Margaret Moore

Batalha de amor - Uma dama para o cavaleiro


Скачать книгу

Eva experimentara pela serpente, no Jardim do Éden?

      Estavam engajados numa batalha, Gabriella Frechette e Etienne DeGuerre, e ela não admitiria uma derrota, e menos ainda depois que o barão deu um passo em frente e retorceu os lábios num estranho sorriso.

      – Contudo, posso ser generoso contigo.

      A expressão dos olhos dele deixava claro que a sua noção de generosidade não era a mesma de Gabriella.

      O barão enfiou a mão sob o cinturão e retirou uma pequena bolsa de couro.

      Gabriella tinha poucas dúvidas acerca do que ele esperava como recompensa pela sua «generosidade», aquele homem antipático, pedante, arrogante, que tentara humilhá-la no pátio da sua própria casa. Que tipo de mulher pensava ele que ela era? O mesmo tipo de Josephine de Chaney, que abandonara a moral pelo dinheiro?

      – Eu não quero nada do senhor, milorde – declarou, com desprezo na voz.

      Nenhum músculo se moveu no rosto másculo e impassível do barão.

      – O senhor... é muito bondoso, milorde – exclamou Chalfront, ansioso, aumentando a irritação de Gabriella. – E todos sabem disso, sem dúvida.

      – Excepto esta pessoa – retorquiu o barão, olhando fixamente para Gabriella. – Aceitando, ou não, a minha oferta, tu deixarás esta casa e o condado imediatamente.

      – Eu não farei isso. Esta é a minha casa, e...

      – Se eu te disser para ires, tu vais – afirmou o barão, num tom de ameaça. Em seguida, sorriu. – Se quiseres ficar... será como criada.

      Gabriella empertigou-se.

      – Os arrendatários ficariam desolados com essa decisão, milorde.

      – Os arrendatários? – repetiu Etienne, incrédulo. – E que diferença me faz, se eles ficam desolados, ou não?

      Mediante as palavras arrogantes do barão, o clima que pairava no pátio alterou-se subtilmente, de medo para desafio. – Se eles querem permanecer nas minhas terras, terão de me agradar a mim, e não à filha do falecido conde.

      Lentamente, o barão percorreu os olhos pela multidão. Todos se calaram abruptamente, e a insolência desapareceu, como se o barão a tivesse arrancado com as mãos, de cada uma das pessoas ali presentes. Uma a uma, elas começaram a sair pelo portão, cabisbaixas. – Falarei contigo mais tarde, Chalfront.

      O meirinho, compreendendo que fora dispensado, juntou-se à multidão que se retirava.

      – Até logo, Gabriella Frechette – murmurou o barão DeGuerre, com uma expressão levemente sorridente nos olhos, antes de girar sobre os calcanhares e caminhar em direcção ao salão, claramente convencido, pelo silêncio dela, que vencera aquela discussão inicial. O cavaleiro que lhe fazia companhia retorceu os lábios num sorriso malévolo e seguiu-o, como um cão atrás do dono.

      Gabriella ficou sozinha no pátio, sentindo-se mais abandonada do que se sentira com a morte do pai, ou com a ausência de Bryce. Se ficasse no castelo, teria de ser uma criada, humilhar-se diante dos servos e dos arrendatários a quem conhecia desde pequena, as mesmas pessoas que, segundo a criação que recebera, sabia que tinha o dever de proteger.

      Mas seria assim tão humilhante ser uma serva? O seu pai não costumava exaltar sempre o trabalho daquele povo e o valor dos operários que tinham construído aquele lugar? Seria pior do que deixar a sua casa?

      Os Frechette não se acobardavam. Aquela fora a casa da sua família durante várias gerações; o barão DeGuerre não podia forçá-la a ir-se embora, por mais que tentasse. Além disso, ainda existia a possibilidade de Bryce voltar, um dia, e, nesse caso, o que aconteceria se ela não estivesse lá? Gabriella não podia contar com o barão DeGuerre, nem com Robert Chalfront, para dizer ao seu irmão para onde é que ela fora.

      E, como o barão bem sabia, seria perigoso para uma dama viajar desacompanhada e sem dinheiro. Ela não demoraria a ver-se em apuros, e à mercê de vilões ainda mais desprezíveis que ele.

