João de Deus

Flores do Campo


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rapida corrente,

      Que vai de lado a lado

      Por esses valles fóra

      Sem nunca lhe ser dado

      Ter a menor demora.

      Pára, quando a engole

      Aquelle mar sem fundo;

      Nem pára; é como o sol

      E como todo o mundo…

      Ahi não pára nada,

      Tudo viaja e anda,

      Que a ordem lhe foi dada,

      E dada por quem manda.

      Chega a corrente lá,

      Engole-a logo a onda:

      Depois, que é d’ella já?

      A nuvem que responda.

      Que a nuvem que nos passa

      Pela manhã nos ares,

      Era hontem a fumaça

      Que andava n’esses mares;

      E a nevoa, que tu vês

      Nas ondas fluctuantes,

      Corria-nos aos pés

      Talvez um dia antes.

      A agua é que no giro

      Em que anda eternamente

      Não deu nunca um suspiro

      Em prova de que sente.

      .....................

      N’UM ALBUM

Pedindo-se ao author uma poesia

      Não me admira a mim que o sol, monarcha

      De indisputavel throno, e throno eterno

      Em céo e terra e mar;

      Que em seu imperio o mundo inteiro abarca

      Abaixe á pobre flôr seu dôce e terno,

      Mavioso olhar.

      Não me admira a mim que a crystallina,

      Tão pura, onda do mar, que espelha a face

      Do astro creador,

      Que essas asperas rochas cava e mina,

      Á praia toda languida se abrace

      E toda amor!

      Mas sendo vós um sêr mais precioso

      Do que onda e sol— um anjo de poesia

      Inspirada e que inspira;

      Que ás minhas mãos, das vossas, tão mimoso,

      Delicado penhor descesse um dia

      É que me admira.

      Quizera nos meus cofres de poeta

      Ter as riquezas todas do Oriente,

      E com mãos liberaes

      Expulsar esta duvida que inquieta

      Um grato coração que apenas sente

      E… nada mais!

      De limpido diamante e fio de oiro,

      Quizera-vos tecer collar que á aurora

      Vencesse em brilho e côr;

      Mas o poeta, o unico thesoiro

      Que tem, ah! são as lagrimas que chora

      E o seu amor.

      Eu vol-o dou. E lá do espaço immenso

      Se amada estrella olhar piedoso envia

      A quem da terra a adora;

      Se o sol aceita á flôr humilde incenso;

      Ha no amor tambem muita poesia…

      Minha senhora!

      Evora.

      * * *

      Beijo na face

      Pede-se e dá-se:

      Dá?

      Que custa um beijo?

      Não tenha pejo:

      Vá!

      Um beijo é culpa

      Que se desculpa:

      Dá?

      A borboleta

      Beija a violeta:

      Vá!

      Um beijo é graça

      Que a mais não passa:

      Dá?

      Teme que a tente?

      É innocente…

      Vá!

      Guardo segredo,

      Não tenha medo…

      Vê?

      Dê-me um beijinho,

      Dê de mansinho,

      Dê!

      Como elle é dôce!

      Como elle trouxe,

      Flôr!

      Paz a meu seio;

      Saciar-me veio,

      Amor!

      Saciar-me? louco…

      Um é tão pouco,

      Flôr!

      Deixa, concede

      Que eu mate a sêde,

      Amor!

      Talvez te leve

      O vento em breve,

      Flôr!

      A vida foge.

      A vida é hoje,

      Amor!

      Guardo segredo;

      Não tenhas medo

      Pois!

      Um mais na face

      E a mais não passe!

      Dois…

      Oh! dois? piedade!

      Coisas tão boas…

      Vês?

      Quantas pessoas

      Tem a Trindade?

      Tres!

      Tres é a conta

      Certinha e justa…

      Vês?

      E o que te custa?

      Não sejas tonta!

      Tres!

      Tres, sim. Não cuides

      Que te desgraças:

      Vês?

      Tres são as Graças,

      Tres as Virtudes,

      Tres.

      As folhas santas

      Que o lirio fecham,

      Vês?

      E que o não deixam

      Manchar, são… quantas?

      Tres!..

      * * *

      Thuribulo suspenso inda fluctuo,

      Em quanto a alma em incenso restituo;

      Mas, quando como fumo que se esvai,

      Minha alma! vás teu rumo… sobe e vai.

      Vai d’estas densas trevas, d’esta cruz,

      Levar-lhe…