Buffenoir Hippolyte

Amôres d'um deputado


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que a sua ligação seria santificada, mas pouco depois o seu intelligente espirito abraçava tristes ideias e tinha então o presentimento do futuro, glorioso para Ronquerolle, obscuro e desgraçado para ella. E esse devotado coração de mulher, verdadeiramente amante, preparava-se já para o sacrificio, em favor d'aquelle a quem tanto amava.

      Emilia tinha ouvido toda a conversação de Ronquerolle com os seus amigos Maupertuis, Didier e Branche. Soubera que o amante ia deixar Paris, partindo para a Borgonha, e o seu coração palpitara com mais força, com violencia.

      Tinha visto com as mais sombrias côres o futuro que a sorte lhe reservava e por isso chorava.

      – Não chores assim, supplico-te! disse-lhe Ronquerolle, olhando-a ternamente. Commoves-me profundamente com as tuas lagrimas. O que pode affligir-te assim?!

      – Julgavas-me adormecida e no entanto eu estava acordada, respondeu Emilia.

      Conheço os teus projectos e os dos teus amigos. Ouvi o que disseram ha pouco.

      O que te causa tanta alegria, entristece-me, porque é o fim d'esta nossa ligação que surjirá dos acontecimentos aos quaes vaes entregar todos os teus pensamentos, a tua existencia.

      – Creança! retorquiu Ronquerolle, pois é esse o motivo da tua tristeza e das tuas lagrimas! Tu bem sabes que nunca te abandonarei! Vamos, socega!

      Pensa na tua bella mocidade: e dize bem alto que te amo e que te hei de amar sempre com toda a força do meu coração!

      Estas palavras, pronunciadas com uma sincera convicção, abrandaram um pouco as inquietações de Emilia, mas no seu pensamento ficara uma nuvem de amargura e de pezar.

      Ronquerolle, por seu lado, embora a sua audacia, a sua energia e a sua poderosa vontade, estremecia ao pensar na brutal realidade dos factos, realidade de que elle se queria aproximar, que precisava abraçar, que, a todo o custo, precisava vencer.

      A amante cançada por fim das commoções soffridas, adormecera. E elle, sentado perto do leito, perto d'uma pequena meza, e á luz, d'uma lampada, tendo a cabeça encostada ás mãos, parecia recolhido n'uma dolorosa meditação. O seu olhar brilhava e não mudava de direcção Relembrava as palavras do grande poeta inglez Shelley;

      «O mundo é feio e mau.» Via-se a caminhar pelas estradas e atalhos, de Saint-Martin, de aldeia em aldeia para fallar da Republica, aos cidadãos, aos trabalhadores, aos homems do campo.

      N'alguns momentos, o seu pensamento mudava de objectivo e olhava a amante adormecida. A cabecita loura de Emilia reclinara-se para o lado do amante. Transportes d'amôr enchiam então o coração do joven republicano e pensava, recordando ainda Shelley:

      «Não, não! Nem tudo é feio! Nem tudo é mau n'este mundo! Tomo por testemunha esta creança, que dorme aqui perto de mim, este seio que se eleva e abaixa, respirando vida, estes bellos cabellos louros soltos lindamente, e a que os raios da luz d'esta lampada dão reflexos dourados…

      II

      O marquez e a marqueza de Tournelle

      A pequena cidade de Saint-Martin, na Borgonha, conta seis mil habitantes. É uma linda e graciosa sub-perfeitura que tem os seus ares de praça forte, com as suas antigas muralhas, a sua guarnição e sobretudo pelo seu velho castello, dominando a cidade e recordando os tempos do feudalismo. Este castello é habitado desde tempos immemoriaes pela familia «de la Tournelle», que tem nos seus brazões a corôa de marquez.

      Os «de la Tournelle», durante muito tempo, foram os senhores da região. No tempo da Revolução, e nomeadamente durante o Terror, o seu poder decahiu muitissimo; porém quando Bonaparte se apoderou do throno e se fez imperador, readquiriram o seu antigo prestigio, graças ás habeis generosidades diffundidas na região e mais especialmente na circunscripção de Saint-Martin.

      No momento em que se desenrolam os factos que relatamos, o marquez Sergio de la Tournelle considerava mais do que nunca, esta circunscripção de Saint-Martin como um feudo que, sem duvida alguma, lhe pertencia. «Maire» da cidade, conselheiro geral e deputado da direita, não poderia affrontar os seus inimigos?

