Susana Rodríguez Lezaun

Uma bala com o meu nome


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pornografia, em busca de alguma coisa com que pudesse surpreendê-lo na cama. Tomei nota mental de várias posições e tentei pô-las em prática, mas a realidade e as minhas limitações físicas impuseram-se e acabei por me conformar com o que já sabia fazer, que também não era assim tão mau.

      A desinibição natural de Noah, que passeava nu pelo apartamento sem nenhum pudor, olhava para mim com descaramento e tocava em lugares em que nenhum ser humano tocara antes, acabou por me contagiar e atrevi-me a experimentar, a pedir e a dar. Deixei-me levar pelo instinto e desfrutei como nunca antes, ainda que, no fim, cobrisse o corpo com o lençol até ao pescoço.

      Fomos algumas vezes ao apartamento dele, um apartamento com um quarto minúsculo, uma cozinha sem porta e uma sala estreita, mas a maioria dos encontros acabava em minha casa, muito mais ampla, prática, discreta e acolhedora.

      Contou-me que se licenciou em Jornalismo, mas que ganhava a vida como empregado de mesa em festas privadas enquanto continuava à procura de um emprego de acordo com as suas aspirações. Confessou que adoraria ser um grande repórter, mas que, enquanto isso não acontecia, trabalhara como instrutor num ginásio, assistente de dentista e carregador no porto.

      Gostava dos filmes de gangsters e de rock, lia romances policiais, livros de história e ensaios sobre economia e globalização, para além das centenas de livros de banda desenhada que se empilhavam em equilíbrio precário no interior do armário do corredor do seu apartamento.

      Os pais e o único irmão viviam em algum lugar da Pensilvânia a que não tencionava regressar, exceto no dia de Ação de Graças e no Natal. Pessoas normais numa vila normal, demasiado aborrecida para um jovem com umas inquietações mínimas. Saíra de casa assim que acabara a secundária e conseguira uma bolsa para estudar na Universidade de Massachusetts, que não era a sua primeira opção, mas fora a única que o aceitara com as suas qualificações.

      Relatou-me as suas viagens ao longo dos Estados Unidos, algumas vezes de mota e outras de comboio, autocarro ou à boleia. Vivera mais intensamente nos últimos cinco anos do que eu em toda a minha vida. As minhas viagens, que não tinham sido poucas e que me tinham levado a percorrer boa parte da Europa, foram sempre tão académicas e profissionais que mal me tinham proporcionado histórias para contar. Recordava a recompensa do estudo, o espanto das obras que, até então, só conhecera nos livros, a admiração que suscitavam em mim as palavras daqueles mestres tão eruditos, tão extraordinários… Mas mais nada. Nada de diversão, nada de turismo, nada de seduções no bar do hotel. Nada de nada.

      Pelo contrário, falei-lhe do meu trabalho, das peças que passavam pela minha mesa, das dificuldades que enfrentava, das dúvidas que me assaltavam às vezes, quando hesitava sobre a melhor técnica para aplicar em cada caso… Não era tão emocionante como as aventuras dele, mas era a minha vida.

      — Adoraria ver onde trabalhas — comentou, uma noite, enquanto me acariciava as costas nuas com a ponta dos dedos —, conhecer o espaço em que te mexes, em que és a rainha.

      — O meu trabalho não é nada do outro mundo — indiquei. — Passo horas inteiras inclinada por cima de uma peça, quase sem me mexer, a remexer entre tintas e pigmentos até encontrar o tom adequado. Ou pior, no meu escritório, a organizar a distribuição de tarefas, os dias feriados, a preencher pedidos de material, a ouvir queixas… É muito aborrecido.

      — Não acredito. A julgar pela forma como os teus olhos brilham quando me contas o que fazes, tem de ser apaixonante.

      — É para mim, certamente, mas para quem não estiver na minha pele, ver uma pessoa sozinha e em silêncio a mexer milimetricamente uma ferramenta tem de ser um verdadeiro aborrecimento.

      — Gostaria de conhecer os teus domínios, a sério.

