diz-se, será violenta. Temos, porém, todas as razões para acreditar que «o sr. Marquez de «la Tournelle» baterá o seu adversario.»
– Ah! ah! ah! riu o marquez; a graça não está má.
Em seguida, dirigindo-se á galeria, chamou muitos dos seus amigos que estavam no salão e leu-lhes a noticia que acabava de ler no «Figaro».
– Como, diz o conde d'Orgefin, presidente do «comité» realista, esse Ronquerolle ousa apresentar-se aqui! É um homem sem valor, escoria de Paris, um revolucionario, um escrevinhador. Conhecêmol-o creança a esse senhor! Usava uma blusa e tamancos. Creio mesmo que seus paes mendigavam…
– Não, disse o marquez, tornando-se sério, o pae Ronquerolle era pobre, mas ganhou sempre honradamente a sua vida. O bom homem era um dos nossos fieis eleitores. Vinha algumas vezes ao casteilo pedir-me conselhos e fui eu quem em tempos o levou a fazer instruir seu filho. Estou bem recompensado! O creançola cresceu e é elle quem nos vae dar combate, meus senhores!
– Mas não é um adversario sério, replicou o conde d'Orgefin; é uma creancice! Quem é o senhor Maximo Rouquerolle? Não existe. Os republicanos de Saint-Martin deviam pelo menos oppôr-nos um homem de valor e não um fedelho, um ninguem, um cidadão Ronquerolle!
Riram todos muito. Lapierre, o creado de quarto, tinha assistido a esta scena, esperando ordens do seu senhor.
– Está bem, diz-lhe o marquez, manda atrelar o break maior. Eu e estes senhores sairemos hoje para fóra da cidade, para Sennevel… Ah! espera, Lapierre, leva o «Figaro» á senhora marqueza. O criado tomou o jornal e retirou depois de saudar o marquez.
– Pobre Maximo! murmurava por entre os dentes, atravessando um corredor, como estes tratantes te tratam! Está descançado, que eu te ajudarei com as minhas fôrças a destruir esta nobreza. E isto simplesmente porque outr'ora fômos camaradas na escola…
Lapierre foi interrompido no seu monologo pela campainha electrica. Ao mesmo tempo, a marqueza atravessava a galeria que confinava com a escada d'honra do castello. Ia passear um pouco pelo jardim antes que a noite descesse completamente. O criado entregou-lhe o jornal. Apenas o abriu os seus olhos cairam sobre a nota relativa á eleição de Saint-Martin.
Ao lêr o nome de Maximo Ronquerolle, publicista, a marqueza empallideceu, murmurando:
– Meu Deus! seria elle? será possivel: Sim, sim, chama-se Maximo, como eu Maximiliana, recordo-me. É elle que vae chegar?
A commoção da marqueza era tão forte, que as suas mãos finas se humedeceram, como se tivesse febre; em logar de ir passear, como tencionava, no jardim, voltou aos seus aposentos onde se deixou cair n'um «fauteuil».
Passado um instante, levantou-se sem fazer ruido e offegante, como uma criminosa, temendo que qualquer dos seus criados a viesse surprehender, abriu uma pequena secretaria e tomou um cofre de que só ella possuia a chave, indo sentar-se junto da janella. A tarde tinha caido completamente. Um ultimo raio, como diz André Chenier, animava ainda o fim da tarde, mas as trevas do crepusculo invadiam toda a natureza. A marqueza affastou as cortinas da janella; á luz do ultimo raio de sol que desapparecia, pôde reler uma carta que estava no cofre e que tinha esta assignatura: «Maximo Ronquerolle.»
Era uma carta d'amôr e d'amôr apaixonado. Os versos misturavam-se com a prosa e o signatario falava d'uma tarde, d'um baile parisiense onde tinha dançado com madame de la Tournelle…
«Oh! porque vos vi eu? dizia a carta. Porque senti eu bater o vosso peito junto ao meu n'esse baile onde me levou o destino, esse Deus do mundo, segundo o pensamento de Schiller? Penso constantemente em vós, é a saudade por vós que me alenta. Não vivo, não aspiro senão á vossa belleza».
Depois, impellido pelo lyrismo da sua paixão, Ronquerolle, ia até á intimidade da marqueza, cantando a sua formosura hellenica em estrophes d'oiro.
Os seus lindos olhos azues o seu porte altivo e distincto d'uma plastica impecavel, o seu amôr ardente, tudo alli cantava em arrobos d'amôr e d'enthusiasmo.
