Luis de Camoes

Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III


Скачать книгу

meninas delles vê

      Que meninas não tẽe fé.

Voltas

      Quem põe suas confianças

      Em meninas sem assento,

      Offereça o soffrimento

      A duzentas mil mudanças.

      Mostrão no ar esperanças;

      Mas em seus olhos se vê

      Como não tẽe n'alma fé.

      Enganão ao parecer,

      Porque no caso d'amar,

      São mulheres no matar,

      E meninas no querer.

      Quem em seus olhos se crer,

      Cem mil graças nelles vê;

      Vê-las sim, mas não ter fé.

      Amostrão-vos n'hum momento

      Favores assi a mólhos;

      Mas na mudança dos olhos

      Se lhe muda o pensamento.

      Em nada ja tẽe assento,

      E o que mais nelles se vê

      He formosura sem fé.

– oOo —LOUVANDO E DESLOUVANDO UMA DAMACantiga Velha

      Sois formosa, e tudo tendes,

      Senão que tendes os olhos verdes,

Voltas

      Ninguem vos póde tirar

      Serdes tão bem assombrada;

      Mas heis-me de perdoar,

      Que os olhos não valem nada.

      Fostes mal aconselhada

      Em querer que fossem verdes:

      Trabalhae de os esconderdes.

      A vossa testa he jardim,

      Onde Amor se desenfada;

      He tão branca e bem talhada,

      Que parece de marfim.

      Assi he; e quanto a mim,

      Isso vos nasce de a terdes

      Tão perto dos olhos verdes.

      Os cabellos desatados

      O mesmo sol escurecem;

      Senão que por ser ondados,

      Algum tanto desmerecem:

      Mas á fé, que se parecem

      A furto dos olhos verdes,

      Não vos peze, não, de os terdes.

      As pestanas tẽe mostrado

      Ser raios, que abrazão vidas:

      Se não forão tão compridas,

      Tudo o mais era pintado:

      Ellas me tinhão levado

      A alma, sem o vós saberdes,

      Se não forão os olhos verdes.

      O mimo desse carão

      Nem pôr-lhe os olhos consente:

      O ser liso e transparente

      Rouba todo o coração:

      Inda assi achareis nação,

      Que lhe não peze de os verdes;

      Mas não seja co'os olhos verdes.

      Esse riso, que he compôsto

      De quantas graças nascêrão,

      Senão que alguns me disserão,

      Vos faz covinhas no rôsto.

      Na vontade tenho posto

      Dar-vos a alma, se quizerdes,

      A trôco dos olhos verdes.

      Nunca se vio, nem se escreve

      Boca co'huma graça igual,

      Se não fôra de coral,

      E os dentes de côr de neve.

      Dou-me eu a Deos, que me leve!

      Soffrerei quanto tiverdes,

      Não me tenhais olhos verdes.

      Essa garganta merece

      Outras palavras não minhas,

      Senão qu'he feita em rosquinhas

      D'alfenim, ao que parece.

      Eu sei bem quem se offerece

      A tomar tudo o que tendes,

      E tambem os olhos verdes.

      Essas mãos são ferropeas:

      Só o vê-las enfeitiça;

      Senão que são alvas, cheias,

      E tẽe a feição roliça;

      Com que appellais por justiça,

      Para com ellas prenderdes

      Quem vê vossos olhos verdes.

      A vossa galantaria

      Matará a quem fallardes:

      Tendes huns desdens e tardes,

      Que eu logo vos roubaria.

      Oh dou-me a Santa Maria!

      Sou cujo de quanto tendes,

      E tambem desses olhos verdes.

– oOo —AO MESMO

      Tudo tendes singular,

      Com que os corações rendeis,

      Senão que rindo, fazeis

      Covinhas para enterrar:

      E para resuscitar

      Tẽe força a graça que tendes;

      Senão que tendes os olhos verdes.

      Tudo, Senhora, alcançais,

      Quanto o ser formosa alcança,

      Senão que dais esperança

      Co'os olhos com que matais.

      Se acaso os alevantais,

      He para as almas renderdes;

      Senão que tendes os olhos verdes.

– oOo —A DOM ANTONIO, SENHOR DE CASCAES, QUE TENDO-LHE PROMETTIDO SEIS GALLINHAS RECHEADAS POR HUMA COPLA QUE LHE FIZERA, LHE MANDOU POR PRINCÍPIO DA PAGA MEIA GALLINHA RECHEADA

      Cinco gallinhas e meia

      Deve o Senhor de Cascais;

      E a meia vinha cheia

      De appetite para as mais.

– oOo —MOTE

      Catharina bem promette;

      Ora má! como ella mente!

Voltas

      Catharina he mais formosa

      Para mi, que a luz do dia;

      Mas mais formosa sería,

      Se não fosse mentirosa.

      Hoje a vejo piedosa,

      Á manhãa tão differente,

      Que sempre cuido que mente.

      Prometteo-me hontem de vir,

      Nunca mais appareceo;

      Creio que não prometteo,

      Senão só por me mentir.

      Faz-me, emfim, chorar e rir;

      Rio, quando me promette,

      Mas chóro quando me mente.

      Jurou-me