Mário de Andrade

Mestres da Poesia - Mário de Andrade


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e por isso mais ardentes,

      Bandeirantemente!

      Lady Macbeth feita de névoa fina,

      Pura neblina da manhã!

      Mulher que és minha madrasta e minha mãe!

      Trituração ascencional dos meus sentidos!

      Risco de aeroplano entre Mogi e Paris!

      Pura neblina da manhã!

      Gosto dos teus desejos de crime turco

      E das tuas ambições retorcidas como roubos!

      Amo-te de pesadelos taciturnos,

      Materialização da Canaã do meu Poe...

      Never more!

      Emílio de Menezes insultou a memória do meu Poe...

      Oh! Incendiária dos meus aléns sonoros!

      Tu és o meu gato preto!

      Tu me esmagaste nas paredes do meu sonho!

      Este sonho medonho!

      E serás sempre, morrente chama esgalga,

      Meio fidalga, meio barregã,

      As alucinações crucificantes

      De todas as auroras do meu jardim!

      Paisagem nº 3

      Chove?

      Sorri uma garoa cor de cinza,

      Muito triste, como um tristemente longo...

      A casa Kosmos não tem impermeáveis em liquidação...

      Mas neste largo do Arouche

      Posso abrir meu guarda-chuva paradoxal,

      Este lírico plátano de rendas mar...

      Ali em frente... — Mário, põe a máscara!

      — Tens razão, minha Loucura, tens razão.

      O rei de Tule jogou a taça ao mar..

      Os homens passam encharcados...

      Os reflexos dos vultos curtos

      Mancham o petit-pavé...

      As rolas da Normal

      Esvoaçam entre os dedos da garoa...

      (E si pusesse um verso de Crisfal

      No De Profundis?...)

      De repente

      Um raio de Sol arisco

      Risca o chuvisco ao meio.

      Colloque sentimental

      Tenho os pés chagados nos espinhos das calçadas...

      Higienópolis!... As Babilônias dos meus desejos baixos...

      Casas nobres de estilo... Enriqueceres em tragédias...

      Mas a noite é toda um véu-de-noiva ao luar!

      A preamar dos brilhos das mansões...

      O jazz-band da cor... O arco-íris dos perfumes...

      O clamor dos cofres abarrotados de vidas...

      Ombros nus, ombros nus, lábios pesados de adultério...

      E o rouge — cogumelo das podridões...

      Exércitos de casacas eruditamente bem talhadas...

      Sem crimes, sem roubos o carnaval dos títulos...

      Si não fosse o talco adeus sacos de farinha!

      Impiedosamente...

      — Cavalheiro... — Sou conde! — Perdão.

      Sabe que existe um Brás, um Bom Retiro?

      — Apre! respiro... Pensei que era pedido.

      Só conheço Paris!

      — Venha comigo então.

      Esqueça um pouco os braços da vizinha...

      — Percebeu, hein! Dou-lhe gorgeta e cale-se.

      O sultão tem dez mil... Mas eu sou conde!

      — Vê? Estas paragens trevas de silêncio...

      Nada de asas, nada de alegria... A Lua...

      A rua toda nua... As casas sem luzes...

      E a mirra dos martírios inconscientes...

      — Deixe-me por o lenço no nariz.

      Tenho todos os perfumes de Paris!

      — Mas olhe, em baixo das portas, a escorrer...

      — Para os esgotos! Para os esgotos!

      — ... a escorrer,

      Um fio de lágrimas sem nome!...

      Religião

      Deus! creio em Ti! Creio na tua Bíblia!

      Não que a explicasse eu mesmo,

      Porque a recebi das mãos dos que viveram as iluminações!

      Catolicismo! sem pinturas de Calixto!... As humildades...

      No poço das minhas erronias

      vi que reluzia a Lua dos teus perdoares!...

      Rio-me dos Luteros parasitais

      e dos orgulhos soezes que não sabem ser orgulhosos da

       [Verdade;

      e os mações, que são pecados vivos,

      e que nem sabem ser Pecado!

      Ohl minhas culpas e meus tresvarios!

      E as nobilitações dos meus arrependimentos

      chovendo para a fecundação das Palestinas!

      Confessar!...

      Noturno em sangue do Jardim das Oliveiras!...

      Naves de Santa Efigênia,

      os meus joelhos criaram escudos de defesa contra vós!

      Cantai como me arrastei por vós!

      Dizei como me debrucei sobre vós!

      Mas dos longínquos veio o Redentor!

      E no poço sem fundo das minhas erronias

      vi que reluzia a Lua dos seus perdoares!...

      “Santa Maria, mãe de Deus...”

      A minha mãe-da-terra é toda os meus entusiasmos;

      dar-lhe-ia os meus dinheiros e minhas mãos também!

      Santa Maria dos olhos verdes, verdes,

      venho depositar aos vossos pés verdes

      a coroa de luz da minha loucura!

      Alcançai para mim

      a Hospedaria dos Jamais Iluminados!

      Paisagem nº 4

      Os caminhões rodando, as carroças rodando,

      Rápidas as ruas se desenrolando,

      Rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos...

      E o largo coro de ouro das sacas de café!...

      Na confluência o grito inglês da São Paulo Railway...

      Mas as ventaneiras da desilusão! a baixa do café!...

      As quebras, as ameaças, as audácias superfinas!...

      Fogem os fazendeiros para o lar!... Cincinato Braga!...

      Muito