perde a coroa,
e treme, e foge, e tomba e se espedaça,
desertando da grande luz!…
Diante de tanto mal e tanta ruína,
de tanta inveja parda e estulta,
diante desse ódio frio e cru,
pálida, imóvel, trágica e divina,
sobre a devastação que cresce e avulta,
surgiu a minha dor, como um mármore nu.
Surgiu, cresceu, e, imensamente branca,
com o branco triste dos enfermos,
na compunção atroz do seu sofrer,
a minha dor sem lágrimas, nos ermos
onde o último eco dos canhões estanca,
gelou o íntimo gesto e nada quis dizer.
Apenas, a sorrir, num sorriso que punge,
pálida, imóvel, trágica e divina,
olha sem ver para a devastação…
A esperança talvez lhe santifica e unge
o olhar, mas o sorriso, o sorriso que a mina,
trai o penoso fel duma desilusão.
Natal
Natal… Hora de sinos badalando,
de neve branquecendo pinheirais;
hora de pés de criancinhas arrastando
pela brancura lisa do caminho;
hora do cândido velhinho…
– Em Reims, os sinos não badalam mais!
A neve, sempre a mesma,
cai, continua de cair; e o vento
– bruscas rajadas brancas – se desfralda,
como túnica de avantesma,
rasgando-se à desmantelada espalda
do grande, velho monumento…
– Em Reims, os sinos não badalam mais!
Pelas ruas escurecidas
andam caladamente os grupos uniformes…
Não tem mais galas o natal! apenas
no trabalhar dos hospitais,
tratam da cura de feridas
de hediondas chagas e lesões enormes,
alvas mulheres silenciosas e serenas…
Natal… Mas não há luzes nas capelas!…
Nem pratas de lavrados castiçais
onde luziluzam as velas!…
Natal… Mas não há longas espirais
de incenso, a se enroscar pelos altares!…
No colo virgem de Maria,
junto dos anjos tutelares,
rindo, estendendo seus bracinhos nus,
nem se lembraram – quem se lembraria! –
nem se lembraram de repor Jesus!…
– Em Reims, os sinos não badalam mais!
Num silêncio de múmia, brancacenta,
a noite corre… Batem doze badaladas.
Onde estão as canções desabaladas
dos sinos gárrulos?… – Friorenta,
a grande catedral emudeceu:
e para ela a alegria dos natais,
toda a alegria dos natais morreu!…
– Em Reims, os sinos não badalam mais!…
Lovaina
Abriam-se inda no ar alguns obuses,
como flocos de paina;
e, ao barulhar bramante do barulho,
tetos tombavam, e brotavam luzes;
onde fora Lovaina…
– Mas no meio do entulho,
nas avenidas e nas alamedas
tresloucadas, sem rumo,
onde ladrava, sob o fumo,
a cainçalha das labaredas;
mas pelas vastas praças atupidas
de destroços heris de monumentos;
nas ruas de comércio, onde mil vidas
jaziam, envolvidas
na mortalha dos desmoronamentos;
mas nos palácios, nas mansardas,
nos esqueletos das habitações,
nas escolas estraçalhadas,
nos átrios, nos terraços, nas escadas,
no torvelim dos mortos e das fardas,
na boca muda dos canhões,
naquele hediondo incêndio triunfal:
não calculei ao desastroso mal
toda a incomensurável extensão!
Não vi o exício duma grei humana,
o destino infeliz duma raça espartana,
o fim terrível duma geração!
Se houve crime nefando,
não lhe medi a imensidade:
só, dentre as ruínas da universidade,
eu vi os grandes livros fumegando!
Os carnívoros
Quando a paz vier de novo, nova e franca,
passar nestas estradas e caminhos,
novas aves talvez e novos ninhos
hão-de agitar-se pela manhã branca…
Novos ventos virão da serra,
úmidos, rindo-se, esfuziar no prado;
e novamente, regoando a terra,
ir-se-á, rangindo, o arado…
Pouco tempo depois, pela estrada, os viandantes
verão, cobrindo os campos marginais,
os brocados trementes, ampliondeantes,
as roupagens custosas dos trigais…
Virão novas colheitas,
virão risadas a remir fadigas,
virão manhãs de acordar cedo,
virão as tardes feitas
de conversas à sombra do arvoredo,
virão as noites de bailados e cantigas!…
Toda a população ir-se-á nos vales
colher o trigo novo e lourejante;
e, na pressa afanosa, bem distante
lhe passará da idéia tanta luta,
tantos passados males!
Pelo campo ceifado, à Ave-Maria,
na tarde enxuta
e fria,
enquanto o vento remurmura, meigo e brando,
mulheres de Millet, robustas e curvadas,
irão glanando, irão glanando…
Tudo será colheita e riso. – Então,
depois de tantas