Katherine McIntyre

Artesãos E Tecnomantes


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até não poder mais. Ela não gostou do deboche no tom dele.

      — Quer recuperar o autômato que ela roubou ou não? — ela perguntou, pronta para sair daquela sala infernal ocupada pelo homem que se tornou um pesadelo em sua vida profissional, bem como irritante a nível pessoal.

      — Você a trará de volta aqui esta noite, ou darei o nome de sua irmã ao comissário. — ele respondeu, mantendo os olhares nivelados.

      Apesar da firmeza na voz dele, sombras rastejaram sob seus olhos e a barba de três dias que cobria seu queixo implicava que o desaparecimento lhe causou mais problemas do que ele jamais admitiria. Ele mexeu em uma de suas abotoaduras, o movimento constante traindo seus nervos.

      — Esse é o problema. — Theo engoliu em seco, um buraco se formando em seu estômago. — Ela desapareceu antes mesmo de fazer a entrega da sua criada mecânica.

      A batida parou.

      — Então, veio até mim por quê? — Silas perguntou, a voz cortante.

      A maneira faminta com que ele a olhava sugeria que ela estava pisando em terreno perigoso.

      No entanto, Theodosia Whitfield adquiriu o hábito de pisar em territórios delicados.

      — Porque eu posso pegar seu autômato de volta, entregá-lo sem ninguém saber o que houve. Apenas preciso da sua ajuda. Para ser mais específica, preciso de sucata do material que usou para o criar, assim poderei rastreá-lo. — ela ergueu o queixo e olhou para ele.

      Ele pode ser mais alto e ter desenvolvido mais músculos do que o necessário por trabalhar muito com forja, mas ela lançava um gancho de direita dos bons e conhecia os pontos fracos dele. Se chegassem a uma luta, ela ainda apostaria nela mesma.

      — O que recebo em troca? — ele perguntou, um sorriso irritante voltando ao rosto. — Porque eu tenho as plantas, sempre posso fazer uma nova. No entanto, você só tem uma irmã.

      Theo deu um suspiro, sem se preocupar em esconder a irritação.

      — Você teria a satisfação de ser um homem decente pela primeira vez.

      Silas bufou.

      — Isso não é, nem de longe, uma troca. Ofereça-me algo que valha a pena.

      Theo não deixou de notar a maneira como os olhos dele se demoraram nela, ou o calor queimando neles.

      Ele pode ser um homem mais bonito do que a média, com o tipo de corpo como o de um ferreiro, que faz a maioria das mulheres cair em sua cama — e muitas caíram —, mas ele tinha a personalidade de um nabo em conserva.

      Theo pousou as mãos nos quadris enquanto o olhava, recusando-se a aceitar a implicação flagrante que ele colocava por trás de suas palavras. Ela deveria tirar a expressão presunçosa daquele rosto e apenas roubar a sucata, danem-se as consequências.

      — Um favor. — ela disse, por fim. — Dentro da minha capacidade profissional. — ela enfatizou a palavra profissional para dissipar quaisquer ideias que ele pudesse estar desenvolvendo.

      Quanto mais cedo ela pudesse adquirir a sucata e dar o fora de lá, melhor. Pelo que sabia, a irmã podia estar sangrando em um beco.

      Silas bateu na lateral do queixo como se estivesse meditando sobre a proposta, como se já não tivesse tomado a decisão.

      — Embora um favor seu possa ser útil, subcontratamos muitos tecnomantes. Não vou entregar minha sucata e apenas esperar que você traga nosso autômato. Vou negociar um favor seu, se eu for junto nessa busca por sua irmã.

      As sobrancelhas de Theo baixaram ante o brilho. Passar mais tempo perto de Silas Kylock não era apenas perigoso para sua saúde, mas a aproximava cada vez mais do risco de ser presa por homicídio.

      Exceto que ele possuía o item exato de que ela precisava para rastrear Ellie. E não importava em que encrenca sua irmãzinha tivesse se metido dessa vez, Theo faria qualquer coisa por aquela garota.

      Ela deu um suspiro.

      — Tudo bem. Encontre-me, em uma hora, na minha casa com a sucata. Também pode limpar o resto de sua agenda por hoje. Não sei quanto tempo isso vai demorar.

