— respondi.
Seguimos até chegar à entrada principal do parque botânico ou, pelo menos, de uma das entradas. Ninguém sabia quantas havia. Me aproximei por curiosidade para ver a informação para entrar. Estava aberto das cinco da manhã até à meia-noite todos os dias do ano! Além disso, era gratuito, exceto a parte das orquídeas. Isso, sim, era um bom serviço de atendimento ao público.
— Por que não entramos aqui? — disse, tentando persuadir Josele e Dámaso a entrarem para dar uma olhada.
— Você terá tempo para ver as coisas melhor. Para um primeiro dia, é melhor darmos uma volta mais genérica. Além disso, Josele já conhece esse lugar — afirmou Dámaso.
— Você já veio aqui?
— Não é bem assim, cara — respondeu Josele imediatamente. — Não se confunda. Eu só gosto das flores para tirar fotos bobinhas, nada mais. Vim aqui porque estava interessado em uma japonesa bem gatinha e pensei que, trazendo-a aqui, com certeza teria sucesso. E, de fato, eu tinha razão — ele piscou um olho e rimos.
A verdade é que tínhamos toda a razão do mundo, teríamos tempo para ver tudo; por isso, cedi sem me queixar muito.
— Olha! — gritou Dámaso. — O ônibus. Poderíamos ir ver a Little India, o bairro indiano da cidade.
Josele e eu gostamos da ideia e em trinta minutos estávamos descendo do ônibus em um bairro totalmente diferente. Ali a distribuição demográfica mudava completamente, sendo em sua maioria indianos (ou bengaleses, porque na verdade eu era incapaz de diferenciá-los). A primeira coisa que me chamou a atenção foi um parque, em que havia centenas de indianos sentados no chão, em pequenos grupos, conversando. Segundo meus amigos, eles faziam isso todos os domingos. Aquele era o ponto de encontro deles para se verem e contarem o que tinha acontecido durante a semana. Não se via nem uma mulher sequer. Só homens. Curioso. Costume? Machismo? As mulheres se reuniam em outro lugar? Continuamos andando e cruzamos com uma igreja, a metodista Foochow, como dizia em uma placa na entrada, o que me surpreendeu por estar em uma zona indiana, onde se espera ver templos hindus. Isso demonstrava a singularidade do lugar. Também vimos restaurantes, dessa vez típicos indianos e, finalmente chegamos ao Mustafá Centre. Era um shopping muito grande que ficava aberto 24 horas. A calçada em frente estava cheia de casas de duas alturas que em sua maioria tinham restaurantes, alguma joalheria e escolas de hindi. Também havia um templo chamado Arya Samaj. Esse, sim, parecia hindu, mas eu não saberia dizer com certeza. Na entrada, havia uns cartazes de dois homens: um barbudo com cara de bonachão e outro com turbante e uma auréola, como se fosse um santo. Nos dois extremos da rua via-se ao fundo os arranha-céus da cidade, que contrastavam com esta zona de casas baixas. Tudo era muito diferente do que eu conhecia.
Josele, que sempre tinha sido mais curioso com as coisas e que era aficionado pela fotografia, sempre buscando localizações únicas para dar asas à sua vocação, me explicou que essas casas se chamavam shop houses, ou casas-lojas. Eram antigas edificações com o piso superior destinado à residência, e a inferior ao negócio familiar, normalmente oficinas, restaurantes ou lojas. Pelo visto, eram muito valorizadas, não apenas por seu valor histórico ou por sua beleza, mas também pela privilegiada localização que costumavam ter. O aluguel delas era entre três mil e quinhentos e até vinte mil dólares por mês, dependendo da sua situação e estado, e seu preço de venda chegava a vários milhões de dólares cingapurenses. Uma dinheirama.
Entramos no shopping para ver que tipo de lojas tinha ali. Ocupava dois quarteirões e tinha no primeiro piso uma passarela de cristal acima da rua que unia os dois blocos de edifício. Dentro, havia lojas de todo tipo: supermercado, farmácia, cosméticos, roupas desportivas, eletrônicos, correios e joalherias. Também tinha serviço de vistos para indianos e malaios e um local para câmbio de moeda. Um euro equivalia a quase um dólar e meio cingapurense. Eu tinha conseguido um câmbio um pouco melhor na Espanha.
