e dedicação da jovem. Também esperara admirar o irmão e gostar dele. Daniele, como Pietro, era famoso em todo o mundo, mas a sua fama devia-se à empresa de construção e às obras de arquitetura.
No entanto, não gostara dele nem o admirara. Embora fosse famoso pelo seu bom humor e pela sua inteligência aguda, parecera-lhe arrogante. Vira a insatisfação no seu rosto quando fora buscá-la ao acampamento. Aceitara sair nessa noite com ele porque lhe assegurara que só queria que lhe explicasse que tipo de hospital devia construir. Levara-a de avioneta ao seu hotel exclusivo de sete estrelas na ilha paradisíaca e vizinha de Aguadilla, passara cinco minutos a fazer-lhe perguntas pertinentes e passara o resto da noite a beber muito, a fazer perguntas impertinentes e a seduzi-la descaradamente.
Podia dizer que a única coisa que o salvava era o seu físico e a dimensão da sua conta bancária, mas como não se importava com o dinheiro e era imune aos homens, não havia nada que o salvasse.
A cara que fizera quando ela rejeitara friamente o seu convite para que fosse para a suíte para beber um copo não tivera preço. Ficara com a sensação de que Daniele Pellegrini não estava habituado a ouvir a palavra «não».
Ordenara ao motorista que a levasse ao aeródromo e nem sequer se despedira dela. Aquela fora a última vez que o vira até que entrara na tenda médica, há dez minutos, e o encontrara à espera dela. Pareceu-lhe evidente, assim que olhou para ele, que alguém lhe dera um murro na cara. Questionou-se quem fora e se seria possível encontrá-lo para lhe oferecer uma bebida.
– Não sou enfermeira – indicara ela, quando lhe dissera que precisava de ajuda.
Ele encolhera os ombros largos, mas não sorrira como ela recordava quando… tinham saído da primeira vez.
– Preciso que pares a hemorragia. Tenho a certeza de que viste os outros a fazê-lo vezes suficientes para saber mais ou menos o que tens de fazer.
Sabia bastante bem. Tinham-na contratado, sobretudo, como coordenadora e tradutora, mas ela, como a maioria do pessoal que não era médico, ajudara a equipa médica quando fora preciso. No entanto, isso não significava que se sentisse bem a tratar de um nariz e muito menos quando era de um multimilionário arrogante que usava um fato que, certamente, custaria mais do que o que o habitante médio de Caballeros, que tinha a sorte de ter um emprego, ganhava num ano.
– Vou chamar uma das enfermeiras ou…
– Não – interrompera ele. – Estão muito ocupadas. Trata da hemorragia e vou-me embora.
Quase alegara que também estava muito ocupada, mas não o fizera ao perceber algo no seu comportamento. Nesse momento, quando estava a pôr-lhe o segundo penso, pareceu-lhe que ele estava furioso e compadeceu-se de quem fosse o objetivo da sua explosão.
Pegou no terceiro e último penso e não pôde evitar reparar em como o seu cabelo brilhava. Se não soubesse que era característica familiar, que brilhava como o cabelo dos outros integrantes da família que ela conhecia, pensaria que viajava para todos os lados com um cabeleireiro e um estilista particular.
Quando se sentia compreensiva, conseguia entender que o acampamento o incomodasse. Daniele vivia rodeado de luxo. Lá, só havia uma sujidade e uma miséria que não desapareciam, por muito que todos fizessem para o limpar. À frente dele, apercebeu-se de que as suas calças de ganga e a t-shirt estavam imundas e que o cabelo estava despenteado.
Quem se importava com o seu aspeto? Aquilo era um acampamento de acolhimento e estavam todos prontos para fazer o que fosse preciso. Vestir-se segundo a moda seria completamente inadequado e incómodo. Era aquele homem odioso que fazia com que se sentisse suja e inferior.
– Não te mexas – recordou-lhe, quando começou a mexer o pé outra vez. – Já estou quase a acabar. Vou limpar-te e poderás ir-te embora. Tens de deixar os pensos durante uma semana e lembra-te de não os molhar.
