João de Deus

Flores do Campo


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a estima

      É que da morte tem medo.

      A mesma tristeza anima

      A encarar a pé quedo

      A morte que se aproxima

      A tirar-nos do degredo,

      Que inda a gente se lastima

      De não acabar mais cedo.

      E alli sósinha chorando

      Me lembrava, ora a ventura

      Da minha infancia, inda quando

      Levava os dias brincando;

      Ora a desgraça futura,

      Que me estava annunciando

      Não sei se a minha amargura,

      Se uma nuvem, grande e escura,

      Que se ia no ar formando

      E vinha já avançando,

      Como que á minha procura.

      E ainda o pranto corria

      E o cabello me batia

      No rosto, que me doía,

      Tal era a força do vento;

      Já tudo tão pardacento

      A nevoa e chuva fazia

      Que eu olhava, mas dizia:

      É nuvem ou penedia

      Aquelle vulto cinzento?

      O mar brilhante algum dia

      Como prata luzidia

      Já ninguem o distinguia

      Da terra e do firmamento:

      Uivar só é que se ouvia,

      Mas uivar sem sentimento;

      E como em grande tormento

      Se desvaira a phantasia:

      – Fosse eu mar, disse; valia

      Mais ser coisa bruta e fria,

      Como a rocha onde me sento.

      Faz um trovão no momento

      Que soltava esta heresia;

      E áquella rouca harmonia

      Occorre-me um pensamento,

      Que me dá uma pancada

      O coração de tal modo,

      Como se o rochedo todo

      Desandasse na chapada.

      Era a voz da consciencia

      Que me accusava do crime

      De negar á Providencia

      A razão com que me opprime.

      Peço perdão, commovi-me

      E n’um extasi sublime

      Lagrimas de penitencia,

      Como um balsamo, uma essencia,

      Purificam-me e senti-me

      Com uma nova existencia.

      Ólho; as nuvens esvaíam-se:

      Os roncos do mar ouviam-se,

      Mas já mais de espaço a espaço.

      O sol ainda tão baço,

      De luz tão pouco brilhante,

      Que se media a compasso

      Como a cara d’um gigante,

      Descobre-se e resplandece!

      Ao longe o mar apparece;

      E tudo, mar, terra e céos

      Tão formoso me parece,

      Como se agora tivesse

      Sahido das mãos de Deus!

      No rochedo onde descança

      Meu corpo desfallecido,

      O verde musgo, vestido

      Sempre da côr da esperança,

      Agora reverdecido,

      Me ensina a ter confiança

      N’esse que do céo nos lança

      Em dia tempestuoso,

      Só para nosso repouso

      O arco da alliança.

      Pobre musgo, descuidado,

      Sem olhos para chorar,

      Sem poder alliviar

      Com seu pranto um desgraçado,

      Consolar-se e consolar!

      Fallas mais a meu agrado

      Que o livro mais afamado

      D’esses livros, que em lugar

      De nos dar consolação,

      Nos fazem cahir no chão

      Um pranto mal empregado,

      E inda mais amargurado

      Nos deixam o coração.

      Colhi-o, pul-o no seio,

      E é hoje o livro que leio.

      Messines.

      ULTIMO ADEUS

      Prestes, se inda na rocha de granito

      D’onde em tempo me vias te sentares,

      Não olhes para a terra ou para os mares,

      Olha sim para o céo, que é lá que habito.

      Lá tão longe de ti, mas não do terno,

      Bondoso pai que os dois nos ha gerado,

      Só para mágoas não, que bem guardado

      Nos tem tambem no céo prazer eterno.

      Não se é só pó no fim de tanta mágoa.

      Senão, diga-me alguem que allivio é este

      Que sinto, quando á abobada celeste

      Alevanto os meus olhos rasos d’agua.

      Mentem os céos tambem? Os céos maldigo.

      Feras, tigres, tambem o céo povôam?

      Tambem os labios lá sorrindo côam

      Veneno desleal em beijo amigo?

      Mas na dôr é que os astros nos sorriem,

      E os homens não sorriem na desdita.

      Astros! fio-me em vós, e Deus permitta

      Que os infelizes sempre em vós se fiem.

      Intima voz do fundo, bem do fundo

      D’alma me diz (e as lagrimas me saltam):

      Vês os milhões de soes que o espaço esmaltam?

      Pisa a terra a teus pés, inda ha mais mundo.

      Ha depois d’esta vida inda outra vida.

      Não se reduz a nada um grão d’arêa,

      E havia de a nossa alma, a nossa idêa

      Nas ruinas do pó ficar perdida?

      – Isso que pensa e quer (até me admiro),

      Isso que a luz nos traz, que a luz nos leva,

      Isso que me abre o céo que ao céo me eleva

      N’um teu cançado olhar, n’um teu suspiro!

      Onde, não sei eu bem, mas sei que existe

      Deus remunerador. Depois de mortos

      Hemos de vêr-nos, e um no outro absortos

      Fartar de glorias este amor tão triste.

      – Tão triste, e o coração que me adivinha

      N’este