Javier Salazar Calle

Sumalee


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meu braço e o esticou de novo, desta vez com muito mais força, Obrigando-me a girar sobre minha cadeira para não cair.

      — Mova a cadeira, golpeia a cadeira. Mova a cadeira, golpeia a cadeira. Sabe como chamar esta cela? O Grande Tigre, porque dizem que “caça e come”. Quer ser preza ou caçador?

      Repetiu essa frase como se fosse um mantra, e mais algumas vezes, enquanto eu movia meu braço e me dava palmadas na cintura. Ele estava corrigindo o movimento! Além de não querer me bater, ainda estava me ensinando a golpear de forma correta. Ele soltou meu braço e me animou com um gesto da mão a continuar tentando. Lancei uma nova série de socos, trocando de braços e utilizando a cadeira nos golpes enquanto Channarong ia corrigindo meus movimentos.

      — Décima lição de Muay Thai —disse ele, muito sério, quando demos um tempo: — treinar e exercitar-se de forma regular. Você constante, eu observar. Muito bem. Muay Thai ser guerreiros de oito braços. Punhos, cotovelos, joelhos e pés. Treinar tudo, buscar equilíbrio.

      Assim, ele ficou me vendo treinar sem que me desse conta. Estava claro que eu não escondia isso tão bem quanto acreditava. Um momento! Ele tinha dito décima lição? E as nove anteriores? Não importava. Fiz outra série de socos, concentrando0me em fazer tudo perfeito, tal qual ele tinha me ensinado, pondo toda minha atenção em cada detalhe do movimento, tentando não deixar que a dor no meu corpo influenciasse. Me virei, satisfeito, para ver o que ele achava, mas Channarong já tinha ido embora. Desapareceu da mesma forma que apareceu. Em silêncio e sem aviso. Me deixou todo confuso. Por que tinha me ajudado? Por que se foi sem me dar tempo para agradecê-lo? Não tinha respostas nem a possibilidade de obtê-las naquele momento, como se esperava de alguém prático como eu. Continuei treinando meus socos, usando a cadeira de apoio para golpear com mais força. Tentando superar a dor que me causava cada movimento naqueles lugares golpeados pela surra.

      No dia seguinte procurei Channarong para agradecê-lo, mas não o encontrei. Também não insisti em procurar por todo o complexo, porque, com meus antecedentes, era melhor não me deixar ser visto para evitar problemas. Quando usavam alguém como saco de pancadas, o mais prudente era que não o encontrassem. Continuei treinando meus socos e o resto dos movimentos. Eu ia adorar se ele decidisse ser meu mentor, como o senhor Miyagi, do Karatê Kid, ou como Ángel, o professor de boxe que me ensinou o que era o respeito pelos demais e por si mesmo, mas duvidada muito que esse homem tão querido e a quem eu nunca tinha dirigido a palavra tivesse muito interesse em mim. Por outro lado, ele tinha me ajudado, não? Em todo caso, ninguém costumava me dirigir a palavra. Assim, me sentia grato pelo menos por isso.

      Alguns dias depois, encontrei Channarong na fila do refeitório. Me aproximei para agradecer por seu interesse, mas ele mandou que eu me afastasse dele com rápidos movimentos de mão e um som como o de uma serpente

      — Segunda lição — gritou, enquanto eu me afastava, confuso: — fazer-se útil aos demais.

      Enquanto comia, tentava decifrar o significado dessas palavras. Ele queria que eu ajudasse as pessoas da prisão? Queria que eu pensasse em mim mesmo? Os orientais às vezes gostavam de divagar sobre as coisas. Não era mais fácil dizer logo o que queria? Fazer-se útil aos demais… defender aos demais dos brutamontes em vez de a mim mesmo? Filosofia barata. É tão mais útil dizer as coisas de forma direta. Olhei para Channarong e ele estava apontando para minha mesa, contando algo a seus companheiros, que riam com vontade. Não sabia o que pensar. Eu estava totalmente perdido. Provavelmente só estava rindo de mim, mas então, para que me ajudar?

      Percebi que o grupo que tinha invocado comigo estava entrando no refeitório, assim, levantei, deixei a bandeja no lugar como tudo o que ainda restava para comer e fui embora rápido. Como dizia minha mãe: “Quem evita a ocasião evita o perigo”. Isso, sim, era um conselho útil. E claro.

