Daniel Silva

A Ordem


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azul repousava correspondia a um hotel chamado, apropriadamente, Piccolo. Precisamente em frente, no outro lado da rua, havia um restaurante, onde Gabriel almoçou como se fosse um homem para quem o tempo não interessava. Donati, com o telefone novamente montado e operacional, comeu na Via Santa Reparata, e Chiara ao virar da esquina, na Villa della Ruote.

      Gabriel e Chiara tinham, cada um no seu telemóvel, uma cópia da fotografia oficial de Janson na Guarda Suíça. Mostrava um jovem sério, de cabelo curto, pequenos olhos escuros e rosto angular. De confiança, pensou Gabriel, mas de forma nenhuma um santo. A ficha de Janson indicava que tinha um metro e oitenta e dois de altura e um peso de setenta e cinco quilos.

      Às três e um quarto, não havia qualquer sinal dele. Chiara mudou-se para o restaurante em frente do Hotel Piccolo, Donati para a Villa della Ruote. Na Via Santa Reparata, Gabriel passou grande parte do tempo a fitar o telefone, exortando a luz azul intermitente a que se movesse. Às cinco horas, doze horas após a sua descoberta inicial, a posição mantinha-se inalterada. Desalentado, Gabriel evocou uma imagem de um smartphone sem ligação à corrente a esgotar-se lentamente num quarto abandonado, repleto de embalagens vazias de takeaway.

      Uma mensagem de Chiara animou-lhe o espírito. Já engordei sete quilos. Se calhar, devíamos simplesmente ligar para o número.

      E se ele esteve envolvido?

      Pensei que tinhas dito que ainda não estávamos nesse ponto.

      Não estamos. Mas estamos mais perto a cada minuto que passa.

      Às cinco e meia, mudaram de posições pela segunda vez. Gabriel foi para um restaurante na Villa della Ruote. Instalou-se numa mesa na rua e, sem apetite, mordiscou um prato de spaghetti pomodoro.

      — Se não estiver ao seu gosto — disse o empregado de mesa —, posso trazer-lhe outra coisa.

      Gabriel pediu um café duplo, o seu quinto da tarde, e, com uma mão ligeiramente trémula, agarrou no telemóvel. Tinha outra mensagem de Chiara.

      Dez quilos. Estou a implorar-te, por favor, liga-lhe.

      Gabriel sentiu-se seriamente tentado a fazê-lo. Em vez disso, observou os turistas que se arrastavam para os seus hotéis, depois de um longo dia a experimentarem as delícias de Florença. Havia quatro hotéis ao longo da rua. Aquele que se chamava, desadequadamente, Grand Hotel Medici ficava ao lado do restaurante, diretamente no ângulo de visão de Gabriel.

      Consultou as horas no telemóvel. Eram seis e um quarto. Depois, verificou a posição da luz, no mapa de geolocalização, e detetou o que parecia ser um ligeiro indício de movimento. Trinta segundos adicionais de observação rigorosa confirmaram a sua suspeita. A luz estava, definitivamente, a mover-se.

      Devido à margem de erro de quarenta metros, Gabriel informou rapidamente Chiara e Donati do que descobrira. Donati respondeu que não havia sinal de Janson na Via San Gallo e, alguns segundos depois, Chiara relatou o mesmo a partir do seu posto avançado na Via Santa Reparata. Gabriel não respondeu a nenhuma das mensagens, pois estava a escrutinar o homem que acabara de sair do Grand Hotel Medici.

      Vinte e muitos anos, cabelo curto, cerca de um metro e oitenta, talvez uns setenta e sete quilos. Percorreu rapidamente a rua com o olhar, em ambas as direções, e, depois, dirigiu-se para a direita, passando pelo restaurante. Gabriel pousou duas notas novas na mesa, contou lentamente até dez e levantou-se. De confiança, estava a pensar. Mas de forma nenhuma um santo.

      13

      FLORENÇA

      Chiara e Donati aguardavam na Via Ricasoli, imersos na correnteza de visitantes que saía da Galleria dell’Accademia. Sem qualquer aviso, ela lançou os braços em redor do pescoço de Donati e puxou-o para si.

