era um homem de uma determinação inquebrável, um gestor fantástico e um negociador hábil que geria o museu com mão de ferro coberta com luva de veludo. Tudo o que acontecia passava pelo escritório dele primeiro: Desde uma compra, um empréstimo ou a simples recolocação de uma peça, até à contratação de todo o pessoal. E, quando digo tudo, é tudo, desde os peritos até aos supervisores da limpeza, passando por rececionistas, administrativos ou os responsáveis pela comunicação e as relações com os meios de comunicação social.
Hoje, no entanto, o cabelo preto penteado para trás, normalmente pulcro e brilhante, pendia enfraquecido por cima da testa suada. Umas rugas profundas atravessavam-lhe a testa e a expressão descendente da sua boca parecia a de um idoso desorientado que não se lembrava de quem era nem de onde estava.
— Olá — cumprimentei, quando cheguei ao seu lado.
Peter e Brenda calaram-se imediatamente e esboçaram um sorriso forçado, enquanto o diretor do museu mal foi capaz de me olhar nos olhos.
— Isto é uma tragédia — murmurou, como se falasse para si próprio —, uma tragédia.
— Tu não tiveste a culpa.
Baixei-me à frente dele para que pudesse ouvir-me bem. Tremia-lhe uma pálpebra e parecia prestes a chorar.
— Isto vai ter consequências, Zoe. Consequências muito desagradáveis. Roubaram-nos! Levaram três peças muito valiosas. Preciso que o Sanders venha. Está há semanas de baixa. Liguei-lhe, mas a esposa disse-me que está muito doente e que não pode sair de casa, por enquanto. A assistente dele deve estar prestes a chegar. Vai contar-nos os detalhes.
Robert Sanders era o curador da exposição de joias e, com efeito, estava há quase um mês sem aparecer no museu. Ninguém se surpreendera com a baixa por doença, já que, antes de a comunicar, já passara vários dias a deambular pelo edifício como uma alma penada.
Gideon levantou o olhar e levantou-se com ar lento. Eu imitei-o e segui a direção do seu olhar. Descobri um homem corpulento que se aproximava de nós a passos largos. Cabelo avermelhado desordenado por cima de uma cabeça de bom tamanho, ombros largos, peito poderoso e uma barriga que começava a sobressair por cima da linha do cinto. À primeira vista, aparentava uns quarenta e cinco anos, ainda que, ao aproximar-se, lhe desse mais três. Uma sombra escura apagava-lhe a parte inferior da cara. Mantinha o sobrolho franzido e as sobrancelhas juntas, como se estivesse concentrado nuns pensamentos complicados e importantes.
— E a senhora é…? — perguntou, dirigindo-se a mim.
— Zoe Bennett, responsável pela área da restauração do museu.
— Inspetor Max Ferguson.
Apertou a mão que lhe estendia e espremeu-a entre os seus dedos enormes. Recuperei-a o mais depressa que pude, com medo de não conseguir agarrar num pincel nos próximos dias.
— Já falaram com a família do guarda? — perguntou Gideon, ao meu lado.
— Dois dos meus agentes dirigem-se para casa dele neste momento — informou, com sobriedade.
— O que aconteceu? — quis saber.
— Pelos dados com que contamos, o senhor Scott Miller saiu para o exterior pouco depois das dez da noite, não sabemos se para fazer a ronda ou atraído por alguma circunstância, e dirigiu-se para as sebes do fundo, onde foi abatido com dois tiros.
Senti que todo o corpo se arrepiava. O rosto corado e atónito de Scott desenhou-se na minha mente durante uns segundos. Abanei a cabeça para afugentar a imagem.
— Então, toda a gente que está lá fora, está à volta…
— Do cadáver.
O inspetor não teve reparos em acabar a minha frase e observar a minha reação às suas palavras.
— Quem pode ter feito isto?
Falava para mim própria, mas Ferguson deu-se por aludido.