      As palavras gotejavam com um escárnio que ela não se incomodou em mascarar. Os Kylock haviam ganhado alguns xelins entre os contatos comerciais de seu pai e os consertos de Silas, mas, como ela, eram o lixo da sarjeta de Islington. Rufiões do fundo do poço não se encaixavam entre as pessoas elegantes e pretensiosas, por mais que os Kylock tentassem fingir o contrário.

      — Trato feito. — ele respondeu, puxando as luvas grossas de trabalho que usava e jogou-as no chão.

      Ele se levantou do banco com um rangido e cruzou a distância entre eles até ficarem a poucos centímetros de distância. As mãos de Theo não se moveram de seus quadris embora o olhasse com as costas grudadas à porta. Com quase dois metros de altura, ele se elevava quase trinta centímetros acima dela, mas ela nunca o havia considerado intimidador.

      Silas estendeu a mão entre eles para um aperto. Ela ofereceu a sua, e o calor emanou da palma calejada dele quando selaram o acordo. Tão perto, ela podia sentir o cheiro de cobre, terra e âmbar, uma infusão que fez sua mente girar. Theo percebeu que o aperto de mão durou segundos a mais quando um sorriso malicioso curvou o lábio superior de Silas. Ela puxou a mão de volta.

      — É capaz de encontrar a saída? — ele perguntou, sem se mover um centímetro, apesar da proximidade entre eles.

      — Sou bastante capaz, obrigada. — ela retrucou, girando para as portas duplas.

      Atrás dela, ela ouviu o barulho de passos e o barulho de peças de metal de uma miríade de ferramentas sendo movidas na mesa.

      Theo Whitfield continuou marchando para frente. Mesmo que fosse obrigada a trabalhar com o maior e mais desagradável puxa-saco deste lado da cidade, Ellie estava vagando por aí e precisava da ajuda dela.

      Theo não a decepcionaria.

      Capítulo Dois

      Silas ajeitou a mochila no ombro enquanto colocava a mão no bolso em que estava seu canivete. Sabia que não devia andar por essas ruas desprotegido. Espreitadores esperavam em cada beco, procurando destituir os transeuntes de qualquer moeda que aparecesse. Havia trocado de roupas, escolhido um traje condizente com a tarefa à frente: calças surradas, um velho par de suspensórios e uma camisa de botões, outrora branca. Estas poderiam ser ruas familiares, mas ele não sentia falta de discutir com os meninos locais acerca da única chance de comer durante a noite.

      Theo Whitfield havia chegado como a brisa, e os problemas a seguiram. Se uma mulher podia arrastá-lo aos meandros da fossa em que ele cresceu, era ela. Ele não conseguia evitar incitar a mulher, mesmo que pela oportunidade de ter um vislumbre daquela esperteza afiada.

      Ellie e Theo Whitfield eram o tipo de beldades que faziam os homens pararem e olharem. Ambas tinham a mesma pele cor de canela e os cabelos pretos e brilhantes, sempre soltos e livres, ao contrário das senhoras normais. E desde que Theo ingressou no mercado de trabalho, as calças e o chapéu que ela usava faziam com que cavalheiros como o pai dele fofocassem mais que matronas de igreja.

      Silas passou a mão pelos cabelos acobreados, os fios ainda emaranhados nas laterais devido às hastes dos óculos. Ele arrastava as botas pelos paralelepípedos irregulares e passou pelo boticário vazio, que há muito se transformara em teias de aranha e sombras. Nesse trecho da cidade, os cheiros de urina e gim pairavam no ar, pesados. Misturavam-se com o odor adocicado que emanava de algumas das casas abandonadas transformadas em antros de ópio.

      À frente, os cortiços se estendiam, edifícios de tijolos que haviam visto anos melhores. As janelas sem painéis brilhavam para ele como dentes abertos, entradas abertas, as portas balançando com a brisa. Nenhuma parte dele queria voltar para sua antiga casa, mas aqui estava ele enquanto as memórias desabavam como um maremoto.

      Silas torceu o nariz ao entrar, e suas botas afundaram