      — É complicado, é proibida a entrada de qualquer pessoa que não trabalhe no museu — expliquei. A sua careta desiludida comoveu-me e suavizou-me o coração ao ponto de ceder em menos de um minuto. — Talvez possa levar-te algum dia, ao fim da tarde.

      — Seria ótimo! — exclamou, imediatamente. — Desde que não te metas numa confusão, é claro.

      — Não haverá problemas. Quando o museu fecha, só ficam dois vigilantes e estão habituados a ver-me a deambular fora das horas de trabalho. Não vão surpreender-se se os avisar de que vou entrar por uma das portas laterais. Vou dizer-lhes que vou com um técnico que precisa de verificar algum material.

      — Estou desejoso de ir.

      — Está bem, iremos amanhã.

      — Oh, não! — exclamou. — Amanhã, tenho trabalho, achava que te tinha dito…

      — Não faz mal, podemos ir na segunda-feira.

      Como resposta, inclinou-se para mim e ofereceu uma fileira deliciosa de beijos que acabou, como quase sempre, com os nossos corpos unidos a rebolar a um ritmo suave e cadencioso, no meio de sussurros e gemidos.

      Estava a habituar-me demasiado depressa a esta situação. Noah era um homem atencioso e um amante fantástico. Era bonito e divertido e parecia sentir-se bem ao meu lado. Os meus sentimentos, tão claros e contundentes no dia em que nos conhecemos, estavam a mudar a pouco e pouco para uma zona de águas profundas, perigosas e desconhecidas e eu nem sequer sentia consciência do lamaçal em que estava a afundar os pés.

      Como esperava, na segunda-feira à tarde, o vigilante do museu não estranhou quando me viu a aparecer na câmara de vigilância. Abriu a porta e foi ter comigo. Parou ao descobrir Noah ao meu lado, mas deixou-nos passar quando lhe recordei que já avisara de que viria acompanhada de um técnico.

      — Não vamos demorar muito tempo — garanti.

      — Demore o tempo que precisar, senhora Bennett, eu vou estar cá toda a noite.

      O guarda, um cinquentão roliço de sorriso fácil, regressou ao balcão de onde controlava o edifício. Não vi rasto do segundo vigilante, por isso pensei que estaria a fazer a ronda habitual pelas salas e pelos diferentes andares do museu.

      Noah olhava para tudo com curiosidade. Parou à frente de várias obras e interessou-se por uma coleção de figurinhas pré-colombianas que mostravam as suas barrigas volumosas e seios enormes por trás de uma vitrina mal iluminada àquelas horas da noite, longe da hora de visitas.

      — O museu possui obras de arte procedentes dos cinco continentes — expliquei. — Temos a segunda coleção permanente mais importante do país, só o Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque nos supera. E, depois, há as exposições temporárias. Agora, há uma exposição de joias realmente espetacular.

      — Joias num museu?

      — Também são arte! A exposição tem uma seleção de joias antiquíssimas, como uns brincos egípcios de oitocentos anos antes de Cristo e peças espetaculares de joalharia moderna inspiradas no Mundo Antigo: Da Cartier, Bulgari, Castellani… As minhas favoritas são um conjunto de colar e brincos renascentistas feito de platina, ouro, diamantes, rubis, safiras, pérolas e umas pedras de crisólita verde que brilham como os olhos de um gato.

      — Ficarias linda com esses brincos — murmurou, por cima do meu pescoço.

      — Não poderia pagar nenhuma das gemas que os formam.

      — Custam assim tanto?

      — Se estivessem à venda, o seu valor superaria um milhão de dólares.

      Calou-se durante um breve instante. A sua cara de pasmo foi resposta suficiente para a informação que acabara de lhe dar.

      — E não há algo mais… acessível?

      — Bom — respondi, depois de examinar as maravilhas expostas na minha mente —, partindo do princípio de que nenhuma está no mercado… há um colar de ouro e âmbar que está assegurado em cerca de trezentos mil dólares. Foi fabricado por um ourives italiano por volta de 1880, é bastante sóbrio para a época e para o lugar, mas continua a ser uma peça importante. Além disso, não me imagino a usar joias de semelhante tamanho. As donas originais