vir, pela alma que tinha;
Enganou-me; tinha a minha;
Deo-lhe pouco de perdella.
A vida gasto apos ella,
Porque ma dá, se promette,
Mas tira-ma, quando mente.
Má, mentirosa, malvada,
Dizei, porque me mentis?
Prometteis, e então fugis?
Pois sem tornar, tudo he nada.
Não sois bem aconselhada;
Que quem promette, se mente,
O que perde não o sente.
Tudo vos consentiria
Quanto quizesseis fazer,
Se este vosso prometter
Fosse por me ter hum dia.
Todo então me desfaria
Com gôsto; e vós de contente,
Zombarieis de quem mente.
Mas pois folgais de mentir,
Promettendo de me ver,
Eu vos deixo o prometter,
Deixae-me vós o servir:
Haveis então de sentir
Quanto a minha vida sente
O servir a quem lhe mente.
Catharina me mentio
Muitas vezes, sem ter lei,
E todas lhe perdoei
Por huma só que cumprio.
Se como me consentio
Fallar-lhe, o mais me consente,
Nunca mais direi que mente.
A alma, qu'está offrecida
A tudo, nada lhe he forte;
Assi passa o bem da vida,
Como passa o mal da morte.
De maneira me succede
O que temo, e o que desejo,
Que sempre o que temo, vejo,
Nunca o que a vontade pede.
Tenho tão offerecida
Alma e vida a toda a sorte,
Que isso me dera da morte,
Como ja me dá da vida.
Ferro, fogo, frio e calma,
Todo o mundo acabarão;
Mas nunca vos tirarão,
Alma minha, da minha alma.
Não vos guardei, quando vinha,
Em tôrre, fôrça, ou engenho;
Que mais guardada vos tenho
Em vós, que sois alma minha.
Alli nem frio, nem calma,
Não podem ter jurdição;
Na vida sim, porém não
Em vós que tenho por alma.
Esperei, ja não espero
De mais vos servir, Senhora;
Pois me fazeis cada hora
Tanto mal, que desespéro.
Pois sei certo que folgais,
Quando mais mal me fazeis,
E que nunca descansais,
Senão quando me mostrais
Quão pouco bem me quereis;
Servir-vos mais não espero
Pois meu viver empeora
Com me fazerdes, Senhora,
Tanto mal, que desespéro.
Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
Vai formosa, e não segura.
Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamalote:
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura;
Vai formosa, e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabellos de ouro entrançado,
Fita de côr d'encarnado,
Tão linda que o mundo espanta:
Chove nella graça tanta,
Que dá graça á formosura;
Vai formosa, e não segura.
Quem disser que a barca pende,
Dir-lhe-hei, mana, que mente.
Se vos quereis embarcar,
E para isso estais no caes,
Entrae logo: que tardaes?
Olhae qu'está preamar:
E se outrem, por vos fretar,
Vos disser qu'esta que pende,
Dir-lhe-hei, mana, que mente.
Esta barca he de carreira;
Tẽe seus apparelhos novos:
Não ha como ella outra em Povos
Boa de leme, e veleira:
Mas, se por ser a primeira,
Vos disser alguem que pende,
Dir-lhe-hei, mana, que mente.
Com razão queixar-me posso
De vós, que mal vos queixais;
Pois, Senhora, vos sangrais,
Que seja n'hum corpo vosso.
Eu para levar a palma,
Com que ser vosso mereça,
Quero que o corpo padeça
Por vós, que delle sois alma.
Vós do corpo vos queixais,
Eu queixar-me de vós posso,
Porque, tendo hum corpo vosso,
Na minha alma vos sangrais.
E sem fazer differença
No que de mi possuis,
Pelo pouco que sentis,
Dais á minh'alma doença.
Porque dous aventurais?
Oh não seja o damno nosso!
Sangre-se este corpo vosso,
Porque, minha alma, vivais.
E inda, se attentardes bem,
Seguis medicina errada,
Porque para ser sangrada
Hum'alma sangue não tem.
E pois em mi sarar posso
Males, que á minha alma dais,
Se