naquela catedral imensa e fria e presenciara em silêncio a dor evidente de Sergio enquanto se questionava se a mãe seria culpada, indiretamente, da morte do pai dele. Dolores enervara Alberto Morelli durante os oito anos que o seu casamento desgraçado durara.
No entanto, ele não mostrara essa infelicidade quando estava com ela. Sempre fora muito bom com ela, como Sergio, que fora como um irmão mais velho maravilhoso que estava sempre disposto a ouvi-la a cantar e a vê-la dançar. Se olhasse para trás, percebia que fora incrivelmente paciente com ela, uma virtude que não costumava associar-se com rapazes adolescentes. Sergio só tinha quinze anos quando o pai se casara com a mãe dela e ela era uma menina bastante tola e muito precoce de dez anos. Era um menino reservado, mas muito inteligente e espantosamente dotado no desporto. Costumavam jogar basquetebol no jardim quando ele queria descansar um pouco dos estudos.
Sentira muitas saudades quando o tinham mandado para a universidade em Roma porque o pai não queria que esquecesse as raízes italianas. Ela tinha treze anos e era muito magra. Era a única rapariga da turma que não chegara à puberdade. Depois, só vira Sergio três vezes por ano: Na Páscoa e no Natal, quando voltava a Sidney para passar uns dias, e durante duas semanas em julho, quando toda a família passava o verão na villa familiar do lago de Como.
Aquelas férias tinham-na entusiasmado! Ambos se divertiam, tomavam banhos e remavam, mas, em geral, só vagueavam.
Embora se lembrasse de que, da última vez, Sergio passara quase todo o tempo no seu quarto para se preparar para os exames finais. No ano seguinte, os pais já se tinham separado, Sergio já fora para Oxford para continuar a estudar e ela já estava a caminho da Broadway e do estrelato. A sua relação, que lhe parecera estreita, deixara de existir de repente. Sentira falta do irmão mais velho, mas depressa se encontrara perdida na sua profissão. No fim, olhos que não veem, coração que não sente.
Os seus caminhos só se encontraram uma vez, na festa posterior a um concerto de beneficência em Londres. Não o reconhecera ao princípio. Estava impressionante, já não era um rapaz desajeitado, mas os seus olhos continuavam a ser os mesmos. Era difícil esquecer uns olhos como aqueles, tão escuros e bonitos. Sentira-se desassossegada pela dureza do seu olhar e não demorara a perceber que continuava zangado com a mãe dela. Supôs que com ela também. A sua cortesia era gélida.
No entanto, os seus olhos não tinham nada de gélidos no funeral do pai, só refletiam tristeza e amabilidade, algo que ela já achava que não merecia. Felizmente, pusera uns óculos escuros porque derramara lágrimas de infelicidade e remorso. Sabia que devia ter entrado em contacto com o pai e com ele depois do divórcio, que devia ter mostrado arrependimento, gratidão e decência. No entanto, encontrava-se cativada pelo salto repentino para a fama, por estar prestes a satisfazer a ambição fanática da mãe… e dela própria. Poderia desculpar-se dizendo que só tinha dezoito anos, mas isso não era uma desculpa.
Sentira-se espantada quando Sergio lhe escrevera o seu número de telemóvel privado num cartão de visita e lhe dissera para lhe ligar se alguma vez precisasse de alguma coisa. A generosidade inesperada quase fizera com que perdesse o pouco de domínio sobre si própria que lhe restava e, quando uma ruiva muito atraente se aproximara e o agarrara pelo braço, guardara o cartão na mala, despedira-se apressadamente e fora-se embora antes de começar a chorar ruidosamente à frente de todos.
Nesse momento, as lágrimas ameaçavam aparecer outra vez. Eram lágrimas de desespero e tristeza. Na noite anterior, não dormira bem. Há séculos que não dormia bem. Não podia continuar assim. Tinha de se afastar de todas essas pessoas que ela sabia, no fundo, que não queriam o melhor para ela, que só queriam o que podiam tirar dela e que era por isso que a pressionavam para que aceitasse mais trabalho. Reunira uma lista muito comprida de parasitas durante os últimos anos. Nesse momento, tinha um representante, um agente em Hollywood, uma secretária pessoal, uma publicitária e uma estilista. Além disso, naturalmente, a mãe estava sempre presente.
