e foi um elemento crucial ao nível das transformações nas relações mediterrânicas nos séculos XIII a XV, em boa medida devido aos interesses que recaíam sobre aquela área, já que uma parte da economia ocidental dependia do controlo dos acessos ao Levante e ao Mar Negro.
A sucessão de várias derrotas militares cristãs e a consequente perda contínua de posições territoriais contribuiu para a deterioração da situação militar e económica, ao longo do século XIII, impondo o reforço da colaboração do Ocidente com verbas e com recursos humanos. O Papa Gregório X convocou um concílio ecuménico, onde foi discutido sobretudo o problema do domínio da Terra Santa e a união das Igrejas latina e ortodoxa. Com efeito, em 1274, no II Concílio de Lyon, foi criada uma taxa a aplicar na Cristandade para subsidiar a cruzada. Gregório X (1271-76) conferiu a esta taxação uma base institucional firme, através da definição da atuação de 26 coletores. Na verdade, este concílio redefiniu o papel da cruzada no plano interno da Cristandade, tendo em conta a defesa do que restava dos estados cruzados da Terra Santa.3
Nestas circunstâncias, desenvolveram-se formas de atuação que favoreceram a tomada de consciência em relação a estes assuntos. No II Concílio de Lyon estiveram presentes, entre outros, Guilherme de Beaujeu, Mestre do Templo, e Guilherme de Corceles, cavaleiro do Hospital, este último que há mais de 30 anos servia no Leste, sendo profundo conhecedor da situação que aí se vivia. A sua missão era discutir a forma de ajudar a Terra Santa e de defender as Ordens Militares das críticas episcopais. Perante o avolumar dos problemas, as Ordens Militares queriam continuar a enviar pequenos contingentes (enquadrados na categoria do que se designou por passagium particulare) para reforçar a posição no Levante.4
Apesar de todos os esforços, Acre capitulou e os Estados Latinos da Terra Santa foram desmantelados. As reações fizeram-se sentir de imediato. A partir destes factos, desenvolveram-se várias opiniões sobre a prossecução da cruzada,5 embora, na sua maioria, de cunho utópico. O tema da «recuperatio» da Terra Santa foi abordado em diversos tratados escritos entre os anos 70 do século XIII e inícios do seguinte.6 Ramon Llull no «Tractatus de modo covertendi infideles», redigido pouco depois da tomada de Acre, propõe que Templários, Hospitalários e Teutónicos dividam áreas de influência e de competência no cenário mediterrânico. Porém, este mesmo autor, um pouco mais tarde, na «Epistola summo pontifici Nicolao IV pro recuperatione Terrae Sanctae», propõe que se organize uma única Ordem, a partir dos Templários, Hospitalários, Teutónicos, Santiaguistas e Calatravenhos, que poderia ser designada por «Spiritu Sancto». De acordo com o tratadista, esta nova Ordem seria encabeçada por um filho de um rei, que seria chamado «rex bellator» e seria confirmado pelo rei de Jerusalém.7 Esta solução teria algum eco em Portugal no reinado de D. João I, o primeiro monarca que entregaria a administração das Ordens Militares aos seus próprios filhos. Por outro lado, quando no Concílio de Vienne foi decretada a supressão do Templo, a consequente entrega dos seus bens aos Hospitalários poderia ser interpretada como uma forma de união, como já salientou Alan Forey.8 Em 1309, no tratado sobre a cruzada, intitulado «Liber de acquisitione Terrae Sanctae», Ramon Llull mantem-se firme na defesa da recuperação da cruzada,9 em função da enorme influência que recebe por parte dos interesses aragoneses e franceses.10
O nexo de causalidade entre o desfecho de Acre e a supressão da Ordem do Templo é fácil de estabelecer. Em palavras sucintas, a Ordem, que tinha assumido como objetivo crucial da sua missão a defensa da Cristandade, tinha acabado de dar provas da sua incapacidade militar no Mediterrâneo oriental. Esta razão, a par de outras mais específicas relacionadas com o seu percurso histórico junto da corte capeta, tornava evidente a acumulação de pretextos que ameaçavam o futuro dos Templários. As Ordens Militares (umas mais do que outras) ficaram expostas ao que podemos designar por crise de identidade sem precedentes, em virtude do falhanço de uma das suas missões primordiais. A procura de soluções foi, desde logo, ensaiada e as reações não tardaram. O próprio Mestre Jacques de Molay, em 1305, opôs-se à união dos Templários com os Hospitalários, argumentando que estes últimos tinham sido criados para tratar de doentes. Ao apontar esta especificidade fomentou, como é óbvio, o destino negativo da sua própria instituição.
