— titubeou.
— Uma mãe de duas crianças que engordou três quilos e meio?
— Pensei que tinhas dito dois.
— Acabei de me pesar na balança da casa de banho. — Gesticulou na direção da porta da casa de banho. — É toda tua.
Gabriel tomou um duche e vestiu-se rapidamente. Desceram as escadas e entraram para a parte de trás de um carro da embaixada que os aguardava. Enquanto aceleravam pela Via Venetto, o telefone vibrou com uma mensagem da Avenida Rei Saul.
— O que é?
— A unidade acabou de furar a barreira exterior da rede informática da Guarda Suíça. Estão a pesquisar a base de dados em busca do dossiê pessoal e do contacto do Janson.
— E se eles já o tiverem apagado?
— Quem?
— Os mesmos homens que assassinaram o papa, claro.
— Ainda não estamos nesse ponto, Chiara.
— Ainda não — concordou ela. — Mas estaremos em breve.
10
CASA SANTA MARTA
Em circunstâncias normais, não havia guardas suíços a vigiar o exterior da Casa Santa Marta. No entanto, às oito e um quarto dessa mesma noite, havia dois. A hospedaria clerical estava agora ocupada por várias dezenas de príncipes da Igreja, a maioria vinda dos recantos mais longínquos do reino. Na véspera do conclave, os restantes cardeais eleitores juntar-se-iam a eles. Depois disso, ninguém, exceto as funcionárias da Casa Santa Marta (freiras das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo), seria autorizado a entrar. Por agora, só alguns eleitos, incluindo o bispo Hans Richter, superior-geral da Ordem de Santa Helena, tinham liberdade para entrar e sair conforme desejassem. Com o cardeal Domenico Albanese a controlar firmemente a maquinaria da cidade-estado, o longo exílio do bispo Richter finalmente terminara.
Um dos guardas suíços segurou a porta de vidro aberta e Richter, com a mão direita erguida em sinal de bênção, entrou. O resplandecente átrio branco ecoava com um estrépito multilingue. Os 225 membros do Colégio Cardinalício tinham passado a tarde a discutir o futuro da Igreja. Agora, estavam a partilhar um vinho branco com acepipes no átrio, antes de se sentarem para jantar na singela sala de refeições da Casa Santa Marta. A Constituição Apostólica ditava que apenas 116 cardeais com menos de oitenta anos poderiam participar no conclave. Os cardeais eméritos mais idosos davam a conhecer as suas preferências durante reuniões informais como aquela, que era onde as verdadeiras negociações pré-conclave tinham lugar.
Richter reconheceu discretamente as saudações de dois célebres tradicionalistas e suportou o olhar gélido do cardeal Kevin Brady, o leão liberal de Los Angeles, que via um papa cada vez que se olhava ao espelho. Brady estava a conspirar com o minúsculo Duarte de Manila, a grande esperança dos países em vias de desenvolvimento. O cardeal Navarro transbordava de confiança, como se o papado já fosse seu. Era evidente que Gaubert, conivente com Villiers de Lyon, não se daria por vencido sem lutar.
Só o bispo Hans Richter sabia que nenhum deles tinha a mínima hipótese. O próximo papa estava, naquele momento, de pé, junto ao balcão da receção. Era uma figura de segundo plano, numa sala repleta de egos elevados e ambição ilimitada. Recebera o seu chapéu vermelho das mãos de nada mais nada menos do que Pietro Lucchesi, que fora levado a acreditar, ilusoriamente, que era um moderado, algo que, definitivamente, não era. Cinquenta milhões de euros, depositados discretamente em contas bancárias em todo o mundo, incluindo doze no Banco do Vaticano, tinham praticamente garantido a sua eleição pelo conclave. A obtenção da vasta soma de dinheiro necessária para comprar o papado fora a parte mais fácil da operação. Ao contrário do resto da Igreja, à beira do colapso financeiro, a Ordem de Santa Helena estava a nadar em dinheiro.
