Mário de Andrade

Mestres da Poesia - Mário de Andrade


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tivemos uma filha, uma só...

      Batismos do sr. cura Bruma;

      água-benta das garoas monótonas...

      Registei-a no cartório da Consolação...

      Chamei-a Solitude das Plebes...

      Pobres cabelos cortados da nossa monja!

      Domingo

      Missas de chegar tarde, em rendas,

      e dos olhares acrobáticos...

      Tantos telégrafos sem fio! .

      Santa Cecília regorgita de corpos lavados

      e de sacrilégios picturais...

      Mas Jesus Cristo nos desertos,

      mas o sacerdote no "Confiteor"... Contrastar!

      — Futilidade, civilização...

      Hoje quem joga?... O Paulistano.

      Para o Jardim América das rosas e dos ponta-pés!

      Friedenreich fez goal! Corner! Que juiz!

      Gostar de Bianco? Adoro. Qual Bartô...

      E o meu xará maravilhoso!...

      — Futilidade, civilização...

      Mornamente em gasolinas... Trinta e cinco contos!

      Tens dez milréis? Vamos ao corso...

      E filar cigarros a quinzena inteira...

      Ir ao corso é lei. Viste Marília?

      E Filis? Que vestido: pele só!

      Automóveis fechados... Figuras imóveis...

      O bocejo do luxo... Enterro.

      E também as famílias dominicais por atacado,

      entre os convenientes perenemente...

      — Futilidade, civilização.

      Central. Drama de adultério.

      A Bertini arranca os cabelos e morre.

      Fugas... Tiros... Tom Mix!

      Amanhã fita alemã... de beiços...

      As meninas mordem os beiços pensando em fita alemã...

      As romas de Petrônio...

      E o leito virginal... Tudo azul e branco!

      Descansar... Os anjos... Imaculado!

      As meninas sonham masculinidades...

      Futilidade, civilização.

      O domador

      Alturas da Avenida. Bonde 3.

      Asfaltos. Vastos, altos repuxos de poeira

      Sob o arlequinal do céu ouro-rosa-verde...

      As sujidades implexas do urbanismo.

      Filets de manuelino. Calvícies de Pensilvânia.

      Gritos de goticismo.

      Na frente o tram da irrigação,

      Onde um Sol bruxo se dispersa

      Num triunfo persa de esmeraldas, topázios e rubis...

      Lânguidos boticellis a ler Henry Bordeaux

      Nas clausuras sem dragões dos torreões...

      Mário, paga os duzentos réis.

      São cinco no banco: um branco,

      Um noite, um ouro,

      Um cinzento de tísica e Mário...

      Solicitudes! Solicitudes!

      Mas... olhai, oh meus olhos saudosos dos ontens

      Esse espetáculo encantado da Avenida!

      Revivei, oh gaúchos Paulistas ancestremente!

      E oh cavalos de cólera sangüínea!

      Laranja da China, laranja da China, laranja da China!

      Abacate, cambucá e tangerina!

      Guardate! Aos aplausos do esfusiante clown.

      Heróico sucessor da raça heril dos bandeirantes,

      Passa galhardo um filho de imigrante,

      Louramente domando um automóvel!

      Anhangabaú

      Parques do Anhangabaú nos fogaréus da aurora...

      Oh larguezas dos meus itinerários...

      Estátuas de bronze nu correndo eternamente,

      num parado desdém pelas velocidades...

      O carvalho votivo escondido nos orgulhos

      do bicho de mármore parido no Salon...

      Prurido de estesias perfumando em rosais

      o esqueleto trêmulo do morcego...

      Nada de poesia, nada de alegrias!...

      E o contraste boçal do lavrador

      que sem amor afia a foice...

      Estes meus parques do Anhangabaú ou de Paris,

      onde as tuas águas, onde as mágoas dos teus sapos?

      “Meu pai foi rei!

      — Foi. — Não foi. — Foi. — Não foi."

      Onde as tuas bananeiras?

      Onde o teu rio frio encanecido pelos nevoeiros,

      contando histórias aos sacis?...

      Meu querido palimpsesto sem valor!

      Crônica em mau latim

      cobrindo uma écloga que não seja de Virgílio!...

      A caçada

      A bruma neva... Clamor de vitórias e dolos...

      Monte São Bernardo sem cães para os alvíssimos!

      Cataclismos de heroísmos... O vento gela...

      Os cinismos plantando o estandarte;

      enviando para todo o universo

      novas cartas-de-Vaz-Caminha!...

      Os Abéis quase todos muito ruins

      a escalar, em lama, a glória...

      Cospe os fardos!

      Mas sobre a turba adejam os cartazes de Papel e Tinta

      como grandes mariposas de sonho queimando-se na luz...

      E o maxixe do crime puladinho

      na eternização dos três dias... Tripudiares gaios!...

      Roubar... Vencer... Viver os respeitosamente, no cre-

       [púsculo...

      A velhice e a riqueza têm as mesmas cãs.

      A engrenagem trepida... A bruma neva...

      Uma síncope: a sereia da polícia

      que vai prender um bêbedo no Piques...

      Não há mais lugares no boa-vista triangular.

      Formigueiro onde todos se mordem e devoram...

      O vento gela... Fermentação de ódios egoísmos

      para a caninha-do-O' dos progredires...

      Viva virgem vaga desamparada...

      Malfadada! Em breve não será mais virgem

      nem desamparada!

      Terá o amparo de todos os desamparos!

      Tossem: O Diário! A Platea...

      Lívidos