Antônio José da Silva

Guerras do Alecrim e da Manjerona


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Dona Nize, Dona Clóris e Sevadilha.

      Sevadilha: Ai, senhora, que ainda não creio que estamos em casa, pois vimos mais tarde, não nos acha o senhor velho!

      Dona Clóris: Em boa nos metemos!

      Dona Nize: Nunca tal nos sucedeu; que te parece, Dona Clóris, a porfia daqueles homens em nos querer conhecer?

      Sevadilha: Sim, senhora, como se nós fossemos suas conhecidas.

      Dona Clóris: E a facilidade com que se namoram logo estes homens, é o que mais me admira!

      Sevadilha: Pois o maldito do Criado, que tanto se meteu comigo, como piolho por costura!

      Dona Clóris: Que te veio dizendo?

      Sevadilha: Mil despropósitos misturados com várias finezas esfarrapadas.

      (Entra Fagundes com o manto apanhado no braço).

      Fagundes: Ainda esses Alecrins, e Manjeronas, hão de dar nos narizes a muita gente.

      Dona Nize: Que diz, Fagundes?

      Fagundes: Digo que bem escusados eram estes sustos: ora, digam-me, senhoras, se seu tio viesse, e as não achasse em casa, que seria de mim?

      Dona Clóris: Não falemos nisso, que ainda estou a tremer.

      Fagundes: Apostemos, que isso foram conselhos desta senhora, que aqui está?

      Sevadilha: Apelo eu, que testemunho! Olhe o diabo da mulher, parece, que me te tomado à sua conta!

      Fagundes: Coitada, como se desconjura!

      Sevadilha: Ainda por amor dela me hei de ir desta casa.

      (Entra Dom Lancerote)

      Dom Lancerote: Fagundes, depressa vá deitar mais um ovo nos espinafres, que aí vem meu sobrinho Dom Tibúrcio, já que sou tão desgraçado que por mais meia hora não chega depois de jantar.

      Fagundes: Eu vou, meu senhor, mas cuido que o noivo a estas horas comerá novilho.

      Dom Lancerote: Agora, minhas sobrinhas, é chegado o vosso esposo; não tenho que encomendar-vos o modo com que o haveis de tratar.

      Dona Clóris: (à parte) Já vem tarde.

      Dona Nize: (à parte) Veremos a cara a este noivo.

      Sevadilha: (à parte) Pois dizem que é um galante lapuz.

      (Entram Dom Tibúrcio com botas, vestido ridicularmente).

      Dom Lancerote: Amado sobrinho, dá-me os braços. É possível que veja a um filho de meu irmão!

      Dom Tibúrcio: Sim, senhor; mas primeiro mande vossa mercê ter cuidado naquelas choiriças que vem no alforje, não as dizime o arrieiro, que tem em cada não cinco aguirrapantes.

      Dom Lancerote: Isso me parece bem, seres poupado; eu vou a isso. (vai-se).

      Dona Clóris: Que te parece, Nize, a discrição do noivo?

      Dona Nize: Muito bom princípio leva.

      Sevadilha: (à parte) Parece que o seu gênio mais se casa com o alforje.

      Dom Tibúrcio: (à parte) As primas não são más; porém a moça me toa mais.

      (Entra Dom Lancerote)

      Dom Lancerote: Sossegai, sobrinho, que já tudo está arrecadado.

      Dom Tibúrcio: Agora sim; amado tio meu, por cujos humanos aquedutos circula em nacarados licores o sangue de meu progenitor, permiti, que os meus sequiosos lábios calculem esses pés, dedo por delo.

      Dom Lancerote: Levantai-vos; sois discretos, meu sobrinho; pois vosso pai era um pedaço d’asno, Deus me perdoe.

      Dom Tibúrcio: Não está mais na minha mão; em abrindo a boca me chovem os conceitos aos borbotões.

      Dom Lancerote: Falai a vossas primas, e minhas sobrinhas, Dona Nize e Dona Clóris.

      Dom Tibúrcio: Eu vou a isso.

Soneto

      Primas, que na guitarra da constância

      Tão iguais retinis no contraponto,

      Que não há contraprima nesse ponto,

      Nem nos porpontos noto dissonância.

      Oh, falsas não sejais nesta jactância;

      Pois quando atento os números vos conto,

      Nessa beleza harmônica remonto

      Ao plecto da Felina consonância:

      Já que primas me sois, sede terceiras

      De meu amor, por mais que vos agaste

      Ouvir de um cavalete as frioleiras;

      Se encordoais de ouvir-me, ó primas, baste

      De dar à escaravelha em tais asneiras,

      Que enfim isto de amor é um lindo traste.

      Dom Lancerote: Também sois Poeta, meu sobrinho?

      Dom Tibúrcio: Também temos nosso entusiasmo, senhor tio, isto cá é veia capilar e natural.

      Dom Lancerote: Oh! Quanto me pesa que sejais Poeta, pois por força haveis de ser pobre.

      Dom Tibúrcio: Agora, senhor, eu sou um rico Poeta. Pois, primas, que dizeis da minha eloqüência? Não me respondeis?

      Dona Clóris: Os Anjos lhe respondam.

      Dona Nize: Aí não há mais que dizer.

      Dom Tibúrcio: Ah, senhor tio, essa rapariga é cá da obrigação da casa?

      Dom Lancerote: É moça da almofada.

      Dom Tibúrcio: Não é mal estreada; e que olhos que tem! Benza-te Deus!

      Sevadilha: Quer Deus que trago um corninho por amor do quebranto.

      Dom Lancerote: Eu cuido, Sobrinho, que mais vos agrada a criada, do que a noiva.

      Dom Tibúrcio: Tudo o que é desta casa me agrada muito.

      Dom Lancerote: Agora vamos ao intento: Sabereis, minhas Sobrinhas, que vosso primo Dom Tibúrcio, filho de meu irmão D, Tifônio e de dona Pantaleoa Redoldan, a qual também era irmã de vosso pai, e meu irmão D. Blianis, vem a eleger uma de vós outras para esposa, pela mercê que me faz; que a ser possível casar com ambas, o fizera sem cerimônia, que pra mais é o seu primor.

      Dom Tibúrcio: Por certo que sim, e não só com ambas, mas até com a criada; pois, como digo, desejo meter no coração tudo o que dor desta casa.

      Dom Lancerote: Eu o creio, meu sobrinho; nisso saís a vosso Pai.

      Dona Clóris: (à parte) Não vi maior asno!

      Dona Nize: (à parte) Nem eu maior simples!

      (Diz dentro Semicúpio)

      Semicúpio: Quem merca o Alecrim?

      Dona Clóris: Ó Sevadilha, chama a esse homem do Alecrim; anda depressa.

      Sevadilha: (à parte) Entrou no fadário!

      Dom Lancerote: Sobrinho, não estranhais este excesso de minha sobrinha; porque haveis de saber, que há nesta terra dois ranchos. Um do Alecrim, outro da