Andres Mann

Tess


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a central da equipe de crises da cidade. Toda manhã reuniam-se ali os bombeiros, assistentes sociais, diretores de escolas, gestores de serviços de saúde, e membros do comitê de finanças para descobrir como lidar com a escassez de alojamentos para outros imigrantes que já estavam a caminho. A cidade elaborou um plano experimental de usar mais de 13 dos ginásios de escolas da cidade para abrigar os refugiados.

      - Tivemos de cancelar todas as aulas de educação física e proibir os clubes esportivos locais de usarem essas instalações até segunda ordem – explicou o prefeito, meneando a cabeça.

      - Agora temos receio de que os pais se rebelem. – prosseguiu ele. - Um mês atrás, pedimos às pessoas que aceitassem os imigrantes como vizinhos, mas agora estamos invadindo a vida delas. Estamos tirando aulas de nossos filhos, e seus times de futebol também. Não há outra opção.

      O gerente de uma empresa que vendia contêineres habitáveis aguardava fora do escritório do ginásio, e contou que as entregas estavam com até 25 semanas de atraso.

      O estoque de camas dobráveis na Alemanha estava acabando. A cidade encomendara cinco mil camas e colchões da Ikea da Polônia. Um funcionário passou uma hora ao telefone tentando comprar chuveiros portáteis.

      - Estão em falta. – disse ele.

      Depois, Tess e Jake foram conversar com Sabine Bauer, diretora de uma escola, que estava aconselhando suas colegas da cidade inteira em busca de orientações sobre como lidar com as crianças imigrantes.

      - Eu aviso que vão precisar de toda uma infraestrutura para isso. – disse ela.

      Sua escola tinha uma “unidade de integração”, composta por uma assistente social, uma psicóloga e uma professora que falavam árabe. Algumas das professoras estavam fazendo cursos para ensinar o alemão para estrangeiros. Também tiveram de comprar novas grelhas para servir as crianças muçulmanas com linguiças de frango e peru, em lugar das locais, que eram feitas com carne de porco.

      - Há muita gente insatisfeita com a atenção e os recursos que estamos destinando aos estrangeiros, tanto dentro como fora da escola. – disse Sabine. - Na Alemanha, um refugiado aceito como tal recebe um apartamento, assistência médica, um curso de alemão e 399 euros por mês. Muitos dos nossos, aqui da cidade, estão desempregados, e numa situação mais difícil que essa. Não conseguimos integrar os desempregados na nossa sociedade, e então nos mandaram achar um modo de integrar os refugiados.

      De volta a Munique, Tess e Jake assistiram aos noticiários na TV, e conversaram com amigos alemães sobre a situação. Não havia dúvida de que os alemães estavam ficando decepcionados com a decisão da Chanceler Merkel, de deixar mais de um milhão de refugiados muçulmanos virem para a Alemanha. As autoridades locais estavam no limite de sua capacidade. Bilhões de euros haviam sido gastos, e o problema parecia não ter fim. A imprensa relatava casos de estupro cometidos por imigrantes na Suécia. A Dinamarca havia declarado que não receberia nenhum imigrante ou refugiado. A Hungria fez igual. A França expulsou os refugiados que tentaram entrar pelo norte da Itália. Havia pressão política no Reino Unido para não aceitarem refugiados. Até o ex-chanceler da Alemanha disse que abrir as portas para uma quantidade ilimitada de refugiados foi um erro, complementando com sua opinião de que Angela Merkel “tinha coração, mas não contava com nenhum plano”.

      Três eleições estaduais importantes se avizinhavam, e parecia inevitável que o partido populista Alternativa para a Alemanha, o AfD de extrema direita, conseguisse fazer avanços consideráveis. Merkel levaria a culpa, e seu apoio havia desabado. Se seu Partido Democrata Cristão lhe virasse as costas, ela poderia até perder a chancelaria. A Europa sem a liderança de Merkel iria afundar.