— Supomos que a mesma pessoa que levou as joias, mas, por enquanto, não temos nenhuma imagem que mostre um intruso, nem dentro nem fora do recinto. Quem quer que tenha atraído o vigilante até à rua teve o cuidado de permanecer fora do alcance das câmaras. Vemos o senhor Miller a atender uma chamada telefónica mesmo antes de sair, mas, no seu telemóvel, só consta um número privado. Difícil de encontrar, mas estamos a tentar.
— E o que pode dizer-me sobre o roubo? — perguntei.
— Pouco ou nada, por enquanto. Os meus homens estão a examinar a gravação das câmaras de vigilância, mas, até agora, não vimos ninguém a entrar ou a sair da sala da exposição. É possível que tenham pirateado o sistema antes de entrar ou que tenham posto um ecrã falso à frente do alvo. Não é difícil enganar um sistema de vigilância tão obsoleto como o deste museu. De facto, o alarme da sala em que se cometeu o roubo é tão fácil de desativar que até um aprendiz de ladrão conseguiria fazê-lo. Uma caixa enorme, uma luzinha que pisca e dois cabos. Por favor! Em minha casa, tenho um sistema mais sofisticado. O sistema de vigilância deste museu deveria estar num museu! — exclamou, entre gargalhadas grotescas que ninguém apoiou.
Gideon remexeu-se e resmungou baixinho. As palavras do inspetor eram uma ofensa para ele. Como diretor do museu, era o responsável máximo pela segurança do edifício e do seu conteúdo. As decisões relativas à invulnerabilidade de todas e cada uma das salas precisavam da sua assinatura. Quer dizer, se alguma coisa estava mal, a culpa era inteiramente dele.
— O museu conta com os últimos avanços em segurança — queixou-se, enfrentando o polícia.
Esse homem já se parecia mais com o Gideon Petersen que eu conhecia. O homem choroso que encontrara ao chegar não tinha nada a ver com a pessoa decidida e ativa com que costumava lidar.
— Câmaras de vídeo e abertura de portas através de cartões magnéticos não são grandes medidas de segurança. Qualquer ladrão conseguiria ultrapassá-las sem demasiado esforço. E se tiver ajuda do interior, seria ainda mais fácil.
— Ninguém do museu está envolvido neste roubo infame e nesse assassinato monstruoso! — bramou Gideon. — Com quem acha que está a lidar? Com um grupo de delinquentes sem escrúpulos? Todo o meu pessoal trabalha comigo há anos, foi cuidadosamente selecionado pelo comité da fundação designado para o efeito e não chegam até aqui se não tiveram um currículo amplo e impecável.
Pus-lhe uma mão no braço, tentando acalmá-lo. Tremia com violência. Era evidente que estava a conter-se. O polícia observou-o, como se tencionasse desafiá-lo a dar um passo em frente e continuar com a disputa. O aparecimento de um agente uniformizado pôs fim à luta de galos.
— Inspetor! — chamou-o, quando chegou ao seu lado. — Temos uma coisa nas imagens.
Ferguson virou-se e seguiu o agente. Gideon colou-se aos seus calcanhares e eu imitei-o. Não queria que a situação aquecesse mais do que o necessário.
Outro agente teve de se desviar para permitir a passagem do seu superior para o interior do espaço pequeno que albergava o centro do controlo de segurança. Da última vez que estive tão perto, Scott estava do outro lado do balcão. Agora, estava morto. Não pude evitar sentir um arrepio. Talvez devesse contar-lhes que estive ali… ou talvez não. Continuava a pensar no assunto e, para ser sincera, não encontrava nenhum motivo de peso para confessar a minha… vamos chamar-lhe travessura, uma estupidez que, por outro lado, não se repetiria. Contar isso custar-me-ia o emprego, para além de me pôr numa situação muito comprometedora na investigação. Portanto, segui-os em silêncio e procurei um espaço atrás deles para ver o que o agente descobrira.
Ferguson cheirava a tabaco e a suor, uma mistura desagradável que se completava com o hálito mentolado que exalava cada vez que falava. Deu-me a impressão de que tentava conter a necessidade de nicotina chupando um rebuçado, mas o resultado olfativo era uma mistura inaceitável para a minha pituitária. Esforcei-me para manter a distância, algo impossível no interior do cubículo