Mário de Andrade

Mestres da Poesia - Mário de Andrade


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perde a coroa,

      e treme, e foge, e tomba e se espedaça,

      desertando da grande luz!…

      Diante de tanto mal e tanta ruína,

      de tanta inveja parda e estulta,

      diante desse ódio frio e cru,

      pálida, imóvel, trágica e divina,

      sobre a devastação que cresce e avulta,

      surgiu a minha dor, como um mármore nu.

      Surgiu, cresceu, e, imensamente branca,

      com o branco triste dos enfermos,

      na compunção atroz do seu sofrer,

      a minha dor sem lágrimas, nos ermos

      onde o último eco dos canhões estanca,

      gelou o íntimo gesto e nada quis dizer.

      Apenas, a sorrir, num sorriso que punge,

      pálida, imóvel, trágica e divina,

      olha sem ver para a devastação…

      A esperança talvez lhe santifica e unge

      o olhar, mas o sorriso, o sorriso que a mina,

      trai o penoso fel duma desilusão.

      Natal

      Natal… Hora de sinos badalando,

      de neve branquecendo pinheirais;

      hora de pés de criancinhas arrastando

      pela brancura lisa do caminho;

      hora do cândido velhinho…

      – Em Reims, os sinos não badalam mais!

      A neve, sempre a mesma,

      cai, continua de cair; e o vento

      – bruscas rajadas brancas – se desfralda,

      como túnica de avantesma,

      rasgando-se à desmantelada espalda

      do grande, velho monumento…

      – Em Reims, os sinos não badalam mais!

      Pelas ruas escurecidas

      andam caladamente os grupos uniformes…

      Não tem mais galas o natal! apenas

      no trabalhar dos hospitais,

      tratam da cura de feridas

      de hediondas chagas e lesões enormes,

      alvas mulheres silenciosas e serenas…

      Natal… Mas não há luzes nas capelas!…

      Nem pratas de lavrados castiçais

      onde luziluzam as velas!…

      Natal… Mas não há longas espirais

      de incenso, a se enroscar pelos altares!…

      No colo virgem de Maria,

      junto dos anjos tutelares,

      rindo, estendendo seus bracinhos nus,

      nem se lembraram – quem se lembraria! –

      nem se lembraram de repor Jesus!…

      – Em Reims, os sinos não badalam mais!

      Num silêncio de múmia, brancacenta,

      a noite corre… Batem doze badaladas.

      Onde estão as canções desabaladas

      dos sinos gárrulos?… – Friorenta,

      a grande catedral emudeceu:

      e para ela a alegria dos natais,

      toda a alegria dos natais morreu!…

      – Em Reims, os sinos não badalam mais!…

      Lovaina

      Abriam-se inda no ar alguns obuses,

      como flocos de paina;

      e, ao barulhar bramante do barulho,

      tetos tombavam, e brotavam luzes;

      onde fora Lovaina…

      – Mas no meio do entulho,

      nas avenidas e nas alamedas

      tresloucadas, sem rumo,

      onde ladrava, sob o fumo,

      a cainçalha das labaredas;

      mas pelas vastas praças atupidas

      de destroços heris de monumentos;

      nas ruas de comércio, onde mil vidas

      jaziam, envolvidas

      na mortalha dos desmoronamentos;

      mas nos palácios, nas mansardas,

      nos esqueletos das habitações,

      nas escolas estraçalhadas,

      nos átrios, nos terraços, nas escadas,

      no torvelim dos mortos e das fardas,

      na boca muda dos canhões,

      naquele hediondo incêndio triunfal:

      não calculei ao desastroso mal

      toda a incomensurável extensão!

      Não vi o exício duma grei humana,

      o destino infeliz duma raça espartana,

      o fim terrível duma geração!

      Se houve crime nefando,

      não lhe medi a imensidade:

      só, dentre as ruínas da universidade,

      eu vi os grandes livros fumegando!

      Os carnívoros

      Quando a paz vier de novo, nova e franca,

      passar nestas estradas e caminhos,

      novas aves talvez e novos ninhos

      hão-de agitar-se pela manhã branca…

      Novos ventos virão da serra,

      úmidos, rindo-se, esfuziar no prado;

      e novamente, regoando a terra,

      ir-se-á, rangindo, o arado…

      Pouco tempo depois, pela estrada, os viandantes

      verão, cobrindo os campos marginais,

      os brocados trementes, ampliondeantes,

      as roupagens custosas dos trigais…

      Virão novas colheitas,

      virão risadas a remir fadigas,

      virão manhãs de acordar cedo,

      virão as tardes feitas

      de conversas à sombra do arvoredo,

      virão as noites de bailados e cantigas!…

      Toda a população ir-se-á nos vales

      colher o trigo novo e lourejante;

      e, na pressa afanosa, bem distante

      lhe passará da idéia tanta luta,

      tantos passados males!

      Pelo campo ceifado, à Ave-Maria,

      na tarde enxuta

      e fria,

      enquanto o vento remurmura, meigo e brando,

      mulheres de Millet, robustas e curvadas,

      irão glanando, irão glanando…

      Tudo será colheita e riso. – Então,

      depois de tantas