Na hora de comer, como não podia ser diferente, comemos em um dos vários restaurantes indianos do lugar. Um que parecia especializado na comida do norte da Índia. Como se eu soubesse distinguir da do sul! Seguindo o conselho de Josele e Dámaso, pedimos pratos para dividir. De entrada, Aloo Gobi, que eram batatas condimentadas com couve-flor, e Chaat, um tipo de pastel muito crocante com diferentes recheios e muitos temperos. Em seguida, dividimos Chana masala, que parecia mexido de carne, como o que fazíamos em Madri, mas que com os temperos, tinha um sabor todo diferente; um arroz com lentilhas chamado Khichdi e frango Tandori, um frango assado com iogurte e condimentos que davam a ele um tom vermelho brilhante. Tudo acompanhado de um pão chamado Kulcha e, para a sobremesa, umas pétalas de rosa com açúcar chamadas Gulkand. Um monte de nomes exóticos e comidas às vezes muito condimentadas. Uma vez ou outra, me parecia uma refeição curiosa de se fazer, mas para o dia a dia acabaria enjoando. Além disso, não tinha tanta certeza de que meu estômago fosse capaz de aguentar isso constantemente, estando acostumado a outro tipo de comida totalmente diferente. Eu tinha certeza que não me lembraria de nenhum dos nomes dos pratos da próxima vez.
Perguntei pela comida típica cingapurense e me disseram que era picante e também muito condimentada, mas que eu não me preocupasse, porque havia todo tipo de restaurantes para escolher. Eu gostava de comida picante, mas de vez em quando e não muito. Tinha uma amiga que gostava da comida pegando fogo, mas para mim, com o ardor na boca não se podia saborear de verdade o gosto dos alimentos. De qualquer forma, também havia muita influência chinesa na comida do país e essa, sim, eu gostava mais. Teria que experimentar logo.
Depois de comer, voltamos para nossa casa. Tinha que terminar de colocar todas as minhas coisas no quarto e eu queria descansar um pouco. Não sabia se era pelo jet leg ou não, mas estava esgotado. De qualquer forma, tinha recebido muita informação desde que cheguei à cidade e eu queria um pouco de tranquilidade, e até começar a trabalhar no dia seguinte para ir pegando um pouco da rotina.
Passamos o resto da tarde na casa vendo um pouco as notícias em inglês na televisão e conversando sobre as coisas que faríamos nas próximas semanas.
Jantamos no final do dia o que restava na geladeira e fui dormir cedo. No dia seguinte começaria minha nova aventura de trabalho.
Tailândia 13
Meus pensamentos sobre o apartamento em Cingapura foram interrompidos quando senti que alguém estava me observando. Parei a série de socos que estava fazendo e olhei para a porta da cela. Dali, um homem curioso me observava. Seu nome era Channarong. Eu o conhecia de ouvir os outros prisioneiros falarem dele, sempre com respeito. Seu nome, segundo me contaram, significava algo como “lutar para ganhar”, que era justamente para o que eu estava me preparando. Não estava muito claro para mim porque as pessoas o tinham em consideração. Não sabia se era um membro de alguma máfia, um lutador famoso ou o filho de um rico homem de negócios que podia pagar a alguém para que te matassem se o incomodassem. O caso é que ele estava me olhando em silêncio dali não sei há quanto tempo. Comecei a dissimular, esticando os braços e fazendo movimentos estúpidos, tentando imitar o que em minha cabeça seria tai chi. Eu tinha certeza de que seria tarde e que estaria claro para Channarong que eu estava treinando artes marciais. Teria que ser muito idiota para acreditar que o que eu estava fazendo era tai chi.
Me sentia ridículo tentando despistá-lo, assim, parei e fiquei olhando para ele se dizer nada. Channarong fixou seus olhos nos meus e me examinou com atenção. Seu rosto era totalmente inexpressivo. Era impossível saber o que ele estava pensando. Após alguns instantes, que me pareceram horas, deu uns passos e se aproximou de mim. De forma instintiva, deu um passo para trás e ergui os braços em posição defensiva. Estava acostumado com todos que se aproximavam era para me bater, ainda que desta vez eram muitas surras seguida, já que a última tinha sido a menos de uma hora.
Channarong se aproximou até estar a vinte centímetros de mim e me olhou curioso. Levantou sua mão e me encolhi, esperando receber o primeiro golpe, mas em vez disso, o que fez foi pegar o braço e esticá-lo um soco.
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