Barbara Cartland

Terra em Fogo


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voltou para casa à tarde, corada de excitação.

      — Ouviram as notícias?— perguntou, ofegante.

      — Que notícias?

      — O General Bolívar está a caminho. Vem para Quito! Vai haver uma grande receção! Um baile na mansão Larrea, e todos nós fomos convidados. Até mesmo você, Lucilla!

      O que Catherine havia dito foi repetido e repetido, até Lucilla não agüentar mais ouvir o nome de Bolívar.

      A cidade inteira estava decidida a celebrar a vitória dele e a liberdade do povo. Aquelas pessoas geralmente calmas e pacatas ficaram excitadíssimas.

      Durante todo o dia, soldados marcharam pelas ruas e nos campos, treinando.

      Alguns se sentavam à porta das casas, limpando seus mosquetes, ou vagavam à procura de cantinas que vendiam cerveja de cereal fermentado, que deixava no ar um cheiro forte e adocicado.

      Havia. soldados por toda parte. Por ordem do comandante, todas as casas estavam sendo pintadas, para celebrar a libertação.

      Para Lucilla, era o mesmo que ver um artista derrubar uma paleta, à medida que casas de adobe de um andar começavam a adquirir uma aparência diferente, pintadas de cor-de-rosa, azul, verde ou vermelho, por índios tagarelas que espalhavam tinta nas paredes com um descuido que indicava sua excitação.

      A cidade inteira começou a vibrar, enquanto alguns prisioneiros ainda eram levados até o mar.

      Cansados e com olhar vidrado, lá iam eles, escoltados por guardas que carregavam bandeiras da República de Gran Colômbia.

      Os homens capturados não tinham traços espanhóis, conforme Lucilla notou. Tinham rosto redondo, cor de cobre, e os olhos puxados dos índios.

      Também os guardas tinham traços índios. Usavam uniformes rasgados, verdes, com enfeites dourados. Andavam descalços, com os pés enfiados em estribos de cobre, com formato de sapatos, tendo nos calcanhares enormes esporas com rosetas.

      Parecia tudo muito estranho. Embora estivesse satisfeita por saber que a guerra tinha acabado e que os libertadores venceram, Lucilla não podia deixar de imaginar quantos dos prisioneiros chegariam até o mar, quantos morreríam no caminho.

      Quito não estava mais preocupada com prisioneiros, e sim se preparando para receber o homem que todos já começavam a adorar como um deus. A população era um estranho conglomerado de trinta mil pessoas, das quais, antes da revolução, apenas seis mil eram de puro sangue espanhol.

      Os mestiços, os cholos, compunham mais de um terço; eram os barbeiros, os comerciantes, os artesãos, os amanuenses, os entalhadores. Tinham sido o forte da revolução, contribuindo muito para a vitória.

      Os índios formavam o grosso da população. Trajando calças de algodão até os joelhos e ponchos de lã, eram os fazendeiros, os trabalhadores que faziam com que as rodas da cidade girassem, embora não lhes fosse atribuído esse mérito.

      Mas agora todos, com exceção dos espanhóis que estavam em esconderijos, eram movidos por um único pensamento, uma só ambição: dar as boas-vindas ao homem que modificara a aparência da América do Sul: Simón Bolívar.

      — Não está excitado com a idéia de ir conhecê-lo?— perguntou Catherine ao pai, dois dias antes da chegada de Bolívar.

      — Acho que ele vai gostar de me conhecer— respondeu Sir John.

      Lucilla olhou vivamente para o pai.

      —Pretende vender suas armas a eles?

      —Estou disposto a vender a quem me pagar.

      Lucilla ficou imaginando se o General Bolívar poderia fazer isso. Tinha ouvido contar que ele havia gastado sua imensa fortuna em guerras. Os homens de seu exército não receberam nem a metade do que lhes havia sido prometido e estavam com falta de armas.

      Se fosse verdade, era ainda mais incrível que tivessem derrotado os espanhóis, que possuíam recursos ilimitados.