Pegou num toalhete e limpou as gotas de sangue que tinham caído depois de lhe limpar o nariz e as faces. Então, uma onda do seu cheiro apoderou-se dela. Esqueceu-se de suster a respiração.
Talvez fosse o cheiro mais maravilhoso que sentira, fazia com que pensasse em bosques frondosos e em fruta madura. Se alguém lhe tivesse falado de uma reação e de uns pensamentos tão românticos, ter-se-ia rido.
Como era possível que um homem tão odioso e arrogante fosse tão bonito? Tinha mais talento no dedo mindinho do que ela podia aspirar a ter em toda a sua vida.
Além disso, tinha uns olhos impressionantes, de uma cor castanha esverdeada, uns olhos que estavam fixos nela… e ficou presa pelo seu olhar até pestanejar, empurrar o banco para trás e se levantar com um salto.
– Vou procurar um pouco de gelo para o olho – murmurou ela, disfarçando o nervosismo.
– Não é preciso – replicou ele. – Não desperdices as tuas provisões comigo. – Daniele tirou a carteira do bolso interior do casaco e deu-lhe algumas notas. – Isto é para que reponhas o material médico que usaste comigo.
Então, saiu da tenda sem se despedir ou agradecer. Eva, que ainda sentia o formigueiro na pele, olhou para as notas e viu que eram dez de cem dólares.
– Tem de haver alguma alternativa. – Daniele serviu-se de outro copo de vinho tinto com os nós dos dedos brancos por causa da força com que agarrava a garrafa. – Podes herdar o património.
A irmã Francesca abanou a cabeça.
– Não posso e sabes. Sou do sexo errado.
– E eu não posso casar-me.
O casamento não era para ele. Passara a vida a evitá-lo, a evitar qualquer forma de compromisso.
– Ou te casas e te encarregas do património ou passará para o Matteo.
Daniele, ao ouvir o nome do seu primo traiçoeiro, perdeu o pouco domínio sobre si próprio que lhe restava e atirou o copo contra a parede.
Francesca levantou uma mão para conter Felipe, o noivo e ex-soldado das Forças Especiais.
– É o seguinte depois de ti – continuou Francesca. – Se não te casares e aceitares a herança, passará para o Matteo.
Respirou fundo para se acalmar. O líquido vermelho que jorrava pela parede era tão escuro como o sangue que lhe caíra do nariz depois de a raiva se apoderar dele e de se precipitar sobre Matteo. Tinham trocado alguns murros que teriam sido piores se Felipe não tivesse intervindo. Depois, sentia essa raiva como um ser vivo.
Matteo traíra todos.
– Tem de haver alguma via legal para nos esquivarmos a essa condição. É arcaica.
O vinho, levado pela lei da gravidade, estava a chegar ao chão. Teria de pintar a divisão antes de ter uns inquilinos novos, pensou Daniele, distraidamente. Aquele apartamento de Pisa era dele, mas a irmã vivera lá durante seis anos. No entanto, ia casar-se e viver em Roma e, a não ser que lhe ocorresse alguma alternativa, ele também se veria obrigado a casar-se.
– Efetivamente – concedeu Francesca –, todos sabemos. O Pietro estava a tentar anulá-la, mas não é tão fácil como tínhamos esperado. Demorarias meses, talvez anos, a anular essa cláusula e, enquanto isso, o Matteo poderia casar-se com a Natasha e ficar com a herança.
A maldita herança, o património familiar, entre outras coisas, um castelo de seiscentos anos e centenas de hectares de vinhedos que tinham pertencido à família Pellegrini desde que o príncipe Carlos Filiberto, o primeiro príncipe e ovelha negra da família, pusera a primeira pedra. A família renunciara aos títulos há décadas, mas o castelo continuava a ser a joia da coroa. Para conservar o património intacto, a herança ia para o mais velho dos descendentes masculinos. Isso não fora suficiente para o príncipe Emmanuel II, um príncipe especialmente desumano e louco do século XIX que suspeitava que o filho mais velho era homossexual. Por isso, introduzira a cláusula, ainda em vigor, de que o filho mais velho só poderia herdar se estivesse casado. Além disso, o príncipe Emmanuel devia ter sabido como os costumes