no chão espalhais?
Se pouco vos mereci,
Não m'estimeis mais que o chão,
A quem vós o galardão
Dais, e mo negais a mi.
Venceo-me Amor, não o nego;
Tẽe mais fôrça qu'eu assaz;
Que como he cego e rapaz,
Dá-me porrada de cego.
Só porque he rapaz ruim,
Dei-lhe hum boféte zombando.
Diz-me: Ó mao, estais me dando,
Porque sois maior que mim?
Pois se eu vos descarrégo,
E em dizendo isto, chaz;
Torna-me outra; tá rapaz,
Que dás porrada de cego.
Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais m'espantar,
Os maos vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assi
O bem tão mal ordenado,
Fui mao; mas fui castigado.
Assi, que só para mi
Anda o mundo concertado.
Perguntais-me, quem me mata?
Não quero responder nada,
Por vos não fazer culpada.
E se a penna não me atiça,
A dizer pena tão forte,
Quero-me entregar á morte,
Antes que a vós á justiça.
Porém se tendes cobiça
De vos verdes tão culpada,
Direi que não sinto nada.
Esconjuro-te, Domingas,
Pois me dás tanto cuidado,
Que me digas se te vingas,
Viverei menos penado.
Juravas-me, que outras cabras
Folgavas de apascentar;
Eu por não me magoar,
Fingia qu'erão palabras.
Agora d'arte te vingas
D'algum meu doudo peccado,
Qu'inda que queiras, Domingas,
Não posso ser enganado.
Qualquer cousa busca o seu;
A fonte vai para o Tejo,
E tu para o teu desejo,
Por te vingares do meu.
De mi t'esqueces, Domingas,
Como eu faço do meu gado:
Praza a Deos, que se te vingas,
Que morra desesperado.
Na phantasia te pinto,
Fallo-te, responde o monte,
Busco o rio, busco a fonte,
Endoudeço, e não o sinto:
Domingas no valle brado,
Responde o eco Domingas;
E tu inda te não vingas
De me ver doudo tornado!
Se a alma ver-se não póde
Onde pensamentos ferem,
Que farei para me crerem?
Se n'alma huma só ferida
Faz na vida mil sinais,
Tanto se descobre mais,
Quanto he mais escondida.
S'esta dor tão conhecida
Me não vem, porque não querem,
Que farei para ma crerem?
Se se pudesse bem ver
Quanto callo, e quanto sento,
Despois de tanto tormento
Cuidaria alegre ser.
Mas se não me querem crer
Olhos, que tão mal me ferem,
Que farei para me crerem?
Vosso bem querer, Senhora,
Vosso mal melhor me fôra.
Ja agora certo conheço
Ser melhor todo tormento,
Onde o arrependimento
Se compra por justo preço.
Enganou-me hum bom comêço;
Mas o fim me diz agora
Que o mal melhor me fôra.
Quando hum bem he tão damnoso,
Que sendo bem, dá cuidado,
O damno fica obrigado
A ser menos perigoso.
Mas se a mi por desditoso,
Co'o bem me foi mal, Senhora,
Co'o vosso mal bem me fôra.
Se me desta terra for,
Eu vos levarei, amor.
Se me for, e vos deixar,
(Ponho por caso, que possa)
Est'alma minha, qu'he vossa,
Comvosco m'ha de ficar.
Assi que só por levar
A minha alma, se me for,
Vos levarei, meu amor.
Que mal póde maltratar-me,
Que comvosco seja mal?
Ou que bem póde ser tal,
Que sem vós possa alegrar-me?
O mal não póde enojar-me,
O bem me será maior,
Se vos levar, meu amor.
Pequenos contentamentos,
Hi buscar quem contenteis,
Que a mi não me conheceis.
Os gostos, que tantas dores
Fizerão ja valer menos,
Não os acceita pequenos,
Quem nunca teve maiores:
Bem parecem vãos favores,
Pois tão tarde me quereis,
Qu'inda me não conheceis.
Offereceis-me alegria,
Tendo-me ja cego e mouco:
He