Todos queriam a sua parte, todos queriam uma parte dela.
Não tinha tempo para si, não tinha tempo para a sua vida pessoal, só tinha tempo para trabalhar.
Ultimamente, começara a sentir-se como se estivesse numa montanha russa que nunca parava. Nunca parava e tinha de parar. Tinha de parar nesse momento! Tinha de parar de ser uma covarde e tinha de ligar a Sergio.
Endireitou-se, não fez caso ao coração acelerado, agarrou no telefone e voltou a marcar o número.
Sergio estava na mesa com a melhor vista do rio, a beber um gole de uísque com gelo e a fazer tudo o que podia para relaxar quando o telemóvel tocou.
O coração acelerou enquanto olhava para o ecrã. Uma onda de alívio embargou-o quando viu que não era Alex para lhe dizer que iam atrasar-se um pouco mais. Era uma chamada anónima e isso queria dizer que Bella estava a ligar-lhe outra vez, graças a Deus. Receara não conseguir dormir se não ligasse e fazer algo absurdo, como contratar um detetive privado para que descobrisse o seu número de telefone, a morada ou alguma forma de entrar em contacto com ela.
Teria sido penoso e tinha de recuperar o domínio sobre si próprio.
No entanto, já não importava. Agarrou o telemóvel com força e levou-o à orelha, mas a sua voz era tranquila quando falou.
– Olá, Bella.
– Ena! Como soubeste que era eu?
– Porque é uma chamada anónima e és única que o faz.
– Ah…
– O que se passou antes? Porque desligaste?
– Lamento muito, mas a minha mãe apareceu de repente e não queria que soubesse que estava a ligar-te.
– A tua mãe vive contigo? – perguntou Sergio.
– Não! Vivo sozinha em Nova Iorque, mas vim há uns dias para Sidney para passar umas férias. Sou uma parva. Liguei-te em mau momento? Não podes falar? Onde estás? Ouço barulho de fundo…
Um grupo de homens bastante barulhento passara ao lado da sua mesa.
– Estou num restaurante e estou à espera que cheguem uns amigos, mas atrasaram-se. O trânsito de Londres não favorece a pontualidade.
– O de Nova Iorque também não. Então, continuas a viver em Londres?
– Comprei um apartamento cá.
Sergio começou a questionar-se onde ela queria chegar e a perceber que fora ridículo por se ter preocupado, mas era típico dele quando se tratava de Bella. As suas reações eram desmesuradas e careciam de lógica.
– Como posso ajudar, Bella? – perguntou Sergio.
– Questionava-me se… Ainda tens a villa do lago de Como? Não a vendeste depois de o teu pai falecer, pois não?
– Não, nunca venderia a villa. Está há gerações na família Morelli. Porque perguntas?
– Eu… Preciso de desligar, Sergio, em algum lugar aprazível e isolado. Esperava arrendar-ta durante algumas semanas, talvez durante um mês.
– Entendo.
Custou-lhe dominar a irritação. Se queria arrendar uma maldita villa no lago de Como, havia muitas no mercado. Porque lhe pedia a dele? Por um lado, quis mandá-la para o inferno, mas, por outro, pelo lado que ainda a desejava, não conseguia resistir à possibilidade de voltar a vê-la em carne e osso, nessa carne impressionante…
– Para quando a quererias? – perguntou ele, com despreocupação.
– Já – respondeu ela. – Pelo menos, assim que conseguir chegar. Como já te disse, estou em Sidney.
Em casa da mãe, pensou ele, com raiva, nessa casa que o pai dera generosamente à caça-fortunas como parte do acordo de divórcio.
– Então, suponho que a Dolores não te acompanhe.
– Não! Quero ir sozinha.
Isso