muito espantada quando ela surgiu ontem à noite. Ela me contou que a Madre Superiora do convento morreu e as freiras decidiram mandar as alunas para casa, três semanas antes das férias. Ela me escreveu, mas, como já disse, a carta não chegou.
Parou por um momento, tamborilando os dedos, enquanto olhava para Jeanne. Depois continuou, em voz baixa:
—Hoje, começamos uma nova vida. Você e eu. O passado terminou.
—Uma vida nova, senhora? O que quer dizer com isso?
—O que eu disse. Não é nenhum discurso misterioso, mas um fato. Anteontem, vendi o negócio.
—Senhora!
Jeanne agora estava atônita.
—Sim. Vendi e vendi muito bem. De hoje em diante, o número 5 da Rua do Rei não existe mais para nós. Na verdade, nunca existiu. Madame Bleuet está morta.
—Por isso, mudou os cabelos, madame?
—Exatamente! Meus cabelos estão tão grisalhos como Deus quis! Não há motivo para que eu pareça jovem nem atraente. Agora, tenho outros planos, planos diferentes. Vou ser uma Condessa: a senhora Condessa. Soa bem, não? É o que quero ser, de hoje em diante. Não esqueça.
—Meu Deus! Mas, como pode? Isto é...
—Jeanne, escute e não interrompa. Temos pouco tempo. Logo a senhorita vai acordar e já devemos estar com tudo esclarecido. Eu sou a senhora Condessa. Casei e fiquei viúva. Deve lembrar isso, Jeanne, pois a senhorita não conheceu o Sr. Bleuet. Nunca falei dele e, nas visitas que fiz a ela no internato, sempre me apresentei como Srta. Riquad. Era assim que me comunicava com as freiras. Naquela época, me pareceu mais seguro, e hoje agradeço a minha cautela.
Emilie continuou:
—Agora, quanto à sua parte, há alguns dias passei pela rua de Madeleine e vi uma frasqueira para vender. É uma loja de artigos usados. Havia muitas malas lá, Jeanne, algumas em couro e com brasões da nobreza. Esta manhã, você vai lá e compra para mim. Vai ajudar a apoiar a minha história.
—Malas, senhora? Então, pretende viajar?
—Sim, Jeanne. Vou partir, e você vem conosco: comigo e com a senhorita. Eu já lhe disse que o passado morreu. O futuro está começando.
—Mas para onde vamos, senhora? E por quê a farsa?
—Não devo lhe dizer todos os meus segredos, Jeanne. Prefiro trabalhar sozinha; assim, se as coisas não derem certo, a culpa será só minha. Só que, desta vez, nada pode dar errado, tudo vai dar certo! Durante dezoito anos, planejei e trabalhei para isso. Trabalhei duro. Sim, trabalhei muito duro! Tudo que fiz foi por causa disso.
A voz de Emilie agora não passava de um murmúrio. Seus olhos brilhavam intensamente no rosto pálido. Depois, mudando de expressão de repente, ela estendeu as mãos.
—Não fique tão, espantada, Jeanne. Tem que confiar em mim. Vá depressa comprar as malas. Vamos precisar delas. Depois, temos que ver as roupas. Muitas não servem mais.
—Não servem?
—Claro que não! Agora, sou uma aristocrata. Uma Lady! Abra a porta daquele guarda-roupa e diga que vestidos servem para mim, agora.
Como se estivesse hipnotizada, Jeanne caminhou para o armário de mogno que tomava toda a parede do outro lado do quarto e abriu as portas. Estava cheio de vestidos dos mais variados estilos. Pareciam as cores do arco-íris, com muitas fitas e veludos, rendas e pregas.
—Vou vender todos— Emilie disse, da cama—, sei que não vão render muito, mas a viúva Wyatt, no mercado, dará o melhor preço da cidade. Conte a ela quanto cada um custou e consiga o que puder.
Há um novo, de veludo verde, que só tenho há três meses, e o rosa de lã acetinada, que só foi entregue na semana antes do Natal...