M.me de «la Tournelle» teve um estremecimento ao lêr de novo esses versos. Com effeito, lembrava-se d'um rapaz com quem uma vez tinha dançado, havia quatro anos e que, no dia seguinte, ousara escrevêr-lhe, fazendo-lhe uma declaração d'amôr ardente… Porque guardara ella essa carta que a podia comprometter? Porque a não rasgara e lançára ao fogo como fizera a tantas outras produzidas pela sua belleza explendorosa? Porque tremia, ao lêr de novo uns versos, escriptos outr'ora por um desconhecido que perdêra de vista no grande mar da vida parisiense?
Mysterios do coração que nem mesmo os grandes sabios descobrem.
Enigmas do sentimento que zombam das investigações mais cuidadosas. Talvez, no fundo da sua alma, a bella Carlota sentisse uma alegria intima, e como que occulta, de ter inspirado uma paixão tão violenta e tão sincera como a que sentia Ronquerolle! Talvez que os versos do joven poeta, com o seu rythmo harmonioso, lhe recordassem o doce encanto d'uma valsa preferida! Talvez que a audacia de Ronquerolle lhe não tivesse desagradado, e admirasse a sua temeridade corajosa, o enthusiasmo da sua juventude!
A noite espalhava-se por toda a parte e ella ficara recostada no seu «fauteuil», com a luz apagada.
A escuridão favorecia o seu sonho e, apertando entre as mãos a carta, murmurava, distraida, os versos de Ronquerolle.
E era elle, esse terrivel democrata, cuja canditadura os jornaes anunciavam em opposição á de seu marido! Era elle que vinha á circumscripção de Saint-Martin arvorar a bandeira da Republica contra a nobreza contra a sua raça, contra a sua familia, contra ella mesma?
Ia voltar a vêl-o e a fallar d'elle a cada momento!
– Meu Deus! Meu Deus! dizia, que singular aventura. Se meu marido soubesse! Mas porque estou eu assim perturbada? Quem é, afinal, esse sr. Ronquerolle?
Guardou de novo e com cuidado a carta amorosa no cofre que fechou em seguida, e que foi encerrar n'um dos esconderijos mais occultos da secretaria.
N'esta occasião, o marquez de «la Tournelle» voltava do logar de Senneval aonde tinha ido levar a nova da candidatura republicana a um amigo da sua familia. Acompanhavam-o conde d'Orgefin e os srs. de Trimolet e de Nipostte, pessoas da mais alta distinção na cidade e em todo o departamento.
Os cavallos do marquez passavam estrepitosamente na calçada da rua principal de Saint-Martin. Tinham já passado o theatro e o café da Bolsa. Um minuto mais e a carruagem estaria em frente da «Poule Blanche», o café dos vermelhos, dos assassinos dos «democs», como costumava dizer o marquez de la Tournelle.
– Que ruido vem d'este lado! disse o sr. Trimolet, indicando a «Poule Blanche»; ouvem meus senhores? De quem é esta voz? Ha alli uma reunião? Escutem! Applaudem!
O marquez deu ordem ao seu cocheiro para demorar o andamento e os cavallos começaram a andar a passo. A porta da «Poule Blanche» que dava para a rua estava completamente aberta. O café via-se cheio de gente, empregados de paletot, taberneiros de blusa, operarios em mangas de camisa e com o avental do trabalho. Sobre o bilhar viam-se muitos garotos. Em cima d'uma cadeira junto do espelho do fundo, um orador fallava. A sua voz sonora fazia tremer tudo e ouvia-se até da praça junto á fonte. A multidão escutava-o religiosamente.
– Queridos concidadãos, dizia o orador, accorri ao vosso appelo. Agradeço-vos o não vos terdes esquecido de mim. Trabalhadores, sou dos vossos! Republicanos, podeis contar commigo como eu conto comvosco!
… De que tratamos nós? Tratamos apenas de dezenraizar d'esta cidade, d'este departamento, a arvore pôdre da reacção monarchica e clerical; trata-se de bater no proximo escrutinio legislativo, o senhor de «la Tournelle», esse marquez da idade media perdido nos tempos modernos!.. Pois bem! nós o alcançaremos, cidadãos!..
Applausos freneticos acolheram estas palavras, ouvindo-se immensos gritos de: Viva a Republica! Viva o cidadão Ronquerolle! Nunca a «Poule Blanche» tinha abrigado egual gritaria popular. N'esta occasião a carruagem do marquez, que caminhava a passo, chegava deante do café republicano.
Aos gritos repetidos de: Viva a Republica! Viva o cidadão Ronquerolle! o candidato