Luis de Camoes

Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III


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tirar-lhe a vida,

      Tirae-lhe a morte tambem.

      Se mais tenho que perder,

      Mais quero que me leveis,

      Com tanto que me deixeis

      Os olhos para vos ver.

– oOo —MOTE ALHEIO

      Amores de huma casada,

      Que eu vi pelo meu mal.

Voltas

      N'huma casada fui pôr

      Os olhos, de si senhores:

      Cuidei que fossem amores,

      Elles fizerão-se amor.

      Faz-se o desejo maior

      Donde o remedio não val,

      Em perigo de meu mal.

      Não me paraceo que Amor

      Pudesse tanto comigo,

      Que donde entra por amigo,

      Se levante por senhor.

      Leva-me de dor em dor,

      E de final em final,

      Cada vez para mor mal.

– oOo —OUTRO SEU

      Enforquei minha esperança;

      Mas Amor foi tão madraço,

      Que lhe cortou o baraço.

Volta

      Foi a esperança julgada

      Por sentença da Ventura,

      Que pois me leve á pendura,

      Que fosse dependurada:

      Vem Cupido com a espada,

      Corta-lhe cerce o baraço.

      Cupido, foste madraço.

– oOo —OUTRO SEU

      Puz o coração nos olhos,

      E os olhos puz no chão,

      Por vingar o coração.

Volta

      O coração invejoso

      Como dos olhos andava,

      Sempre remoques me dava

      Que não era o meu mimoso:

      Venho eu de piedoso

      Do Senhor meu coração,

      E boto os olhos no chão.

– oOo —OUTRO SEU

      Puz meus olhos n'huma funda,

      E fiz hum tiro com ella

      Ás grades d'huma janella.

Volta

      Huma Dama, de malvada,

      Tomou seus olhos na mão;

      E tirou-me huma pedrada

      Com elles ao coração.

      Armei minha funda então,

      E puz os meus olhos nella,

      Trape, quebrei-lhe a janella.

– oOo —ALHEIO

      De pequena tomei amor,

      Porque o não entendi;

      Agora que o conheci,

      Mata-me com desfavor.

Voltas

      Vi-o moço e pequenino,

      E a mesma idade ensina

      Que s'incline huma menina

      Ás amostras d'hum menino:

      Ouvi-lhe chamar Amor,

      Pelo nome me venci;

      Nunca tal engano vi,

      Nem tamanho desamor.

      Cresceo-me de dia em dia

      Com a idade a affeição,

      Porque amor de criação,

      N'alma, e na vida se cria.

      Criou-se em mi este amor,

      E senhoreou-se de mi:

      Agora que o conheci,

      Mata-me com desfavor.

      As flores me torna abrolhos,

      A morte me determina

      Quem eu trouxe de menina

      Nas meninas de meus olhos.

      Desta mágoa e desta dor

      Tenho sabido que emfim

      Por amor me perco a mim

      Por quem de mi perde amor.

      Parece ser caso estranho

      O que Amor em mi ordena,

      Qu'em idade tão pequena

      Haja tormento tamanho.

      Sejão milagres d'Amor,

      Hei-os de soffrer assi,

      Até que haja dó de mi

      Quem entender esta dor.

– oOo —CANTIGA VELHA

      Apartárão-se os meus olhos

      De mi tão longe.

      Falsos amores,

      Falsos, maos, enganadores.

Voltas

      Tratárão-me com cautella,

      Por m'enganar mais asinha;

      Dei-lhe posse d'alma minha,

      Forão-me fugir com ella.

      Não ha vê-los, nem ha vella,

      De mi tão longe.

      Falsos amores,

      Falsos, maos, enganadores!

      Entreguei-lhe a liberdade,

      E, emfim, da vida o melhor;

      Forão-se; e do desamor

      Fizerão necessidade.

      Quem teve a sua vontade

      De si tão longe?

      Falsos amores,

      E oxalá enganadores!

– oOo —OUTRA

      Falso Cavalheiro, ingrato,

      Enganais-me,

      Vós dizeis, que eu vos mato,

      E vós matais-me.

Voltas

      Costumadas artes são

      Para enganar innocencias,

      Piedosas apparencias

      Sôbre isento coração.

      Eu vos amo, e vós ingrato

      Magoais-me,

      Dizendo, que eu vos mato,

      E vós matais-me.

      Vêde agora qual de nós

      Anda mais perto do fim,

      Que a justiça faz-se em mim,

      E o pregão diz que sois vós.

      Quando mais verdade trato

      Levantais-me

      Que vos desamo e vos mato,

      E vós matais-me.

– oOo —PROPRIO

      Se de meu mal me contento,

      He porque para vós vejo

      Em todo o mundo desejo,

      E