e três anos a mimar e a reparar o antigo desportivo com o qual fugira para Inglaterra. Só durante as noites recentes, quando acordava a visualizar o acidente, é que se apercebera de que o seu pai se agarrava àquele carro estúpido porque era a única lembrança que lhe restava do seu lar familiar. Se o seu avô fosse um homem menos cruel, possivelmente, só possivelmente, o seu pai teria levado a sua mãe ao hospital num carro mais novo e seguro, que os teria protegido do impacto que lhes teria salvado a vida. Ela continuaria a estudar a sua pós-graduação em Manchester e Toby estaria a dormir no quarto que os seus pais tinham preparado para ele com tanto amor.
– Aqui diz que às onze e meia chegará o seu representante – disse Susie, referindo-se ao conteúdo da carta. – Deve estar quase a chegar.
Seria apenas mais uma das dezenas de pessoas que tinham entrado e saído da vida de Zoe nas últimas semanas: médicos, parteiras, assistentes sociais de centenas de departamentos diferentes que queriam assegurar-se de que estava em condições de cuidar do seu irmão, cada um deles com um questionário interminável sobre a sua vida privada. Claro que deixaria a universidade para cuidar de Toby. É óbvio que estava disposta a trabalhar se o salário incluísse facilidades para cuidar do menino. Não, não tinha namorado. Não era promíscua nem irresponsável. Claro que não deixaria Toby sozinho em casa enquanto ela ia a festas. As perguntas sucediam-se várias vezes, uma atrás da outra, cada uma mais estúpida do que a anterior.
E também as pessoas da funerária, que com amabilidade e delicadeza a tinham ajudado a tomar decisões que para uma filha perdia na dor eram terrivelmente complicadas. O enterro tivera lugar há três dias e o seu avô não se incomodara em enviar a nenhum «representante» para ver como enterravam o seu único filho e a sua nora. Qualquer que fosse o motivo, Zoe só sabia que ele tinha preferido permanecer na sua torre de marfim enquanto os jornalistas apareciam no funeral como predadores.
E isso levou-a ao final da lista de pessoas com quem fora obrigada a lidar durante as últimas semanas: as baratas que tinham aparecido por todo o lado assim que tinham descoberto a história. As que tinham batido à sua porta a oferecer-lhe dinheiro para lhes vender o exclusivo, as que tinham acampado fora da sua casa para a perseguir cada vez que saía… Jornalistas que não estavam ali porque se importavam com a sua perda trágica, mas porque Theo Kanellis era um magnata que protegia a sua vida privada e aquela história era tão suculenta como um pêssego amadurecido que desejavam morder mesmo que o sumo fosse amargo e no centro houvesse um verme repugnante.
De facto, até o verme tinha um nome atraente para a imprensa: Anton Pallis, o playboy, alto e moreno que geria o grupo Pallis e que não parecia importar-se com aparecer nos jornais, quer fosse por trabalho ou por prazer. Zoe lera sobre ele frequentemente e deduzira que fora o homem que beneficiara com o exílio do seu pai.
Só de pensar no seu nome sentia que lhe fervia o sangue e mais de uma vez se perguntara se o impulso destruidor que a possuía e que a levava a alimentar o ódio que sentia por ele seria a manifestação da parte grega de si própria que até então nunca reconhecera.
A campainha da porta tocou e as duas mulheres ficaram alerta.
– Talvez seja um jornalista a tentar a sorte – disse Susie.
Mas Zoe intuiu que se tratava do representante de Theo. Eram onze e meia em ponto e os homens ricos esperavam que as suas ordens se cumprissem à letra. Endireitou os ombros, convencida de que finalmente descobriria o que Theo pretendia.
– Queres que fique?
Zoe olhou para a sua vizinha, que estava em avançado estado de gestação e pensou que não podia pedir-lhe mais do que já pedira naquelas últimas semanas.
– É quase hora de que ires buscar Lucy – recordou, consciente de que tinha de enfrentar aquilo sozinha.
– Tens a certeza? – quando Zoe assentiu, Susie disse: – Está bem. Sairei pela porta de trás.
