Meg Waite Clayton

O último comboio para a liberdade


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E, agora, o Zweig fugiu para Inglaterra e o Strauss compõe para o führer. — Estava a dizer a tia Lisl, palavras que chamaram a atenção de Stephan. Žofie-Helene não acreditava nos heróis, mas permitiu que Stephan a arrastasse para a sala para poder ouvir falar dos seus.

      — Deves ser a Žofie-Helene! — exclamou a tia Lisl. — Stephan, não me tinhas dito que a tua amiga era tão bonita. — Tirou alguns ganchos do coque de Žofie e deixou-lhe o cabelo solto. — Sim, assim está melhor. Se tivesse um cabelo como o teu, também não o cortaria, independentemente da moda. Lamento que a mãe do Stephan não possa conhecer-te, mas prometi contar-lhe tudo sobre ti, portanto, tens de me contar tudo.

      — É um prazer conhecê-la, frau Wirth — replicou Žofie. — Mas continue a conversa sobre o herr Zweig ou o Stephan nunca me perdoará.

      Lisl Wirth deixou escapar uma gargalhada calorosa, com o queixo ligeiramente orientado para o teto muito alto.

      — Atenção, todos, esta é a filha da Käthe Perger. A editora do Vienna Independent. — Virou-se para Žofie e acrescentou: — Žofie-Helene, esta é a Berta Zuckerkandl, jornalista, tal como a tua mãe. — Dirigiu-se aos outros. — A mãe que, devo dizer, tem mais coragem do que o Zweig ou o Strauss.

      — A sério, Lisl — objetou o marido —, falas como se o Hitler estivesse na nossa fronteira. Falas como se o Zweig vivesse exilado, quando, na verdade, está na cidade agora.

      — O Stefan Zweig está cá? — perguntou Stephan.

      — Estava no Café Central há menos de trinta minutos, a falar sem parar — indicou o tio Michael.

      Lisl Wirth viu o sobrinho e a amiga a sair a correr para as portas da entrada enquanto Michael perguntava porque Zweig abandonara a Áustria.

      — Nem sequer é judeu — comentou. — Pelo menos, não praticante.

      — Disse o meu marido gentil — repreendeu-o Lisl, com carinho.

      — Casado com a judia mais bonita de Viena — disse ele.

      Lisl viu como Rolf parava Stephan para lhe entregar o casaco desgastado da rapariga. Žofie-Helene pareceu tão surpreendida quando Stephan lho segurou que Lisl quase desatou a rir-se. Com dissimulação, Stephan inalou o cheiro do cabelo da rapariga quando estava de costas para ele e Lisl questionou-se se Michael alguma vez cheirara o seu cabelo quando eram namorados. Ela era um ano mais velha do que Stephan era naquele momento.

      — O amor juvenil não é maravilhoso? — perguntou ao marido.

      — Está apaixonada pelo teu sobrinho? — inquiriu Michael. — Não sei se o encorajaria a sair com a filha de uma jornalista demagoga e agitadora.

      — Qual dos seus pais achas que instiga mais as massas, querido? — perguntou Lisl. — O pai que, conforme nos disseram, se suicidou num hotel de Berlim em junho de 34, a mesma noite em que morreram tantos opositores do Hitler? Ou a mãe que, viúva e grávida, se encarregou do trabalho do marido?

      Viu Stephan e Žofie a desaparecer pela porta, seguidos pelo pobre Rolf, que corria com o cachecol esquecido da rapariga, de um tecido bonito cor-de-rosa aos quadrados.

      — Bom, não saberia dizer se essa rapariga está apaixonada pelo Stephan — comentou —, mas, certamente, ele está encantado com ela.

      EM BUSCA DE STEFAN ZWEIG

      — Ai, mein Engelchen com os seus admiradores: O dramaturgo e o parvo! — exclamou Otto Perger para o cliente. Não via a neta desde antes do Natal, mas ouviu-a a descer as escadas no outro extremo do vestíbulo, a conversar com o jovem Stephan Neuman e com outro rapaz.

      — Espero que prefira o tolo — respondeu o homem, dando uma gorjeta generosa a Otto, como sempre. — Os escritores não têm jeito para o amor.