      Durante o café no apartamento de seus amigos alemães, Tess perguntou:

      - Por que Merkel, sempre tão prudente, resolveu fazer isso?

      - Porque nós, alemães, estamos tentando nos redimir do que os nazistas fizeram na II Guerra Mundial. – explicou Elfriede. - E também porque ela tem bom coração.

      - Mas o que ela está fazendo não tem muito sentido. Estamos falando de acolher mais de um milhão de pessoas com religião e cultura radicalmente diferentes.

      - Acho que Merkel fez a coisa certa, porém não estabeleceu limites. - completou Elfriede. - A questão agora é como ela irá lidar com as consequências. A Alemanha não tem condições de acolher mais refugiados.

      Jake estava lendo o jornal local. Em duas semanas ele havia aprendido o suficiente de alemão para conversar e ler a linguagem complicada quase razoavelmente.

      - O que você acha da situação, Jake?

      Elfriede sabia que Jake era um prodígio intelectual, com um enorme talento para discernir a essência de um problema a partir de um monte de informações conflitantes.

      - Esta é uma situação que vai muito além da Alemanha. Boa parte do problema começou na Síria e na insurreição que houve por lá. Inclui a Turquia, porque ela está na linha de frente da crise dos refugiados. Então há a Rússia, que apoia a Síria. Os Estados Unidos entram na equação também, e o problema imediato afeta a Europa inteira. A União Europeia precisa estabelecer uma fronteira externa que funcione, se quiser se manter sem fronteiras por dentro. Caso contrário, vão reaparecer as fronteiras nacionais, e a UE irá se esfacelar. Precisamos terminar essa guerra da Síria, que é a fonte primária do êxodo de refugiados. A Europa está pagando para a Turquia aumentar o rigor nas suas fronteiras e interromper o fluxo de refugiados, mas os turcos estão fazendo um jogo de extorsão. Também precisamos que países europeus como a Polônia e a Hungria, que recebem injeções maciças de capital da UE, larguem essa posição ingrata de xenofobia nacionalista, mas isso não irá acontecer em breve.

      Jake prosseguiu com sua dissertação.

      - Na Rússia, precisamos que Vladimir Putin coopere, mas a estratégia dele é solapar uma Europa unida. Um fluxo de refugiados “armados” conseguiria fazer exatamente isso.

      - E quanto aos Estados Unidos? - perguntou Elfriede. - Certamente devem fazer parte da solução.

      - Os Estados Unidos estão ocupados em tentar manter no poder um governo disfuncional no Iraque, e em combater o EI pelo ar. Não querem se meter diretamente na crise síria, e com bons motivos. Já desistiram de derrubar Assad. Se ele cair, é quase certo que as seitas muçulmanas virulentas irão tomar o seu lugar. A Síria irá implodir.

      A próxima escala era Berlim. A dimensão do desafio que a Alemanha enfrentava era evidente no aeroporto desativado de Tempelhof, em Berlim. Os amplos hangares de 15 metros de altura estavam sendo convertidos em abrigos para milhares de refugiados, que dormiam onde anteriormente se guardavam aviões. Havia cerca de 2.600 refugiados ali, e eles esperavam receber mais sete mil. A expectativa era acomodar mais umas 60 mil pessoas na capital.

      Tess conversou com um casal de jovens refugiados vindos de Alepo. Ouviu reclamações sobre a comida, ter de aprender alemão, e como as semanas se esticavam para meses, enquanto eles ficavam naquela central de emergência. No início, não queriam sair de Alepo, mas isso dependeria de a guerra terminar. Passaram um, dois, três anos nessa esperança, até que perceberam que tinham quatro guerras a enfrentar: a Síria de Assad contra os rebeldes; o EI contra o governo e os rebeldes sírios; os sauditas contra o Irã; e os curdos contra o EI. Então perderam as esperanças. Os refugiados do Oriente Médio não saíram de lá como opção. Eles saíram por falta de qualquer outra opção.

      A UE propusera que as nações europeias aceitassem e distribuíssem entre