Paulo Nunes

Castrado


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Alexander, pedindo para preparar o avião e fazer reserva em um hotel de Amsterdã, Holanda. Queria viajar no dia seguinte. Quando ele me perguntou o porquê de Amsterdã, quis dizer a verdade, mas não tinha certeza se deveria, então, limitei-me a responder que não conhecia a cidade, mas omiti dele a motivação principal. Ele não entenderia se comentasse que estava muito animado para conhecer as prostitutas do Bairro da Luz Vermelha da capital holandesa. Não sei explicar ao certo, mas, naquele instante, tive a impressão de que o que eu buscava, encontraria lá e com elas. Evitando mais perguntas, deixei ele pensando que iria viajar somente para vivenciar a tristeza pela qual já havia me visto chorar diversas vezes.

      Passei o primeiro dia em Amsterdã tentando descansar o máximo que pude. Por que sofro tanto com fuso horário? Detesto-os! Por sorte ou competência de Alexander, cheguei ao hotel Waldorf Astoria Amsterdam por volta das 15h, o que facilitou para que dormisse durante a tarde, jantasse e voltasse para a cama novamente. No segundo dia, acordei por volta das 8h. Estava mais relaxado. Ainda não havia observado minha suíte, mas, depois de ligar para a recepção e pedir meu café da manhã no quarto, duas garrafas de vinho e um kir, passeando por ela, contemplei-a. Suas paredes brancas foscas com alto-relevo em formas geométricas tradicionais, milimetricamente ordenadas, mais os detalhes pintados de azul turquesa, com a técnica de grãos e listras horizontais, foram uma das primeiras coisas que meus olhos perceberam. Na sala de estar, dois sofás grandes e cinzas, dispostos um de frente para o outro, separados apenas por uma mesinha baixa, quadrada e de madeira, mais dois abajures em estilo clássico próximos às duas grandes e altas paredes de vidro transparentes, que mais pareciam portas, e duas prateleiras discretas com alguns vasos antique chamaram a minha atenção. E como me esquecer daquele lustre de doze pequenos abajures, que tinha a mesma cor de azul das paredes, das almofadas dos sofás e de um dos três tipos de tecido que formavam as cortinas, sofisticando o ambiente? Gosto da ideia de as cortinas terem três tipos de tecido com cores harmônicas. Pensei, enquanto deslizava meus dedos, sentindo-os melhor. No meio da parede, entre as duas prateleiras, havia uma TV preta, de tamanho proporcional, que ficou desligada na maioria dos dias em que estive lá. No chão, carpete, cerâmica em estilo moderno e madeira. Aproximando-me da minha cama, já no outro cômodo da suíte, percebi sua cabeceira acolchoada e em tom pastel, e, também, seus contornos e barras em madeira escura e envernizada nos quatro cantos. Ainda passeando meus olhos, vi uma mesinha ao lado da cama, um pequeno sofá de dois lugares na frente dela e mais cortinas, que impediam a entrada de iluminação por aquelas paredes de vidro, que ofereciam uma bela visão da cidade. E tudo isso conferia leveza e harmonia ao ambiente. Gostei do hotel. Pensei e fiquei imaginando o que poderia utilizar para me inspirar a decorar minha próxima casa.

      Duas batidas na porta me desconcentraram. Depois que os dois garçons saíram, fui até à mesa próxima à parede de vidro, onde eles deixaram duas bandejas, e descobri uma delas. O cheiro do café me possuiu e, logo, verti-o em uma xícara, pingando-o com leite. Vi, em um prato, três torradas: uma com manteiga, outra com uma espécie de chocolate e granulado, e a última com uma pasta de amendoim. Em outro prato, pelo menos três tipos de queijos. Havia alguns recipientes com opções de chás e preparos para chocolate quente, frutas e cereais. E, também, meus vinhos e o drink que pedi. Rapidamente, levei a torrada de pasta de amendoim à boca e dei um gole no café. Caminhava pelo quarto, enquanto mastigava, logo querendo terminar para poder apreciar o drink e fumar um cigarro. Assim o fiz, depois de beliscar um dos tipos de queijo e secar a xícara de café. Dado o primeiro gole no kir, acendi o cigarro e fui até o outro cômodo, caminhando faceiramente pela suíte, contemplando aquele silêncio. Sobre a mesinha ao lado da cama, vi que uma luz vermelha piscava no visor do meu celular. Tomei-o à mão e constatei que eram e-mails publicitários. Por um instante, fiquei com os olhos fixos no visor. Nisso, pressionei o ícone da minha galeria de fotos e vídeos. Deslizando o dedo para cima, parei em um vídeo. Toquei a miniatura e senti meu coração disparar, quando meus olhos o viram, e meus ouvidos sentiram a quentura de sua voz novamente, mesmo que pelo som estéreo do meu celular:

      “Você deveria ter vindo, meu amor! Olhe que coisa linda é essa cachoeira! Isso é a melhor coisa dessa cidade. Estamos nos divertindo muito. Daqui a pouco vamos para casa te ver. Eu amo você. Eu amo você.”