      Se ficasse, poderia ter, ainda, uma oportunidade de ajudar o seu povo. Mais do que nunca, os arrendatários precisariam do seu apoio. Se partisse, daria ao barão motivos para acreditar que ele triunfara. Portanto, só tinha uma decisão a tomar. Ela ficaria.

      Amparada pelo orgulho do nome da sua família, Gabriella girou nos calcanhares e dirigiu-se à entrada de serviço do castelo.

      Apesar do que se passara no pátio, a cozinha fervilhava com os preparativos para o banquete daquela noite, que a própria Gabriella decidira oferecer, e que acabaria com o último stock de mantimentos que o seu pai mandara comprar. Tanto ela quanto o cozinheiro orgulhavam-se daquela refeição especial, embora por motivos diferentes. Gabriella tinha em mente a honra da família; Guido queria garantir a sua posição no castelo, impressionando o novo amo.

      Uma das criadas avistou Gabriella e deixou escapar uma exclamação de espanto. Em seguida, os demais tomaram consciência da sua presença e um ligeiro constrangimento tomou conta de todos, até que Guido se aproximou dela, com as mãos estendidas, cobertas de farinha.

      – Milady! – exclamou ele, com o sotaque italiano mais acentuado em consequência da indignação. – Que coisa terrível! O barão está longe de ser um cavalheiro! Sente-se aqui.

      O cozinheiro indicou uma pilha de sacos de farinha.

      Gabriella sorriu, segura da afeição daquela gente, e de que tomara a decisão acertada.

      – Não, Guido – retorquiu, com firmeza. – Se vou ser uma serva, é melhor começar logo a trabalhar.

      Os demais servos trocaram olhares chocados.

      – Milady! – começou James, o padeiro. – A sua santa mãe...

      – Descansa em paz, no túmulo – apressou-se Gabriella a dizer, tentando combater a dor e o ressentimento. – O barão fez-me um ultimato e eu fiz a minha escolha, da qual não me arrependo. Agora, vejamos... as flores já estão nas mesas?

      – Não, milady – respondeu uma jovem chamada Alda, gesticulando com a cabeça na direcção dos molhos de beijos-de-freira, cujos pés já tinham sido aparados.

      – Muito bem. Eu trato disso. – Gabriella pegou numa braçada de flores e dirigiu-se para o corredor, em direcção ao salão.

      – Alda, vai ajudá-la – ordenou Guido.

      Gabriella detectou o respeito na voz do cozinheiro, e sentiu-se subitamente melhor. Os servos do castelo sempre tinham sido deferentes para com ela, mas ela nunca estivera tão consciente do respeito que lhe dedicavam. E, naquele momento, não era porque ela fosse filha de quem era, e sim por ela mesma.

      Enquanto Gabriella esperava que Alda fosse buscar mais flores e a acompanhasse, Guido espreitou para dentro de uma panela borbulhante, como um alquimista que espera que o chumbo se transforme em ouro; como se o destino do reino dependesse da execução da sua tarefa. James ocupou-se a desenformar uma sobremesa, fazendo uma pausa para dedicar um largo sorriso a Gabriella.

      E o barão acreditara que ela se ia embora!

      Durante o jantar, Etienne DeGuerre permitiu-se um ligeiro e raro sorriso de satisfação. O rei não mentira ao afirmar que o conde de Westborough, embora não fosse um guerreiro, era esperto e meticuloso na construção de defesas. Aquele castelo era mais seguro que todas as fortalezas que Etienne já vira. O muro externo devia medir uns seis metros, por dois de espessura. O muro interno era ainda mais alto e mais largo, construído de forma a possibilitar aos arqueiros proteger ou derrotar soldados encurralados entre um e outro. O recinto da portaria era quase tão grande quanto o estábulo, fortificado por uma ponte levadiça e por uma sólida porta de carvalho reforçada com barras de ferro. Acima e atrás da ponte levadiça ficava o orifício da morte, através do qual podiam ser lançadas pedras, ou óleo a ferver, a fatalidade de qualquer inimigo que se encontrasse entre