Luis de Camoes

Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III


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estejais aggravada,

      Senão se for de vós mesma;

      Porqu'a mulher, que he errada,

      Com razão pela Quaresma

      Deve ser disciplinada.

Voltas

      Quererdes profano amor

      Em Quaresma, he consciencia:

      Açoutes e penitencia

      Vos está muito melhor.

      Não fiqueis disto affrontada,

      Pois a culpa he vossa mesma;

      Que mulher, que he tão malvada,

      He bem que pela Quaresma

      Seja bem disciplinada.

      Se a penitencia vos val,

      Mui bem açoutada estais;

      Pois por Quaresma pagais

      Vossos vicios do carnal.

      Não torneis a ser errada,

      Nem condemneis a vós mesma,

      Pois estais ja emendada;

      E não sereis por Quaresma

      Outra vez disciplinada.

– oOo —A HUM FIDALGO, QUE LHE TARDAVA COM HUMA CAMISA, QUE LHE PROMETTEO

      Quem no mundo quizer ser

      Havido por singular,

      Para mais s'engrandecer,

      Ha de trazer sempre o dar

      Nas ancas do prometter.

      E ja que vossa mercê,

      Largueza tẽe por divisa,

      Como o mundo todo vê,

      Ha mister que tanto dê,

      Que venha a dar a camisa.

– oOo —A HUMA DAMA, QUE LHE CHAMOU DIABO, POR NOME FOÃ DOS ANJOSMote

      Senhora, pois me chamais

      Tão sem razão tão mão nome,

      Inda o diabo vos tome.

Voltas

      Quem quer que vio, ou que leo,

      Terá por novo e moderno,

      Ter quem vive no inferno,

      O pensamento no ceo.

      Mas se a vós vos pareceo,

      Que m'estava bem tal nome,

      Esse diabo vos tome.

      Perdido mais que ninguem

      Confesso, Senhora, ser;

      Mas o diabo não quer

      Aos Anjos tamanho bem.

      Pois logo não me convem,

      Ou se me convem tal nome,

      Será para que vos tome.

      Se vos benzeis com cautella,

      Como de Anjo, e não de luz,

      Mal póde fugir da Cruz,

      Quem vós tendes pôsto nella.

      Mas ja que foi minha estrella

      Ser diabo, e ter tal nome,

      Guardae-vos, que vos não tome.

      Ja que chegais tanto ao cabo,

      Com as mãos, postas aos ceos

      Vou sempre pedindo a Deos,

      Que vos leve este diabo.

      Eu, Senhora, não me gabo;

      Mas pois que me dais tal nome,

      Tomo-o, para que vos tome.

– oOo —A HUM AMIGO, QUE NÃO PODIA ENCONTRARMote

      Qual terá culpa de nós

      Neste mal, que todo he meu?

      Quando vindes, não vou eu,

      Quando vou, não vindes vós.

Volta

      Reinando Amor em dous peitos,

      Tece tantas falsidades,

      Que de conformes vontades

      Faz desconformes effeitos.

      Igualmente vive em nós;

      Mas por desconcêrto seu

      Vos leva, se venho eu,

      Me leva, se vindes vós.

– oOo —MOTE SEU

      Descalça vai pela neve:

      Assi faz quem Amor serve.

Voltas

      Os privilegios, que os Reis

      Não pódem dar, póde amor,

      Que faz qualquer amador

      Livre das humanas leis.

      Mortes e guerras crueis,

      Ferro, frio, fogo e neve,

      Tudo soffre quem o serve.

      Moça formosa despreza

      Todo o frio, e toda a dor.

      Olhae quanto póde Amor

      Mais que a propria natureza.

      Medo, nem delicadeza

      Lh'impede que passe a neve.

      Assi faz quem Amor serve.

      Por mais trabalhos que leve,

      A tudo se off'receria;

      Passa pela neve fria,

      Mais alva que a propria neve;

      Com todo frio se atreve.

      Vêde em que fogo ferve

      O triste, que a Amor serve.

– oOo —OUTRO ALHEIO

      A dor que a minha alma sente,

      Não na sabe toda a gente.

Voltas

      Qu'estranho caso de Amor!

      Que desejado tormento!

      Que venho a ser avarento

      Das dores de minha dor!

      Por me não tratar peor,

      Se se sabe, ou se se sente,

      Não na digo a toda a gente.

      Minha dor e causa della

      De ninguem ouso fiar;

      Que sería aventurar

      A perder-me, ou a perdella.

      E pois só com padecella,

      A minha alma está contente,

      Não quero que o saiba a gente.

      Ande no peito escondida,

      Dentro n'alma sepultada;

      De mi só seja chorada,

      De ninguem seja sentida.

      Ou me mate, ou me dê vida,

      Ou viva triste ou contente,

      Não ma saiba toda a gente.

– oOo —OUTRO SEU

      D'alma, e de quanto tiver,

      Quero que me despojeis,

      Com tanto, que me deixeis

      Os olhos para vos ver.

Volta

      Cousa este corpo não tem,

      Que