Olga Kryuchkova

Pintar Com O Dragão


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      "Uma pessoa, uma pessoa! Está aqui uma pessoa!"

      "Sim, é uma menina!"

      "É um sinal auspicioso, não é?"

      Mas em pouco tempo, a atenção dos ratos focou-se na noiva que emergia do buraco dos ratos. Involuntariamente a Ōi abriu os seus olhos maravilhados. Ela não esperava ver um vestido de noiva tão pequenino, mas ao mesmo tempo tão detalhado e elegante! Numa palavra apenas, a noiva Ochyu era deveras lindíssima, parecia-se com um desenho animado de um conto de fadas.

      "Eu quero desenhar isto," foi o primeiro pensamento de Ōi. "Quando chegar a casa vou certamente desenhar isto! Eu não sei desenhar tão belas imagens quanto o meu pai, mas vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para enaltecer parte desta beleza!"

      A noiva caminhava para o palanquim onde se sentou, enquanto isso, a menina observava-a admirada. Depois disso os ratos carregaram o palanquim para a casa do noivo.

      Os ratos começaram a sussurrar novamente:

      "Quando as raposas se casam, no céu ou está um calor abrasador ou chove! Mas quando os ratos se casam está bom tempo!"

      "É verdade o tempo está ótimo!"

      Talvez a Ōi teria tomado mais atenção às conversas dos ratos não fosse o facto dos ratos à sua volta começarem a desaparecer tão subitamente quanto o seu surgimento. E mesmo ela própria se apercebeu de que num piscar de olhos ela já não estava no casamento dos ratos, mas sim na mesma falha onde tinha entrado pra se esconder. Estava de tal forma perplexa que nem se mexia isto até ouvir Shotaro a gritar de alegria:

      Encontrei-te Ōi! Onde estavas? Estavas a esconder-te noutro sítio? Já tinha aqui vindo à tua procura antes!"

      "Eu estive num casamento de ratos," disse a Ōi orgulhosa.

      O Shotaro pensou que ela estava a brincar e apenas abriu os olhos mostrando o seu espanto.

      "Mas afinal o que é um casamento de ratos? Estiveste num sítio com muitos ratos? Oh, já percebi! Escondeste-te no celeiro dos nossos vizinhos eles estão sempre a queixar-se dos ratos! Mas como é que lá entraste? Afinal de contas o celeiro está fechado... Onde estiveste? A Satsuki e eu já andámos á tua procura!"

      "E por acaso desapareci por muito tempo?"

      "Não muito."

      "Quem é a contar agora?"

      "Provavelmente é a Satsuki encontreia primeiro."

      Entretanto apareceu a Satsuki.

      "Ōi! Onde estiveste? O Shotaro e eu andámos á tua procura!" exclamou ela.

      "Eu estive no casamento dos ratos!" respondeu novamente.

      "O quê?" abrindo os olhos de espanto.

      Ōi riu-se. Ela já se tinha apercebido que os seus amigos nunca iriam acreditar em si. Então ela disse:

      "Quem é que vai contar agora? És tu Satsuki? Então começa a contar que eu e o Shotaro vamos nos esconder!"

      Satsuki suspirou tristemente, fechou os olhos e começou a contar. Entretanto a Ōi e o Shotaro foram a correr esconder-se. Mas a filha do artista pensou para si própria que iria certamente desenhar o casamento dos ratos.

      E ao anoitecer quando chegou a casa decidiu dar vida á sua ideia. Era mais do que óbvio o que é que a criança estava a pintar. Estava a esforçar-se de tal forma, que Hokusai a elogiou e disse-lhe:

      "Ōi um dia serás uma artista fantástica! Podes ajudar-me?"

      "Com todo o gosto!" disse ela

      Nem ela nem o seu pai sabiam o quão proféticas seriam estas palavras...

       Capítulo 2 . Encontro com o Dragão

       No vigésimo segundo ano do reinado do Imperador Kōkaku. 11

      Passaram-se três anos desde o dia do casamento dos ratos. A Ōi é agora uma menina de dez anos de idade. Neste período muitas coisas mudaram. Pouco depois do casamento dos ratos o Shotaro ficou doente. Pensa-se que foi devido a alguma coisa que estava na água de um ribeiro do qual, o menino bebeu num dia solarengo. Tinha dores de estomago terríveis e vomitava constantemente. Claro que os seus pais preocupados chamaram o médico, mas não havia nada que podesse ser feito. Pouco tempo depois Shotaro morreu...

