vamos – estendeu uma mão.

      – Não – Zoe recusou o contacto. Não pôde ver a sua cara no escuro, mas percebeu a impaciência.

      – Não é uma escolha. Vamos!

      Devagar, tremendo de medo, desceu do helicóptero. Tinha as pernas dormentes e rígidas.

      A noite era quente, muito mais do que tinha esperado. À sua frente, brilhavam umas luzes. Com o coração a martelar, contemplou a casa e as dependências iluminadas. Mas mais além do círculo imediato de luz, só havia escuridão. Um mundo de escuridão. Perguntou-se onde é que estaria e o que é que aquele homem pretenderia fazer-lhe.

      Ele desapareceu no interior do habitáculo e tirou a mala de Zoe do helicóptero e um saco de viagem, que ela imaginou serem os seus.

      Fechou a porta do aparelho e este, imediatamente, subiu na noite estrelada.

      As hastes giratórias despentearam-na; cambaleou para trás com a intenção de fugir do barulho e do ar e tropeçou nas malas. Mas umas mãos impediram a queda.

      Sentiu a pressão dura do seu corpo e as mãos que se fecharam nela ao pô-la de pé. Afastou-se imediatamente, mas aquela fracção de segundo foi mais do que o que podia suportar. Tinha sentido como é que a força e o calor dele penetravam na roupa, na pele, até chegar aos seus ossos. Era um homem duro e inflexível. Aquele simples contacto queimou-a.

      «Que Deus me ajude», rezou em silêncio. «Faz com que volte ilesa para casa».

      Com a mão trémula afastou uma madeixa de cabelo da cara. Sentia-se física e emocionalmente fragmentada.

      – Por aqui – indicou ele com rudeza, tocando-lhe no cotovelo. Aquele segundo contacto foi pior do que o primeiro. A súbita rigidez do seu corpo doeu-lhe. Cada vez que ele lhe tocava, tremia. Cada vez que o fazia, queimava-a.

      O barulho do helicóptero começou a perder-se na distância. O ar quente da noite envolveu-a.

      – E agora? – perguntou, erguendo-se na totalidade do seu metro e setenta e cinco de altura. Não serviu de muito. Ele era muito mais alto e grande. Devia medir um metro e noventa aproximadamente, de estrutura forte, musculada como a de um futebolista profissional da liga dos Estados Unidos; embora estivesse de casaco comprido, camisa e calças pretas, podia pertencer a uma máfia.

      – Vamos para dentro. Vamos jantar. E depois vais para o teu quarto para passar a noite.

      Fez com que parecesse quase civilizado. Mas isso não a acalmou. Tinha ouvido que os homens mais violentos eram também os mais sofisticados. Podia estar a brincar com ela antes de…

      «Pára! Tens que deixar de pensar dessa maneira. Não podes permitir que a tua imaginação brinque contigo. Vais ficar louca».

      Havia demasiadas incógnitas, demasiadas possibilidades aterradoras. Devia manter a calma, a cabeça fria, como costumava dizer o seu pai.

      Engoliu em silêncio.

      – Muito bem. O jantar parece-me bem – iria passo a passo. De uma maneira ou de outra, iria superar aquilo. Ele pegou na sua mala e no saco e dirigiu-se para casa, deixando-a para que o seguisse. Mas não podia segui-lo, não imediatamente. Como é que ia poder entrar dentro daquela casa por vontade própria?

      Zoe permaneceu no mesmo sítio, virou-se para a pista de cimento e o ar da noite rodeou-a. A terra era lisa e aberta com um pequeno grupo de árvores à distância. Nada se levantava no horizonte. Nenhuma montanha, nenhuma luz de cidade. Só um espaço vazio e limpo.

      «As pampas», pensou para consigo ao lembrar-se dos postais que Daisy lhe tinha enviado.

      A estância dos Galván também estava nas pampas. Talvez estivesse perto de Daisy, mais perto do que alguém imaginava.

      Virou-se outra vez para casa. Ele estava à sua espera na porta. Avançou, mas parou. Podia sentir a impaciência dele e isso assustou-a. O que é que lhe iria acontecer assim que entrasse em casa?

      Ele esperou outro momento antes de encolher os ombros e desaparecer da vista. Depois de uma longa pausa, Zoe obrigou-se a continuar.

      Subiu as escadas e chegou à porta de madeira escura que permanecia aberta. O homem reapareceu.

      Tinha tirado o casaco e desabotoado a camisa. Quando os seus olhos se encontraram, ela pensou que os dele eram mais claros do que tinha imaginado, embora o nariz dominasse o seu rosto. Tinha uma pequena cicatriz entre os olhos e outra no seu queixo quadrado. Era um rosto que dava a impressão de ter recebido mais do que uma tareia. De um boxeador de rua. Ou de matador.

      Reparou no nó da garganta. Engoliu a saliva e o terror fez com que sentisse como se as extremidades pendessem sobre pedaços de cristal.

      – Não vais entrar? – perguntou ele.

      Esteve quase a matá-la o facto de ter que forçar um som pela garganta.

      – Não se importa se ficar cá fora?

      – Agora que estamos aqui, podes fazer o que quiseres.

      – Sim?

      – Não há telefone nem comunicação com o exterior. Nem visitantes, nem estradas, nem incómodos nem interrupções. Estás a salvo.

      Ela cerrou os dentes e umas lágrimas ardentes queimaram-lhe os olhos.

      – A salvo?

      Ele esticou a mão para lhe tocar no início do pescoço, mesmo por baixo do queixo e os dedos mexeram-se sob a pele que não lhe tapava a gola virada da camisola.

      – Perfeitamente a salvo.

      Estremeceu e sobressaltou-se com o contacto aceso e doloroso.

      – Não há mais ninguém aqui?

      – Só uma criada velha, mas não fala inglês e não te vai incomodar.

      Levantou o dedo do pescoço e Zoe sentiu como se a tivesse partido ao meio. O contacto tinha sido leve, mas tinha