Kim Lawrence

Chantagem com a noiva


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parte interna, sobre a articulação do braço. Tinha outra marca idêntica, embora mais pequena e menos pronunciada, no ombro.

      Era incrível como uma pequena mancha afectava as pessoas. Há muito tempo que tinha decidido que a aversão dos outros era problema deles e que não ia passar o resto da vida a esconder as cicatrizes de infância, provocadas por um acidente doméstico.

      Ao contrário do que era habitual, aquele não se afastou nem sequer fingiu, por cortesia, não notar as cicatrizes. Seb nunca tivera coragem de lhes tocar, apesar de lhe ter assegurado que não o perturbavam minimamente.

      Aquele homem não tinha escrúpulos! Não satisfeito, pegou-lhe no braço, torceu-o ligeiramente para um lado e passou o polegar suavemente pela zona danificada, como se quisesse provocá-la. Kate estremeceu e ele levantou a cabeça.

      – Foi uma queimadura? – indagou sem o menor sinal de compaixão, algo a que Kate já se acostumara.

      – Sentes sempre esse tipo de curiosidade mórbida?

      – Perturba-te falar disso?

      Para além de ser um louco depravado e perigoso, era também aprendiz de psicólogo.

      – Não com homicidas maníacos.

      – Conheces muitos?

      Kate negou com a cabeça.

      – A maior parte dos homicídios ocorre em casa das vítimas – declarou com frieza e olhou intencionalmente para o seu braço.

      Não era fácil mostrar-se fria com aquele homem quando o simples contacto da sua mão a fazia estremecer.

      Ele levantou a cabeça e olharam-se nos olhos. Kate reparou, então, que estes tinham o poder de aniquilar a sua arrogância e de trazerem ao de cima a adolescente insegura que outrora fora. Desgostosa com a sua própria vulnerabilidade, abanou a cabeça de forma a afugentar aquele pensamento, ao mesmo tempo que baixava a manga da camisa.

      – Espero que não andes sempre assim tão vestida como agora – comentou num tom severo ao tocar no tecido de algodão.

      Kate teve a estranha sensação de que toda aquela situação se estava a tornar surrealista: ali estava ela, atenta aos conselhos de uma pessoa que invadia a privacidade dos outros com o propósito de fazer chantagem com traficantes de droga.

      Talvez devido ao seu trabalho, Kate habituara-se a conversar com os delinquentes de uma forma natural, quase familiar; tinha uma visão da vida muito cínica e distorcida, pelo menos na opinião da sua mãe.

      – Só quando vou assaltar uma casa – frisou, arrependendo-se de imediato. Na sua situação, a ironia era uma péssima escolha. Ao vê-lo sorrir, ficou mais tranquila e atreveu-se a olhar para as fotografias. – Ouve – disse num tom persuasivo, – uma vez que não conheço o teu amigo, porque é que não me vou embora e me esqueço de que algum dia te vi?

      – Amigo?! Pelo amor de Deus! – exclamou, quase ofendido.

      Assustada, Kate recuou e só parou quando ouviu o outro homem tossir intencionalmente. Espreitou por cima do ombro e viu-o de pé com os braços cruzados sobre o peito, junto à única saída que havia.

      – Garanto que não o conheço. Estou hospedada neste hotel. Cheguei hoje…

      Enquanto falava, os dois homens aproximaram-se um do outro. Kate virou a cabeça ao sentir de novo a luz da lanterna sobre os olhos.

      – Se te deixarmos ir embora, poderás avisá-lo de que andamos à procura dele.

      Kate empalideceu.

      – O que é que queres dizer com esse «se»? Se me puseres as mãos em cima ou não me deixares sair daqui, farei um escândalo.

      O que supostamente era o chefe pestanejou perante a sua ameaça.

      – Se fizeres um escândalo, um dos hóspedes ou alguém do pessoal poderá chamar a polícia.

      – E porque não? – sugeriu Kate, pegando de imediato no telefone e entregando-lho.

      – Naturalmente, seria obrigado a mostrar-lhes isto – insinuou, e abanou o envelope frente ao nariz da jovem.

      – E achas que eles iam acreditar na vossa história? A polícia ia acreditar mais em mim do que em vocês.

      Por algum motivo, aquelas palavras provocaram o riso em Serge, que rapidamente se calou mediante o olhar duro do seu companheiro.

      – Achas que sim?

      Kate reparou que o tal Javier não se mostrava preocupado, como seria de esperar na sua situação e perante a ameaça de se ver confrontado com as autoridades policiais. Talvez escondesse os seus negócios ilícitos sob uma fachada legal.

      – Sou uma pessoa respeitável – declarou a jovem.

      – Bom, é muito possível que a tua convicção e esses olhos castanhos me comovam, mas a polícia vai exigir provas mais concretas.

      – Queres uma prova? Está bem – afirmou, sorridente, ao lembrar-se do cartão de crédito que tinha no bolso. – Esta sou eu, K. M. Anderson – revelou e abanou o cartão frente ao nariz do homem. – Divido uma casa com… com uma amiga.

      Não havia necessidade de envolver a irmã naquela confusão.

      – Pode ser roubado – retorquiu, depois de ter olhado para o cartão sem grande interesse. – De facto, e dadas as circunstâncias, é o mais provável.

      O peito de Kate inchou de indignação; um gesto que não passou despercebido ao seu agressor, que se fixou nele com descarado interesse. Aquele olhar fez com que o traiçoeiro coração de Kate disparasse.

      – Uma das coisas que mais detesto, é que os homens não sejam capazes de encarar uma mulher quando estão a falar com ela – declarou, desafiante; Serge não pôde evitar uma gargalhada. – Para tua informação, não roubei este cartão. É meu. Trouxe-o caso a porta estivesse… – calou-se de repente.

      – Fechada à chave?

      Kate sentiu-se corar.

      – És uma mulher de muitos recursos. No entanto, ainda não me contaste por que motivo estás aqui.

      – E por que razão haveria de o fazer? Vocês também não me disseram o que fazem aqui, e tenho a certeza de que não foram convidados – murmurou.

      – Silêncio! – interrompeu o homem, antes de se dirigir ao companheiro. – Serge, ouviste aquilo?

      O outro assentiu com a cabeça.

      – Será o González?

      Apagaram a luz de imediato, e Kate ouviu passos no pavimento junto à janela. Fosse quem fosse, aquela era a oportunidade que há muito esperava. Determinada a sair dali, abriu a boca para pedir ajuda. Antes de poder gritar, uma mão tapou-lhe a boca e outra imobilizou-lhe o braço trás das costas.

      – Queres avisar o teu amante? – aquela voz fria e repugnante roçou com aspereza o seu ouvido.

      Kate tentou virar a cabeça. Odiava o seu desprezo, odiava o calor daquela respiração sobre o seu pescoço e, acima de tudo, temia aquela sensação de atordoamento que lhe provocava.

      Enfurecida, Kate mordeu-lhe a mão com todas as suas forças. Embora consciente de que aquela não era a melhor solução, o desespero não lhe deixou outra alternativa.

      Ainda que ele não tivesse gritado, apesar de ela ter sentido o sabor salgado do seu sangue na língua, ele diminuiu um pouco a pressão. Aquele era o momento pelo qual Kate tanto ansiara. Com um movimento rápido, desprendeu-se dele. De seguida, baixou a cabeça, tomou balanço e lançou-se para a frente, tal como um corredor de fundo desesperadamente decidido a alcançar a meta.

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