flutuava no ar entre eles, criando uma mistura de emoções entre as quais Zoe reconheceu, preocupada, a atração. Estava certa de que odiava Anton e, no entanto, também desejara que a beijasse. Fora por isso que o esbofeteara, fugindo de um desejo que se recusava a sentir.
Os olhos de Anton eram duas brasas cujo calor lhe permitiu intuir que ele também se sentia confuso. Estava pálido sob a sua compleição morena e os seus dentes estavam fortemente cerrados.
Finalmente, ele deixou escapar um suspiro prolongado.
– Receio que tenha voltado a comportar-me inadequadamente – admitiu. – Por favor, aceita as minhas desculpas.
Zoe não conseguiu falar e, depois de alguns segundos, Anton virou-se e foi-se embora.
Quando ficou sozinha, Zoe afastou-se da parede e deixou-se cair sobre a cama ao mesmo tempo que libertava o ar que ficara preso nos seus pulmões. Tinha a sensação de ter acabado de participar numa luta de boxe. Estava cansada. E o pior era que ela própria causara a discussão ao acusar Anton de ser um caçador de fortunas.
Porque o teria feito se, apesar de tudo, não acreditava que fosse capaz de cair tão baixo?
A verdade era que já não sabia em que acreditar. Ao levantar-se naquela manhã e encontrar a carta do seu avô sentira-se ferida e ressentida. Quando abrira a porta e aparecera Anton Pallis, tinha-o deixado entrar com a certeza de que o expulsaria numa questão de minutos. E, no entanto, quanto mais falavam, ou discutiam, pensou com um sorriso, mais sabia que podia confiar nele. Quem no seu juízo perfeito confiaria num mentiroso? Porque preferia pensar que o que acabara de dizer fora uma maneira de se vingar por o ter acusado de ser um caçador de fortunas?
Toby tremeu com um soluço e Zoe virou-se.
– Não te tiraram os gases – disse.
Recordou que fora o próprio Anton que tratara dele e sorriu ao ver que não conseguira fechar bem os colchetes da roupa.
Aquele homem perturbador era uma mistura de doçura e severidade, de consideração e crueldade. Porque Zoe estava convencida de que cuidara de Toby como demonstração de arrependimento.
Inclinando-se para ele, endireitou-lhe a roupa e pô-lo ao ombro.
– O que fazemos, Toby? – perguntou. – Aceitamos a oferta de ir conhecer o avô ou continuamos com a batalha?
O menino arrotou e Zoe voltou a pô-lo na cama.
– Já que estamos virtualmente na Grécia, suponho que não vale a pena continuarmos a protestar – decidiu, suspirando.
Mas, de repente, apercebeu-se de que para entrar na Grécia precisariam de passaportes…
Dez minutos mais tarde, depois de se arranjar, Zoe voltou à cabina principal. Só então é que se apercebeu do interior luxuoso e incomodou-a que seis membros do pessoal se levantassem para a receber.
Sentado relaxadamente no seu lugar, Anton levantou o olhar do computador, observando aquela demonstração voluntária de respeito dos seus homens à passageira, e não conseguiu evitar compará-la com os olhares de recriminação que lhe tinham lançado a ele.
Nem sequer Kostas, que nem sequer olhou para ele ao passar ao seu lado para receber Zoe, falava com ele.
Anton virou a sua atenção para o computador enquanto o ouvia perguntar a Zoe se tinha descansado e se oferecia para pôr o menino na sua cadeirinha. Nunca vira aquela faceta de Kostas e muito menos quando, ao sair do quarto, se aproximara para lhe dizer que o seu comportamento fora vergonhoso.
E embora estivesse de acordo com ele, Anton não quisera admiti-lo. Como também não lhe falaria dos outros sentimentos, como o desejo e a atração. A neta de Theo, com os seus olhos azuis vivos, o seu cabelo dourado e a sua pele pálida, assaltava os seus sentidos, deixando-o sem capacidade de reação.
O facto de o enfrentar como uma igual só servia para despertar ainda mais a sua curiosidade. Embora ela se sentisse ofendida se soubesse, a verdade era que tinha a força de Theo. Era uma mulher valente na adversidade e decidida a sobreviver. Anton admirava-a e desejava-a em partes iguais. Sentira-se confortável com ela desde o instante em que entrara em sua casa e fora por isso mesmo que não se incomodara em questionar-se se lhe pareceria bem o plano que preparara para ela e para o seu irmão.
Agira como um homem concentrado em cumprir uma missão, dominado pela adrenalina de ter de tomar decisões e não parara para pensar que qualquer golpe podia derrubar as suas defesas frágeis. Como consequência, Anton tinha a certeza de que recordaria durante muito tempo os gemidos lancinantes de dor que tinham brotado da sua garganta. Era o seu castigo e merecia-o. Como o de o acusar de ser um caçador de fortunas.
O seu perfume a maçã precedeu-a. Mudara de roupa e vestia uma túnica preta e tinha o cabelo preso numa trança frouxa.
– Tenho de falar contigo – disse.
– Por favor, senta-te – convidou ele, deixando o computador de lado.
Zoe mordiscou o lábio, porque teria preferido sentar-se à frente dele e evitar a proximidade, mas finalmente sentou-se com as costas muito erguidas e disse:
– Esqueceste-te de que para entrar na Grécia precisamos de passaportes. Vamos ter de voltar.
Anton olhou para ela sem se alterar.
– Está resolvido – disse, com óbvia satisfação. Depois, inclinou-se para o lado e, tirando uma pasta do banco, pô-los sobre a mesa.
Zoe observou-o, perturbada, enquanto ele a abria e rebuscava até tirar um documento com o selo do governo britânico, que lhe deu.
– O teu irmão viaja com um visto de urgência – explicou, enquanto ela o lia. – Pedi-o aduzindo à gravidade do estado de saúde do teu avô.
Anton passou-lhe outros dois papéis.
– Esta é uma carta do teu médico a dizer que Toby está condições de viajar e esta é dos serviços sociais a dar-te permissão para viajar para o estrangeiro com o teu irmão.
– Conseguiste tudo isto sem que ninguém se incomodasse em consultar-me? – perguntou Zoe, perplexa.
Anton assentiu.
– Só como medida de precaução no caso de surgirem problemas com a custódia – esclareceu. – Dentro de alguns dias, chegará um passaporte para Toby à embaixada em Atenas.
– É preciso uma fotografia para o passaporte – sussurrou Zoe, sem desviar o olhar dos documentos.
– Tirei-lhe uma com o telemóvel e enviei-a ao departamento correspondente.
– Quando? – perguntou Zoe, começando a indignar-se.
– Enquanto fazias as malas – disse ele, sem se aperceber da reação que estava a despertar nela. – Como todos os jornais falavam de ti, não me custou fazer com que as pessoas compreendessem a situação e acelerassem os trâmites. Conheço pessoas nos sítios adequados.
Zoe sentiu que lhe fervia o sangue.
– Está claro que a riqueza e o poder são muito úteis.
Anton devia ter percebido alguma coisa no seu tom porque olhou para ela. No meio de um profundo silêncio, ele bateu com os dedos sobre a mesa e Zoe respirou fundo para conter a raiva.
– Receio que tenha voltado a cometer um erro – disse ele finalmente, suspirando.
– Porque não contaste comigo?
– Porque não precisava de ti. Agi como o teu advogado.
– E ninguém pensou em confirmá-lo?
– Como te disse, todos se mostraram muito atentos.
Zoe deixou escapar uma gargalhada sarcástica.
– Claro e como és tão encantador e um grande manipulador…
– Dizem que é uma das minhas