      Fui para a cela treinar. Não que treinar depois de comer fosse o mais aconselhável, mas era o único de poucos momentos em que costumava não ter ninguém e tinha que aproveitar. Fiz o que eu tinha que fazer. O que era necessário. Comecei minha rotina de treinamento. Alongamentos complexos, flexões, agachamentos… Trabalhando cada parte do corpo de forma independente e junto com as demais. Em seguida, continuei com os golpes no ar: primeiro socos, depois chutes, por último, joelhadas e cotoveladas, como os que via os presos que treinavam no pátio fazerem. Como disse Channarong, o guerreiro dos oito braços. Como ninguém falava comigo por medo de também se tornarem alvo dos que me batiam, eu tinha muito tempo para pensar. Em uma das minhas reflexões diárias, tinha considerado que, além de conseguir a melhor forma física e de tentar melhorar minha técnica e velocidade, deveria também enrijecer meu corpo e acostumá-lo aos golpes. Por isso, acrescentei a minha rotinha uma série de golpes com punhos, cotovelos, canela e dorso da mão na parede, usando pedaços de pano como atadura e começando com menos intensidade. Às vezes, exagerava com os golpes e ficava com alguma parte do corpo inchada por alguns dias, mas considerava isso necessário para ensinar a meu corpo a superar a dor. Quando meu ânimo fraquejava no treinamento, eu só tinha que me lembrar de alguns dos meus inimigos antagônicos da juventude ou de qualquer uma das surras recebidas; de mim no chão, sendo alvo de pontapés e golpes, encolhido como um animal e esperando que tudo acabasse. Então, aumentava o ímpeto dos golpes, o esforço do treinamento, tirando forças da fúria, ânimo do medo, intensidade do desespero.

      Também tinha que aumentar muito minha resistência, por isso, dedicava meu tempo a correr sem parar no pátio; o que meus perseguidores comemoravam com piadas e risadas porque deviam pensar que eu estava treinando para fugir deles. Para mim, ao mesmo tempo, servia como terapia. Nem sempre gostei de correr. Logo que comecei a treinar boxe em Madri, tive que acrescentar rotinas de corrida para ganhar resistência e poder aguentar de pé um combate completo. Era extenuante, mas necessário. No fim, correr meia hora todos os dias se provou um alívio estabelecido para doutrinar meu corpo e mente.

      Logo seria meu momento e a situação mudaria completamente. Logo essas risadas se transformariam e gritos. Gritos de dor. Pelo menos era nisso que eu acreditava. Era isso ou a morte.

      Não havia outra alternativa.

      Finalmente, segunda-feira. Primeiro dia de trabalho. Levantei às seis e meia da manhã, comecei o dia com café, cereais e um copo de suco. Um café da manhã completo. Meus colegas de apartamento me contaram, enquanto isso, que o que eles, e muita gente, costumavam fazer era tomar café da manhã no trabalho, na cafeteria da empresa, onde havia bebidas, frutas, pães e bolos grátis, ou nos estabelecimentos do edifício, se queiram algo diferente. Assim, podiam conversar um pouco com os colegas antes de começar o trabalho. Às vezes tinha gente que tomava de café, principalmente da Ásia, o mesmo que comemos nas outras refeições: macarrão, sopas, legumes refogados… Era muito curioso vê-los comer assim a essa hora da manhã. Me vesti e esperei dez minutos até que os outros estivessem prontos.

      Entre uma coisa e outra, nos atrapalhamos e decidimos pegar um táxi para o trabalho. Por apenas dez dólares cingapurenses, que Josele pagou, em quinze minutos estávamos à porta do nosso edifício, em uma pracinha que havia na entrada, como a dos hotéis onde paravam os carros para se descarregar as malas.

      A área era um complexo de quatro arranha-céus de cor branca com planta octogonal chamado Raffles City Tower. Pelo visto, era um conglomerado com shopping, escritórios, centro de convenções, restaurantes e dois hotéis que ocupavam duas das torres. Cada edifício devia ter quarenta ou quarenta e cinco andares. Impressionante. À direita da entrada onde estávamos havia um bar que se chamava Salt Tapas & Bar, um nome premonitório para os espanhóis, como o da nossa casa. O destino, no qual não acreditava, parecia me dizer que eu estava onde tinha de estar.

      Nossos escritórios ficavam no 36º andar da torre de escritórios Raffles City Tower. A vista devia ser espetacular. Na entrada, como era meu primeiro dia, tiveram que me identificar e criar meu cartão de acesso permanente. Quando me entregaram, subimos de elevador até o escritório. Nosso andar tinha a vista livre, quase sem paredes, salvo pelas salas de reunião. Enquanto me levavam até onde estava aquele que seria meu gerente, cruzei com Teresa e Diego. Nos cumprimentamos rapidamente