A campainha voltou a tocar e as mulheres mexeram-se em direções opostas. Zoe ouviu a porta traseira a fechar-se no momento em que chegava à frente da porta principal. Tinha a garganta seca e o coração acelerado. Limpou as mãos húmidas de suor nas calças de ganga e, depois de fazer uma expressão fria e impessoal, abriu.
Esperava encontrar-se com um homem grego, baixo e robusto, com aspeto de advogado, portanto quando viu de quem se tratava, ficou paralisada de surpresa
Alto e moreno, parecia um príncipe exótico vestido com um fato italiano. As suas feições angulosas e os seus olhos pretos apanharam o seu olhar como um imã. Zoe não recordava ter visto uns olhos como aqueles, com o poder de a fazer tremer. Nem sequer foi capaz de desviar o olhar quando nas suas costas ouviu a gritaria dos jornalistas. Era tão alto que não conseguia vê-los. Ele nem se alterou, protegido como estava por três homens com óculos escuros que formavam um semicírculo atrás dele.
Quando finalmente Zoe conseguiu desviar o olhar dos seus olhos, deslizou-o para uma boca sensual que não sorria. Um amontoar de emoções assaltou-a num redemoinho que não foi capaz de identificar. Estava hipnotizada pelo poder que emanava dele, pelos seus ombros largos e relaxados, pela elegância da sua pose e pela segurança em si próprio que exsudava.
Pela primeira vez em três semanas, foi consciente do aspeto desalinhado que apresentava, de que tinha umas calças de ganga gastas e uma velha blusa de lã vermelha, que vestira porque tinha pertencido à sua mãe e o seu cheiro a fazia pensar nela, e que tinha o cabelo sujo.
O homem disse:
– Bom dia, menina Kanellis! Se não me engano, estava à minha espera.
A sua voz aveludada e um leve sotaque grego recordaram-lhe tanto o seu pai que Zoe sentiu que se enjoava.
Anton viu-a fechar os olhos e ao ver que balançava, temeu que desmaiasse. Apresentava um aspeto ainda mais frágil do que o da fotografia, como se um sopro de vento pudesse atirá-la ao chão.
Resmungando alguma coisa, reagiu instintivamente e estendeu a mão para a segurar, mas naquele momento, ela abriu os olhos e deu um passo atrás como se repelisse uma serpente.
A ofensa paralisou Anton, que teve de fazer um esforço sobre-humano para que o seu rosto não o delatasse. Consciente de que tinham a imprensa atrás, pensou com rapidez. Tinham de entrar na casa e fechar a porta.
– Importa-se se…? – disse, em tom amável, dando um passo para dentro.
Mais uma vez, quando pôs a mão no trinco para fechar a porta, Zoe retirou a sua precipitadamente para evitar que lhe tocasse. Anton voltou a sentir-se ofendido, mas obrigou-se a escondê-lo.
Assim que ficaram a sós, fez-se um profundo silêncio. Zoe afastou-se dele e Anton não conseguiu evitar pensar que parecia um pássaro preso.
Tinha uns olhos azuis incríveis e uns lábios vermelhos como morangos. A parte inferior do seu corpo despertou ao olhar para ela e Anton repreendeu-se por se sentir excitado num momento tão inoportuno.
– Peço-lhe desculpas por ter entrado em sua casa sem ser convidado – disse, num tom grave, – mas não penso que queira testemunhas da nossa conversa.
Ela ficou em silêncio e limitou-se a olhar para ele com os seus olhos de pestanas espessas, embora Anton tivesse a estranha sensação de que nem sequer o via.
– Permita-me que me apresente. O meu nome é…
– Sei quem é – disse Zoe, num tom trémulo.
Era o homem cujo nome aparecera na imprensa quase tantas vezes como o dela, o homem com que Theo Kanellis tinha substituído o seu pai.
– É Anton Pallis.
O filho adotivo e herdeiro de Theo Kanellis.
Capítulo 2
Houve um silêncio carregado de censura por parte de Zoe, que mal conseguia esconder o desprezo que sentia por Anton.
Ele esboçou um sorriso.
–