      — Receio que esteja um pouco apaixonada pelo escritor — comentou Otto —, embora não saiba se se apercebe. — Fez uma pausa, desejava atrasar o cliente durante o tempo suficiente para lhe apresentar Stephan, mas o homem tinha um motorista à espera e as crianças pareciam ter parado, como costumava acontecer com os jovens. — Bom, alegra-me que tenha desfrutado da visita à sua mãe — comentou.

      O homem foi-se embora apressadamente e encontrou-se com os jovens na entrada. Já estava a subir as escadas quando olhou para trás e perguntou:

      — Qual de vocês é o escritor?

      Stephan, que estava a rir-se de alguma coisa que Žofie dissera, nem sequer pareceu ouvir, mas o outro rapaz apontou para ele.

      — Boa sorte, filho. Agora mais do que nunca, precisamos de escritores com talento.

      Foi-se embora e os jovens entraram na barbearia. Žofie anunciou que era o aniversário de Stephan.

      — Feliz aniversário, jovem Neuman! — exclamou Otto, enquanto abraçava a neta, que se parecia tanto com o pai que quase pôde ouvir o filho na sua voz acelerada. Viu Christof nos seus óculos sujos. Até o seu cheiro era o mesmo: Amêndoas, leite e raios de sol.

      — Era o herr Zweig — disse o amigo.

      — Quem, Dieter? — perguntou Stephan.

      — Jovem Stephan, o que estiveste a fazer na ausência da nossa Žofie? — perguntou Otto.

      — Estava sentado ao nosso lado no Café Central antes de o Stephan chegar. O Zweig. Com a Paula Wesseley e a Liane Haid, que parece muito velha.

      Otto hesitou, sem querer admitir que aquele rapaz tão tolo tinha razão.

      — Receio que o herr Zweig tivesse de apanhar um avião, Stephan.

      — Era ele? — Stephan ficou tão dececionado que, com o cabelo em pé no cocuruto, apesar dos esforços de Otto, pareceu um menino pequeno. Otto gostaria de lhe garantir que teria outra oportunidade de conhecer o seu herói, mas parecia-lhe improvável. A única coisa de que tinham falado — ou a única coisa de que Zweig falara enquanto Otto o ouvia — era se Londres estaria suficientemente longe de Hitler. Herr Zweig sabia como Christof morrera, o filho de Otto; sabia que Otto entendia como uma fronteira podia ser fraca.

      — Espero que sigas o conselho que o herr Zweig te deu, Stephan — comentou Otto. — Disse que, agora mais do que nunca, precisamos de escritores com talento.

      O que já era alguma coisa. Aquele grande escritor encorajara Stephan, embora o rapaz não tivesse ouvido.

      * * *

      Adolf Eichmann mostrou ao novo chefe gordo, o Obersturmführer Wisliceny, o Departamento Judeu de Segurança e acabou na sua própria secretária, junto da qual estava sentado o Tier, o pastor alemão mais bonito de Berlim.

      — Meu Deus, está tão quieto que parece dissecado — comentou Wisliceny.

      — O Tier está muito bem treinado — declarou Eichmann. — Seriamos capazes de nos livrar dos judeus e de passar a assuntos mais importantes se a Alemanha tivesse tanta disciplina como ele.

      — Treinado por quem? — perguntou Wisliceny, ocupando a cadeira do próprio Eichmann para mostrar a sua patente superior.

      Eichmann ocupou a cadeira das visitas e estalou os dedos uma vez para que o Tier fosse ter com ele. Assegurara a Wisliceny que o Departamento de Segurança II/112 funcionava como a seda, ainda que, na verdade, fosse uma seda rasgada e amarrotada. Operavam em três pequenas divisões no Palácio Hohenzollern, enquanto a Gestapo, com o seu próprio escritório judeu e muitos mais recursos, aproveitava para os desgastar. No entanto, Eichmann aprendera da pior forma que as queixas eram piores para quem se queixava.

      — O seu artigo sobre o «Problema Judeu», Eichmann, é muito interessante. A ideia de conseguirmos fazer com que os judeus abandonem a Alemanha se desmantelarmos os seus alicerces económicos aqui, no Reich. Mas porque haveríamos de os obrigar a emigrar para a África ou para a América do Sul e não para outras