O cardeal Domenico Albanese estava a sussurrar algo ao ouvido de Angelo Francona, o reitor do Colégio Cardinalício. Ao avistar Richter, acenou-lhe com uma mão volumosa e peluda.
— Fiz alguma coisa que ofendesse alguém? — perguntou Richter, num italiano curial impecável.
— A sua simples existência ofende, Vossa Excelência. — Albanese agarrou Richter pelo braço. — Talvez devêssemos conversar no meu quarto.
— Não me diga que se mudou realmente para aqui.
Albanese fez um trejeito. Como prefetto do Arquivo Secreto, tinha direito a um apartamento luxuoso por cima da Galeria Lapidária dos Museus do Vaticano.
— Estou apenas a usar o meu quarto aqui como escritório, até ao início do conclave.
— Com um pouco de sorte — disse Richter em voz baixa —, não terá de ficar aqui muito tempo.
— A comunicação social está a prever um combate titânico entre os reformadores e os reacionários.
— Não me diga?
— O consenso geral parece ser sete votos.
Uma freira, vestida com um hábito azul, ofereceu um copo de vinho a Richter. Recusando, Richter seguiu Albanese até aos elevadores. Quase conseguia sentir os olhos da sala a perfurarem-lhe as costas, enquanto esperavam pela chegada do elevador. Quando este finalmente apareceu, Albanese premiu o botão para o quarto andar. Felizmente, as portas encerraram-se antes que o loquaz Lopes do Rio de Janeiro conseguisse entrar.
Enquanto o elevador subia lentamente, o bispo Richter ajeitou várias vezes a batina debruada a roxo, embora desnecessariamente. Feita à mão em Zurique por um alfaiate exclusivo, assentava-lhe na perfeição. Aos setenta e quatro anos, continuava a ser um espécime fisicamente imponente, alto e com ombros quadrados, cabelo grisalho e uma fisionomia inflexível a condizer.
Olhou para o reflexo do cardeal Albanese nas portas do elevador.
— Qual é a ementa desta noite, Vossa Eminência?
— Seja o que for que nos sirvam, vai estar demasiado cozinhado. — Albanese sorriu desajeitadamente. Mesmo envergando a sua batina debruada a vermelho, parecia um simples empregado. — Considere-se afortunado por não ter de participar realmente no conclave.
Na nomenclatura da Igreja Católica Romana, a Ordem de Santa Helena era uma prelatura pessoal. Na verdade, tratava-se de uma diocese global sem fronteiras. Como superior-geral da Ordem, Richter detinha o título de bispo. Contudo, estava entre os homens mais poderosos da Igreja Católica Romana. Várias dezenas de cardeais, todos membros secretos da Ordem, eram obrigados a obedecer a todas as suas ordens, incluindo o cardeal Domenico Albanese.
As portas do elevador abriram-se. Albanese conduziu o bispo Richter ao longo de um corredor vazio. O quarto em que entraram estava às escuras. Albanese descobriu o interruptor.
Richter inspecionou a área circundante.
— Estou a ver que atribuiu a si próprio uma das suítes.
— Os quartos foram atribuídos por sorteio, Vossa Excelência.
— Sorte a sua.
O bispo Richter estendeu a sua mão direita, com o pulso ligeiramente inclinado. Albanese ajoelhou-se e encostou os lábios ao anel que Richter usava no terceiro dedo. Tinha um tamanho idêntico ao Anel do Pescador que Albanese retirara recentemente do apartamento papal.
— Juro-lhe, bispo Richter, a minha eterna obediência.
Richter retirou a mão, resistindo à vontade de usar o pequeno frasco de desinfetante que tinha no bolso. Richter tinha fobia a germes e Albanese parecia-lhe sempre ser um transmissor.
Dirigiu-se à janela e abriu a cortina translúcida. A suíte ficava na parte norte da hospedaria, com vista para a Piazza Santa Marta e para a fachada da basílica. A cúpula estava iluminada por holofotes. Os ferimentos resultantes do atentado terrorista islâmico tinham sarado bem. Oxalá se pudesse dizer o mesmo da Santa Madre Igreja. Era uma