      Uma mescla de sentimentos me invadiu naqueles poucos segundos. Senti meu queixo tremer e meus olhos marejarem. E, antes que uma lágrima escorresse pelo meu rosto, lembrei que precisava ser forte e aguentar, pois tinha uma promessa para cumprir e um plano para arquitetar. Engoli a emoção com a saliva, dei um gole no kir e um trago demorado no cigarro, enquanto desliguei o celular e decidi que precisava de um banho e sair da minha suíte suntuosa para conhecer Amsterdã. E que iria começar pelo pintor maldito, que cortou sua própria orelha em um surto psicótico.

      Cansado de esperar na fila por quase quarenta minutos, bufava pela terceira vez, impaciente com aquela demora, quando uma moça liberou a entrada para o próximo grupo de pessoas. Entrei no Van Gogh Museum com turistas de diversos países para uma visita guiada. O ambiente era escuro e intimista, com focos de luz amarela que, do teto, iluminavam somente as paredes, onde as pinturas estavam dispostas, e as quadradas proteções de vidro, que abrigavam outras obras no meio do salão. O guia, especializado em história da arte, falava sobre a técnica e história de cada obra pintada por Van Gogh e, também, sobre algumas curiosidades de sua vida, como sua educação em um internato e seu estado psicológico antes de morrer. Conduzindo-nos ao autorretrato com a orelha cortada, disse o guia:

      “E aqui temos uma das obras mais enigmáticas e sublimes de Van Gogh: o autorretrato com a orelha cortada. Pesquisadores divergem se ele cortou a orelha inteira ou somente o lóbulo. O fato é que, na noite de 23 de dezembro de 1888, depois de uma discussão com o pintor Gauguin, Van Gogh cortou sua orelha, embrulhou-a em um lenço e a levou a uma prostituta chamada Rachel, na cidade de Arles, França. Acredita-se que o pintor e a prostituta mantinham relações sexuais. Ao entregar-lhe o embrulho, ele teria pedido para que ela o guardasse com cuidado. Van Gogh, depois de sair do hospital em 6 de janeiro do 1889, quatorze dias depois de tal brutalidade, pintou essa obra de arte que vemos aqui. Depressivo, esquizofrênico e psicótico são adjetivos que os pesquisadores utilizam para tentar classificá-lo, que, após lesionar parte de sua carne, pintou seu autorretrato como se não fosse importante para ele o que lhe foi tirado...”

      E continuou dando detalhes sobre aquela história, enquanto eu, atento ao que ouvia, percebia meus sentidos se aguçarem e minha mente se inquietar.

      Ele cortou a própria orelha e deu de presente à sua namorada como gesto de amor? Foi isso que fez? Como teve coragem? Privar-se de parte do seu corpo em nome do amor? Por que ele precisaria fazer isso para ela? Um embrulho ensanguentado para uma prostituta. O que ela sentiu ao ver aquilo? Meu Deus, que loucura! E que Natal sangrento ele teve aquele ano, não? Pensava, ainda boquiaberto, tentando dar atenção ao que o guia continuava falando sobre o quadro depressivo e a morte de Van Gogh. Nisso, algo estranho aconteceu comigo. Depois de ouvir a história da orelha cortada e do autorretrato, não consegui manter minha concentração no que o guia explicava, e as imagens ficaram tremidas em minha visão. Por diversas vezes, pisquei os olhos, espremendo-os com força para tentar recuperar a nitidez que perdi. Foi inútil. Sacudi a cabeça discretamente e inspirei profundamente, procurando meu fôlego, que diminuía. Ao soltar o ar suavemente, mantendo meus olhos fixos na tela daquele homem que tinha uma faixa branca cobrindo sua orelha cortada, ouvi uma voz: Foram as mãos dele que seduziram seu irmão. Elas o roubaram de você. De supetão, olhei para trás, procurando quem havia dito aquilo. Um casal de turistas olhou-me com estranheza, franzindo as testas, como se perguntassem o porquê de eu encará-los. Virei meu pescoço para um lado e para o outro, depois para frente, retornando à posição que estava antes, tentado encontrar quem havia dito aquilo e o porquê. Percebi-me ansioso e amedrontado ao mesmo tempo, ao entender que aquilo era algo da minha cabeça. Sorri para mim mesmo, tentando relaxar e concentrar-me novamente. E, no mesmo instante, ouvi mais uma vez: As mãos dele, Gaius. Impulsivamente, gritei, olhando para trás:

      — Quem é? — e obtive o silêncio e a atenção de todos que estavam ali.

      Minha respiração ainda ofegava, e o meu semblante estava envergonhado por ter atrapalhado a explicação do guia, que