esquecerião,
Postoque mal me tratárão;
Annos não me lembrarião,
Que como est'outros passarão,
Tempos tristes passarião.
Se fosse galardoado
Este trabalho tão duro,
Não vivêra magoado.
Mas não o foi o passado,
Como o será o futuro?
De cansar não cansaria,
Se quizereis, que cansasse;
Cavar, morrer, fa-lo-hia;
Tudo, emfim, esqueceria,
Se algum'hora vos lembrasse.
Triste vida se me ordena,
Pois quer vossa condição
Que os males, que dais por pena,
Me fiquem por galardão.
Despois de sempre soffrer,
Senhora, vossas cruezas,
A pezar de meu querer,
Me quereis satisfazer
Meus serviços com tristezas.
Mas, pois em balde resiste
Quem vossa vista condena,
Prestes estou para a pena;
Que de galardão tão triste
Triste vida se me ordena.
De contente do mal meu
A tão grande extremo vim,
Que consinto em minha fim:
Assi que vós e mais eu,
Ambos somos contra mim.
Mas que soffra meu tormento,
Sem querer mais galardão,
Não he fóra de razão
Que queira meu soffrimento,
Pois quer vossa condição.
O mal, que vós dais por bem,
Esse, Senhora, he mortal;
Que o mal, que dais como mal,
Em muito menos se tem,
Por costume natural.
Mas porém nesta victoria,
Que comigo he bem pequena,
A maior dor me condena
A pena, que dais por gloria,
Que os males, que dais por pena.
Que mor bem me possa vir,
Que servir-vos, não o sei.
Pois que mais quero eu pedir,
Se quanto mais vos servir,
Tanto mais vos deverei?
Se vossos merecimentos
De tão alta estima são,
Assaz de favor me dão
Em querer que meus tormentos
Me fiquem por galardão.
Ja não posso ser contente,
Tenho a esperança perdida;
Ando perdido entre a gente,
Nem morro, nem tenho vida.
Despois que meu cruel Fado
Destruio huma esperança,
Em que me vi levantado,
No mal fiquei sem mudança,
E do bem desesperado.
O coração, que isto sente,
Á sua dor não resiste,
Porque vê mui claramente
Que pois nasci para triste,
Ja não posso ser contente.
Por isso, contentamentos,
Fugi de quem vos despreza:
Ja fiz outros fundamentos,
Ja fiz senhora a tristeza
De todos meus pensamentos.
O menos que lh'entreguei,
Foi esta cansada vida:
Cuido que nisto acertei,
Porque de quanto esperei
Tenho a esperança perdida.
Acabar de me perder
Fôra ja muito melhor;
Tivera fim esta dor,
Que não podendo mor ser,
Cada vez a sinto mor.
De vós desejo esconder-me,
E de mi principalmente,
Onde ninguem possa ver-me;
Que pois me ganho em perder-me,
Ando perdido entre a gente.
Gostos de mudanças cheios,
Não me busqueis, não vos quero:
Tenho-vos por tão alheios,
Que do bem que não espero,
Inda me ficão receios.
Em pena tão sem medida,
Em tormento tão esquivo
Que morra, ninguem duvída;
Mas eu se morro, ou se vivo,
Nem morro, nem tenho vida.
A morte, pois que sou vosso,
Não a quero; mas se vem,
Ha de ser todo meu bem.
Amor, qu'em meu pensamento
Com tanta fé se fundou,
Me tẽe dado hum regimento,
Que quando vir meu tormento
Me salve com cujo sou.
E com esta defensão,
Com que tudo vencer posso,
Diz a causa ao coração:
Não tẽe em mi jurdição
A morte, pois que sou vosso.
Por exprimentar hum dia
Amor se me achava forte
Nesta fé, como dizia,
Me convidou com a morte,
Só por ver se a temeria.
E como ella seja a cousa
Onde está todo meu bem,
Respondi-lhe, como quem
Quer dizer mais, e não ousa:
Não a quero, mas se vem…
Não disse mais, porque então
Entendeo quanto me toca;
E se tinha dito o não,
Muitas vezes diz a boca,
O que nega o coração.
Toda a cousa defendida
Em mais estima se tem:
Por isso he cousa sabida,
Que