Mário de Andrade

Mestres da Poesia - Mário de Andrade


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para todos:

      por que viver, lutando à-toa?…

      Insultos, cóleras, apodos,

      a carniçal volúpia das chacinas,

      os ódios que se batem,

      as mil raivas que se combatem,

      Alsácias vergastadas,

      heróicas Bélgicas dilaceradas,

      Lièges desfiguradas,

      sânie, ruína, infinitas sepulturas,

      desvairado matar, hecatombes monstruosas…

      E de nenhuma parte um beijo de perdão!

      Vão para a guerra, desdenhando-lhe as agruras,

      todos vestidos de coragens ambiciosas:

      e acaso alguém terá razão?…

      Muito mais ter razão é conduzir as gentes

      pelo caminho bom das alegrias:

      sem, com os exércitos ingentes,

      acordar os convales e as vertentes,

      e os ecos virginais das serranias.

      …Provocar nas cidades, nas aldeias,

      as guerras sacrossantas dos trabalhos;

      distribuir pelos povos

      trigos e livros a mancheias;

      honrar, com outros novos,

      os monumentos velhos e grisalhos…

      …Derramar a verdade em cada casa;

      dar-lhe um livro, que é força; educação, que é uma asa;

      pôr-lhe à janela as flores caprichosas,

      pôr-lhe a fartura no limiar;

      e sobre ela fazer desabrochar

      o riso, como desabrocham rosas…

      Ter razão é levar pelo atalho da fé.

      É as greis humanas, pela primavera,

      quando a terra toda é

      florida como uma quimera,

      conduzir para a luz, para a alegria,

      para tudo que é róseo e que é risonho,

      para tudo que é poema ou sinfonia,

      para o arrebol, para a esperança, para o sonho!…

      Ó doce paz, ó meiga paz!…

      Vinde divina geratriz do riso;

      estendei vosso manto puro e liso

      por sobre a terra que se esfaz!

      E novamente os povos sossegados,

      mais felizes alfim, menos incréus,

      envolvereis, ó paz imensa!

      – De novo os cantos rolarão nos prados;

      e os homens todos rezarão aos céus,

      numa ressurreição da esperança e da crença!

      Inverno

      O vento reza um cantochão…

      Meio-dia. Um crepúsculo indeciso

      gira, desde manhã, na paisagem funesta…

      De noite tempestuou

      chuva de neve e de granizo…

      Agora, calma e paz. Somente o vento

      continua com seu oou…

      Destacando-se na brancura,

      os últimos pinheiros da floresta,

      ao vendaval pesado e lasso,

      como que vão partir em debandada:

      parece cada qual, com a cabeça dobrada,

      uma interrogação arrojada no espaço.

      O vento rosna um fabordão…

      Qual um mármore plano de moimento,

      silenciou o caminho. É a sepultura,

      profana, sem unção,

      onde, com a última violeta,

      jaz a franca alegria do verão…

      Há ventania, mas

      há solidão e paz.

      Ninguém. Os derradeiros pios

      voaram de manhãzinha; mas em breve

      sepultaram-se sob a neve,

      mudos e frios.

      Tudo alvo… apenas a tristeza preta,

      e o vento com seus roncos…

      Ninguém.

      – Alguém!

      Olha, junto dos troncos,

      um reflexo de baioneta!…

      Epitalâmio

      É sempre assim. De manhãzinha, braço dado,

      nos jardins claros do hospital,

      ele mancando, a ela apoiado,

      silenciosos, lado a lado,

      dão o passeio matinal.

      E, vagarosamente, se entranhando

      no perfume vermelho da manhã,

      ela vem triste, como que sonhando,

      – ela, que é sã –

      e ele, – o ferido – traz sorrisos francos,

      vem assobiando entre seus lábios brancos

      uma valsa alemã…

      E no fundo do parque redolente,

      onde tudo é perfume e som,

      sentam-se e dizem, já maquinalmente:

      “Êtes-vous las?” – “Oh! non!”

      Então ele, com sua voz quebrada,

      vendo o sol que no longe aponta,

      entrando sorrateiro sob a touca,

      brincar entre os cabelos brunos dela,

      pela décima vez conta e reconta

      como o prenderam e feriram pela

      tardinha, ao proteger a retirada

      dos seus soldados.

      Ela, dedos febris entrelaçados,

      bebe o reconto que lhe sai da boca.

      E ele lembrando, sem vanglória, o heroísmo

      que praticou, a vê chorar…

      Então se arrasta para junto dela,

      pergunta-lhe a razão do seu mutismo,

      pede-lhe as mãos para beijar…

      – “Porquoi pleures tu?” – “Moi!” – “Mais oui!…”

      E no seu colo se debruça,

      cola-lhe a boca às mãos; e enquanto ele soluça,

      agora, ela sorri.

      É sempre assim…

      Mas ao voltar, vem resplendendo

      nela o beijo nas mãos, nele a esperança…

      Voltam pelos meandros do jardim,

      e ela vem rubra, que ele vem dizendo

      quanto acha lindas as manhãs de França…

      Refrão de Obus

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