      Lucilla sabia que, quando se tratava de negócios, o pai não era nada sentimental. Para dizer a verdade, nada havia de generoso nele. Fizera sua fortuna com o lema “pagamento à vista”.

      De repente, ela teve receio de que Bolívar não estivesse em condições de fazer negócio com ir John. Então, para quem iriam as armas? Talvez, para os espanhóis.

      Estes ainda não estavam derrotados. Corriam boatos de que os exércitos realistas procuravam se reunir no alto dos Andes. E, em Lima, dizia-se que os espanhóis estavam trazendo recursos do Panamá.

      Lucilla não contou nada disso ao pai. Apenas escutava, e havia muito que escutar em Quito, naqueles dias.

      Na tarde seguinte, apesar de seu propósito de não voltar à sala dos retratos, ela voltou.

      Durante a noite, tinha dito a si mesma que o que sentia pelo retrato de Don Carlos de Olaneta era ridículo. Ele não era diferente dos outros.

      Eram todos orgulhosos, autocratas, cruéis; não tinham o direito de ficar naquele país e deviam voltar para sua terra, a Espanha.

      Mas, quando se viu de novo diante do retrato, houve a mesma magia, a mesma sensação de ser atraída por ele.

      Gostaria de compreender a razão. No rosto de Olaneta, nada havia de bom, nem de suave. Era bonito, mas havia dureza nos olhos e na linha firme do queixo. Era o rosto de um homem implacável e, talvez, ambicioso.

      Mesmo assim, Lucilla tinha a impressão de que não revelava tudo. Alguma coisa estava oculta, controlada... Mas o quê? E por que motivo isso a preocupava?

      Com ar resoluto, saiu da sala, fechando a porta.

      Tinha toda a tarde livre. Os criados tinham-se adaptado à rotina determinada por ela. As criadinhas cuidavam bem das roupas de Catherine; a própria Catherine estava adorando cada momento de sua visita a Quito.

      Quase todos os dias, havia festas em casa de senhoras que a tinham acolhido muito bem, por causa da posição de Sir John e também porque Catherine era uma novidade, uma estrangeira e, portanto, uma atração.

      Todos os homens, como era de se esperar, a achavam encantadora.

      Chegavam ramos de flores todos os dias para ela, e Catherine já estava achando difícil manifestar preferência por um, com medo de ofender outro.

      — Estou fazendo sucesso!— disse ela a Lucilla, quando se vestia para o jantar, na véspera.

      —Papai teve razão de me trazer. Afinal, no meio de todas essas mulheres morenas, eu brilho como uma estrela.

      Estava de fato muito bonita, usando um dos vestidos elaborados que tinha comprado em Londres, com um xale diáfano, azul, da cor de seus olhos.

      Dirigiu-se, em companhia do pai, para o jantar que ia ser dado em sua homenagem. Pelo menos, foi o que disse a Lucilla.

      Ninguém pareceu estranhar que a irmã não tivesse sido convidada.

      Se é que o fora, nem Catherine nem Sir John se deram ao trabalho de lhe transmitir o convite. Na realidade, Lucilla não tinha vontade de ir, a não ser pelo fato de desejar conhecer o pessoal de Quito. Achou que seria excitante saber o que pensavam as pessoas desse lugar tão distante da Inglaterra, mas que era um dos mais belos que conhecia.

      Como que atraída por essa beleza, ela se dirigiu para o jardim, nos fundos da casa.

      Havia ali uma orgia de cores, as plantas crescendo de um modo luxuriante, devido ao sol tropical.

      Qualquer coisa naquela desordem fez com que se lembrasse de que ainda não contratara um jardineiro. Isso lhe tinha escapado, porque havia muita coisa a organizar na casa. Soube por Josefina, a criada mais velha e na qual mais confiava, que o último jardineiro tinha sido forçado pelos espanhóis a ir para o exército e, ou havia sido feito prisioneiro, ou morrera.

      «Amanhã preciso arranjar