—Mas, senhora, só usou o rosa três vezes!
Jeanne pegou o vestido com carinho. Havia vários laços e enfeites de fitas e o corpete era todo enfeitado de lantejoulas. Parecia um vestido caro, mas havia algo de vulgar nele, algo sugestivo demais.
—Leve-o, Jeanne. Agora sei o que devia parecer, vestida com ele.
Obediente, a empregada colocou o vestido no cabide e fechou a porta do guarda-roupa.
—Se vai vender as roupas, o que usará, senhora?
—Roupas novas: para o dia e para a noite. Devem ser feitas logo. A senhorita também vai precisar de roupas. Vá imediatamente chamar a Sra. Guibout. Peça que venha aqui. Diga que é importante, que vamos fazer uma encomenda grande.
—A Sra. Guibout? Mas ela é muito careira!
—Sei muito bem disso, Jeanne. Mas não vou economizar agora. Como já lhe disse, uma vida nova está começando.
Alguém bateu na porta. As duas se olharam durante um segundo, em silêncio. Depois, como que fazendo um esforço, Emilie disse:
—Entre!
A porta se abriu e Mistral entrou.
Ainda vestia a camisola longa de cambraia que as freiras exigiam como uniforme e tinha colocado um xale de caxemira nos ombros.
Entrou lentamente, com os olhos brilhando e um sorriso. Ao se aproximar da cama da tia, o sol tocou em seus cabelos, transformando-os numa espécie de halo que parecia iluminar todo o quarto. Os cabelos muito loiros emolduravam um rosto pequeno e caíam sobre os seios, em duas tranças pesadas que chegavam até abaixo dos joelhos.
Observando-a, Emilie pensou durante um momento por que achava que Mistral lembrava a mãe. Os olhos eram bem diferentes: os de Alice, azuis e os da moça, de um violeta profundo. Entretanto, havia uma certa semelhança: o jeito de virar a cabeça, o sorriso espontâneo e um ar de alegria não reprimida. De repente, percebeu que Mistral era muito mais bonita do que a mãe.
Aquela combinação estranha de cabelos loiros e olhos escuros era fascinante. Tinha os lábios perfeitos e muito vermelhos, contrastando com a pele clara.
Apesar disso, havia algo não inglês nela, embora fosse obviamente uma dama, como a mãe.
Dos pés à cabeça, era uma aristocrata.
Qualquer coisa em seus movimentos, nos dedos longos e no nariz, reto, revelava seu sangue azul.
Emilie deu um suspiro e Mistral se aproximou.
—Bom-dia, titia. Perdoe ter dormido tanto, mas estava cansada e não lembrei nada quando acordei. Não sabia nem onde estava.
O francês de Mistral era perfeito.
—Podia ter dormido mais, querida. Agora, Jeanne vai trazer seu café. Lembra de Jeanne?
Mistral atravessou o quarto correndo e estendeu as duas mãos para a empregada.
—Claro que sim. Lembro os bombons que fazia e me dava, enquanto escovava meus cabelos. Logo que fui para o internato, senti falta das duas coisas. Tinha que escovar meus próprios cabelos e odiava, quando embaraçavam. Costumava cortar as partes embaraçadas.
—Senhorita, isso é um crime! Pensar que se lembra de mim, depois de doze anos! Claro, você foi a garota mais meiga da Bretanha.
—Senti falta da Bretanha também. Por que nunca deixou que eu a visitasse antes, tia Emilie?
—É uma longa história, e temos coisas muito mais importantes para conversar. Jeanne vai buscar o café. Conversaremos enquanto come.
—Oh, será ótimo! Há tantas coisas que quero saber! Não estou reclamando. Gostava do internato, mas algumas vezes me sentia sozinha. Todas as outras garotas tinham família, e eu só tinha você. Sempre foi boa comigo, mas eu a via pouco e como não havia para onde ir, nas férias, sentia-me diferente.
—Entendo. Mas havia motivo para que não viesse aqui. Agora, não precisamos mais discutir isso, porque as coisas