      Os pais do menino, Ōi e Satsuki, bem como outros amigos prantearam amargamente a morte da criança. Mas todos sabem que de nada servirão as lágrimas de tristeza...

      Um ano depois da morte de Shotaro acontece outro terrível acidente. O pai da Satsuki, o mercador, ficou na falência, por conta de um negócio que correu mal. Ao tentar melhorar o seu negócio, pediu dinheiro emprestado a uns agiotas, esperando melhorar as suas contas e conseguir pagar a dívida. Contudo, ele não foi bem-sucedido...

      Por forma a conseguir pagar as suas dividas, para conseguirem ter dinheiro para dar de comer aos irmãos mais novos da Satsuki tiveram de tomar uma decisão terrível. Vender a sua única filha Satsuki para o distrito da luz-vermelha. Pela formosa menina de oito anos de idade e letrada, pagaram um valor avultado.

      Quando levaram a menina de casa, ela chorava desesperadamente, ao mesmo tempo sabendo que a sua família não tinha alternativa. Ōi, sem suspeitar de nada, tinha ido à procura dela para brincar, e involuntariamente assistiu a tudo. Um calafrio percorreu-lhe todo o corpo, ao aperceber-se do que se estava a passar. Ela apressou-se a implorar ao esclavagista para deixar a Satsuki ficar. Claro que a única coisa que as tentativas de Ōi para salvar a amiga alcançaram foi um sorriso de condescendência do esclavagista.

      "Não te preocupes, estou certo de que a tua amiga será comprada por um bordel de renome, e tornar-se-á tayu ou oiran no futuro. As meninas bonitas são sempre mais populares," disse ele.

      "Qual é o valor da divida da Satsuki? Eu pago, mas deixem-na ir!" A Ōi tirou do cabelo um travessão caríssimo e deu-lhes, tinha-lhe sido oferecido pelos seus pais no seu dia de aniversário. E deu-o ao homem.

      "Ōi a divida é demasiado alta," murmurou Satsuki por entre as suas lágrimas. "Nem uma dúzia de travessões chegariam para tal."

      Ao presenciar isto, o austero coração do esclavagista estremeceu um pouco. Raramente testemunhava tamanha determinação. E disse a única coisa que poderia dizer naquele momento:

      "Menina, o teu travessão não é suficiente, a divida é muito alta. A Satsuki será uma aprendiza de tayu ou oiran, eu prometo."

      Ōi incapaz de conter as suas lágrimas desfez-se num pranto. Era um chorar de amargura tão forte que nem os pais de Satsuki conseguiram conter as suas próprias lágrimas. Embora o pai ainda se conseguisse conter, a sua mãe, pálida que nem um fantasma, desatou a chorar.

      Finalmente depois de se conseguir acalmar um pouco, Ōi abraçou a sua amiga, Satsuki despediu-se e foi-se embora juntamente com o esclavagista. Ōi ficou a vê-la durante muito tempo até que ela desaparecesse por completo. E foi aí que se virou e olhou com crueldade para os pais da sua amiga.

      "Como é que conseguiram fazer isto à vossa própria filha?" gritava a menina revoltada. "Pediram demasiado dinheiro ao agiota não foi?"

      "Tens toda a razão," concordou o pai da Satsuki. O remorso estava-lhe espelhado na face. "Não tivemos escolha..."

      "Há sempre uma escolha!" gritou novamente Ōi enraivecida. Ela estava revoltada com os pais da amiga. "Vocês não podiam fazer um empréstimo! Ou vender a Satsuki, mas sim um dos vossos filhos mais novos! Nas casas de chá em Kagema, os prostitutos são sempre precisos!"

      Os pais da Satsuki olhavam estupidificados para si próprios. Não lhes ocorreu venderem um dos seus potenciais herdeiros. Mais ainda eles não faziam ideia como é que uma menina de oito anos sabia tais detalhes. De facto, ela ouvia falar constantemente sobre prostitutos através do seu pai, este ia com regularidade a Yoshiwara