      Além d'isso, era digno de ouvir-se, quando fallava do pequeno grupo de republicanos que se agitava na sua circunscripção. Chamava a esses bravos democratas, assassinos, patifes, dignos de serem enviados para Cayenna, canalha sempre embriagada, frequentando os antros do deboche e insultando os padres.

      No entanto, as ultimas eleições municipaes tinham mandado trez d'estes «assassinos» a tomar o seu logar na «mairie», ao lado do sr. marquez, e o senhor «de la Tournelle» tinha d'isso um vivo despeito.

      A marqueza de la Tournelle, Carlota Maximiliana de Champeautey, era uma mulher d'um bello aspecto e immensamente seductora. Tinha trinta annos, sendo mais nova quinze annos que seu marido. Era bella e forte. Trazendo sempre a cabeça arrogantemente erguida, o seu peito, extraordinariamente desenvolvido nada tinha d'exagerado, por causa da sua elevada estatura. Os cabellos castanhos claros, os olhos azues, as mãos finas com os dedos alongados, os pequeninos pés, completavam o arsenal das suas graças femininas. Além d'isso, amava os perfumes, a «toilette» e dava leis ás grandes elegantes como as adoraveis mulheres do XVIII seculo. Era amavel para todos, ainda mesmo para os humildes e os pequenos.

      Finalmente, não se poderia vêl-a sem logo a amar. A bella Carlota não tinha um inimigo, exceptuando talvez o barão de Quérelles, um conquistador desprezado, que tinha jurado não morrer sem se vingar dos desdens da altiva aristocrata. O barão vinha rarissimas vezes a Saint-Martin, mas estava ao corrente de todos os acontecimentos da pequena cidade.

      A marqueza tinha no coração, ou antes na cabeça, uma paixão deveras rara entre as mulheres. Era ambiciosa.

      Tinha tentado fazer de seu marido um alto personagem, dar-lhe o prestigio superior da vontade e da energia. Porém o marquez «de la Toumelle» pertencia á raça dos mediocres, terminando a marqueza por ter compaixão d'elle. O marquez era um bello homem, muito elegante no seu porte, muito bom cavalleiro, bom valsista, bom caçador, conversador agradavel ainda que futil, mas incapaz de empregar, por seu proprio esforço, a actividade necessaria, e de seguir a um fim com tenacidade. Era vaidoso, mas ignorava o poder do orgulho. Tinha uma grande confiança em sua mulher e não tomava qualquer resolução sem a consultar. Elle era só quem dispunha dos altos cargos da circunscripção, só elle se offerecia aos suffragios dos eleitores. Quem ousaria disputar-lhe a victoria? Deputado em evidencia, proprietario respeitado, dispondo d'um jornal, tendo ás suas ordens um «comité» das pessoas mais elevadas da cidade, batia o seu concorrente completamente, se acaso um se apresentasse, se bem que sabia, dizia elle, que ninguem havia tão tolo que contra elle aceitasse uma candidatura.

      – Ah! os cobardes! os amotinadores! gritava uma tarde na janella do seu castello, fallando dos republicanos, e dirigindo-se ao presidente do seu «comité»: Elles que nada teem, que são pobres como Job, fallam em ser senhores! Pois bem! onde está o seu candidato? Que appareça! Vamos, mostrae-m'o raça de biltres!

      Ao pronunciar estas palavras, o marquez estendia os braços no espaço, ameaçando com um gesto o café da «Poule-Blanche», logar da reunião habitual dos republicanos de Saint-Martin.

      A noite cahia lentamente. Lá em baixo, um ultimo raio de sol dourava melancholicamente o cume do monte. Era uma d'estas tardes de junho que enervam a alma e os sentidos. O marquez olhava a cidade, os logarejos, as aldeias perdidas no horizonte longinquo e ondas d'uma vaidade insaciavel lhe subiam ao coração ao pensar que o seu nome dominava na região, como as torres do seu castello dominavam as choupanas da visinhança. Um sorriso de satisfação lhe animou o rosto e teve palavras d'espirito para se rir dos seus inimigos. Quando estava completamente absorvido no pensamento da sua estrella feliz, o seu creado de quarto, Lapierre, tomou a iniciativa de lhe levar os jornaes que acabavam de chegar de Paris. Rasgou, com um gesto brusco, a cinta que envolvia o «Figaro» e passou rapidamente para a segunda pagina para consultar as noticias dos departamentos e das eleições. Os seus olhos cairam immediatamente sobre estas palavras em normando: Borgonha, «circunscripção de Saint-Martin.»

      Leu soffregamente a seguinte noticia:

      «Escrevem-nos de Saint-Martin, que dois «candidatos