A partir de 13 de outubro de 1307, altura em que Filipe IV de França mandou deter os Templários,11 criou-se o ambiente que conduziu ao Concílio de Vienne, reunido entre outubro de 1311 e maio de 1312, sobretudo para discutir o destino da Ordem do Templo. Como resultado, a Ordem do Templo foi suprimida em 22 de março de 1312, pela bula «Vox in excelso»,12 do Papa Clemente V, na sequência de um longo processo. Os reflexos deste concílio fizeram-se sentir em toda a Europa13 e também em Portugal, que se fez representar pelo arcebispo de Braga e pelos bispos de Lisboa, do Porto e de Coimbra.14 Contudo, não é deste assunto que se trata aqui. O que importa é ter presente esta conjuntura e perceber como é que ela se manifestou em Portugal.
REFLEXOS EM PORTUGAL: A INSTITUIÇÃO DA ORDEM DE CRISTO
A conjuntura centrada no Mediterrâneo oriental e, em particular, a grande mudança da segunda metade do século XIII refletiram-se em Portugal de forma muito clara e coincidiram com alterações importantes. Dois episódios são suficientes para evidenciar o sincronismo com os acontecimentos vividos a longa distância: a conquista de Faro, o último povoado algarvio, em 1249, e a criação da Ordem de Cristo, em 1319. Esta cronologia estende-se ao longo de dois reinados: o de Afonso III, conhecido como o Bolonhês (1248-1279), e o de D. Dinis (1279-1325). Ambos tinham fortes ligações pessoais e políticas à Europa além-pirenaica, o que lhes garantia o conhecimento atualizado de boa parte do que se estava a passar no plano internacional.
Entre a capitulação de S. João de Acre, a 28 de maio de 1291, e a criação da Ordem de Cristo, a 14 de março de 1319, no rigor do tempo, passaram 27 anos, 9 meses e 17 dias. Se numa leitura objetiva ficamos com a ideia de que bastante tempo passou, numa interpretação mais histórica temos a convicção de que a ligação entre os dois acontecimentos é intensa e se estabelece de forma direta. Acre, apesar de estar tão longe (a cerca de 6.000 km de viagem terrestre), fazia-se sentir muito perto se pensarmos no impacto que tiveram em Portugal os acontecimentos que lá se desenrolaram.
Há também paralelismos cronológicos entre o que aconteceu em França e em Portugal que são muito sugestivos no contexto desta reflexão. O primeiro sinal a que a historiografia tem atribuído significado foi da iniciativa de Filipe IV de França e consistiu na decisão de mandar prender os Templários em 13 de outubro de 1307.15 Do ponto de vista da memória documental, em Portugal, o ano de 1307 coincide, precisamente, com a altura em que as provas arquivísticas relacionadas com esta Ordem sugerem a abertura de um ciclo de grandes alterações relacionadas sobretudo com o património destes freires.16 A situação era complexa e pela bula «Deus ultionum Dominus», de 12 de agosto de 1308, o arcebispo de Braga e o bispo do Porto foram nomeados administradores dos bens do Templo em Portugal.17
No alinhamento