      — Isto é mesmo necessário?

      — Não queremos que ele veja o teu rosto. Pelo menos, para já.

      Deu um abraço apertado a Donati, enquanto Niklaus Janson furava entre a multidão e passava por eles sem um olhar de relance. Gabriel surgiu na rua passado um momento.

      — Há alguma coisa que vocês os dois queiram dizer-me?

      Donati libertou-se e endireitou cuidadosamente o casaco.

      — Ligo-lhe agora?

      — Primeiro, seguimo-lo. Depois, ligamos.

      — Porquê esperar?

      — Porque precisamos de saber se mais alguém está a segui-lo.

      — O que é que acontece se vires alguém?

      — Esperemos não chegar a isso.

      Gabriel e Donati começaram a caminhar ao longo da rua, seguidos por Chiara. Diante deles, estava o Campanile di Giotto. Janson diluiu-se no mar de turistas na Piazza del Duomo e desapareceu de vista. Quando Gabriel finalmente voltou a localizá-lo, o guarda suíço estava debruçado sobre o batistério octagonal, com o telemóvel na mão direita. Passado um momento, o seu polegar começou a premir o ecrã.

      — O que é que achas que ele está a fazer? — perguntou Donati.

      — Parece que está a enviar uma mensagem.

      — A quem?

      — Boa pergunta.

      Jason enfiou o telemóvel no bolso de trás das calças de ganga e, girando lentamente sobre si próprio, percorreu a movimentada praça com o olhar. O seu olhar passou diretamente por Gabriel e Donati. O seu rosto não demonstrou qualquer sinal de reconhecimento.

      — Está à procura de alguém — disse Donati.

      — Talvez da pessoa que acabou de lhe enviar a mensagem.

      — Ou?

      — Pode estar com medo de que alguém esteja a segui-lo.

      — Alguém está a segui-lo.

      Finalmente, Janson abandonou a piazza e começou a caminhar ao longo de uma rua comercial chamada Via Martelli. Desta vez, foi Chiara que seguiu no seu encalço. Depois de cerca de cem metros, virou para uma viela estreita. Esta conduziu-o a mais uma praça com uma igreja, a Piazza di San Lorenzo. A fachada inacabada da basílica debruçava-se sobre o flanco oriental. Era cor de arenito e parecia uma gigantesca parede de tijolos por rebocar. Depois de consultar brevemente o telemóvel, Janson subiu os cinco degraus e entrou.

      No flanco ocidental da piazza, havia uma fileira de vendedores de roupa que atendiam turistas e, a norte, uma gelateria. Chiara e Donati juntaram-se à fila no balcão. Gabriel atravessou a praça e entrou na basílica. Janson estava de pé, diante do túmulo de Cosimo de Medici, com os polegares em movimento sobre o ecrã do telemóvel, aparentemente alheio à inglesa de rosto corado que se dirigia a um grupo de turistas como se eles tivessem problemas de audição.

      O guarda suíço enviou uma última mensagem e saiu para a praça, onde se deteve novamente para investigar a zona circundante. Estava claramente à espera de alguém. A pessoa a quem enviava essas mensagens, calculou Gabriel. A pessoas que o conduzira, primeiro, à Piazza del Duomo e, depois, à Basilica di San Lorenzo.

      O olhar de Janson pousou brevemente em Gabriel. Depois, deixou a praça pela Borgo San Lorenzo. Aparentemente, ninguém que se encontrava na praça ou nas lojas o seguiu.

      Gabriel caminhou até à gelateria, onde Donati e Chiara se equilibravam sobre bancos altos junto a uma mesa de zinco. Não tinham tocado nos seus gelados.

      — Já podemos estabelecer contacto com ele? — perguntou Donati.

      — Ainda não.

      — Porque não?

      — Porque eles estão aqui, Vossa Excelência.

      — Quem?

      Sem responder, Gabriel deu meia-volta e partiu atrás de Janson. Passado um momento, Chiara e Donati deitaram o seu gelato intacto num caixote do lixo e partiram atrás de Gabriel.